COP26 escancara que Brasil precisa parar de andar na contramão do mundo

A floresta é a principal infraestrutura da Amazônia e presta relevantes serviços ao Brasil e a todo o planeta. Temos que valorizá-la por isso

Por Sérgio Guimarães*

A economia global precisou pisar no freio durante o período de mais restrições da pandemia e um dos resultados foi que as emissões de gases de efeito estufa caíram em cerca de 7% em 2020. Menos no Brasil. Na contramão do mundo, nossas emissões registraram um aumento de quase 10%, o maior desde 2006, segundo relatório do Observatório do Clima divulgado alguns dias antes do início do COP 26.

O grande diferencial foi o desmatamento! Somente neste mês de setembro, derrubamos mais de mil quilômetros quadrados da maior floresta tropical da Terra. Por dia, a floresta perdeu uma área maior que 4 mil campos de futebol, segundo dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Assim, o Brasil chegou à Glasgow como um dos países que mais contribuem para agravar o aquecimento global, o que é péssimo para a nossa economia. Segundo o mesmo relatório, se a Amazônia fosse um país, seria o nono maior emissor do mundo. Somando o Cerrado, os dois biomas seriam o oitavo maior, à frente de Irã e Alemanha.

O processo crescente de derrubar árvores para fazer pasto é apontado como um dos grandes motivos para o nosso destaque negativo durante esse evento fundamental para o futuro do planeta e da humanidade. Toda a comunidade científica já fala disso há tempos, mas, apesar dos alertas, o processo ainda não parou.

No entanto, se tem uma coisa que as discussões em curso na COP26 estão deixando claro é que, se o problema é grande, o potencial de solução em diferentes campos também é.

A maior delegação de lideranças indígenas brasileiras da história do evento está lá contribuindo com ideias valiosas de outras formas de nos relacionarmos com a terra. E o mundo todo vai ganhar se levar essas ideias pra casa e colocá-las em prática.

Antes de mais nada, precisamos parar de desmatar — para ontem! A Amazônia tem que ser enxergada como a infraestrutura que ela é, pois presta serviços diversos para todo o planeta, que dela depende para estabilidade do clima. Manter a floresta em pé é bom para o mundo todo e, portanto, esses serviços podem ser quantificados em escala global. Em dinheiro, inclusive. Há alguns anos, o estudo Changes in the Global Value of Ecosystem Services, liderado por pesquisadores da Austrália, estimou que os benefícios da manutenção da floresta podem chegar a trilhões de reais por ano. Se esse trabalho fosse atualizado hoje, certamente mostraria valores ainda maiores, porque agora as principais referências globais em economia já entenderam que lucrar a qualquer custo é, no longo prazo, prejuízo. Monetário e também para a nossa vida por aqui. Como o Um Só Planeta costuma enfatizar, não há planeta B.

Nessa nova economia, cujos rumos vêm sendo delineados em Glasgow, a infraestrutura começa a ser pensada pelos serviços que presta para as pessoas. Assim, os megaprojetos devem perder espaço para os menores, não mais baseados na destruição e no concreto, mas em alternativas que não impactem o meio ambiente, respeitem as comunidades e favoreçam seus modos de vida. Essa é a infraestrutura que queremos, pauta com a qual o GT Infraestrutura trabalha há alguns anos. Ela é um meio para chegarmos a outros modos de produção, que precisamos adotar para continuar vivendo aqui no Planeta.

“O que está acontecendo é uma transformação profunda que será mais promissora quanto mais ela obedecer às necessidades da luta contra a crise climática”, afirmou Ricardo Abramovay, economista, professor e especialista em economia verde em episódio do podcast Infraestrutura Sustentável, que é um espaço onde discutimos várias dessas alternativas que reconhecem que nossos biomas são também infraestruturas e que, portanto, não faz sentido destruí-los.

Em Glasgow, pontos importantes têm sido reafirmados. Mas, para além da teoria e dos debates, é fundamental que o Brasil honre os compromissos historicamente assumidos, saia da contramão e se realinhe com os esforços mundiais para a redução das emissões de efeito estufa, que além de reduzirem os eventos extremos, que causam graves prejuízos ao país, contribuem com a economia e geram renda e emprego para a população. Sem isso ficaremos isolados e todos vamos arcar com as consequências. E, com certeza, o preço será alto. Aliás, já está sendo. As crises hídrica e energética são só um pequeno exemplo.

*Sérgio Guimarães é secretário executivo do GT Infraestrutura, rede com 40 organizações da sociedade comprometidas com a construção de um mundo com mais justiça socioambiental.

Imagem: Pixabay

Este artigo foi publicado, originalmente, na coluna do O Mundo Que Queremos, no Um Só Planeta.

 

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