O que esperar das cidades no século XXI

Vivemos o século das cidades habitáveis, inclusivas, resilientes, circulares, sustentáveis e, por consequência, inteligentes

Fábio Ferraz*

Dizer que o século XXI é o século das cidades significa dizer que as cidades podem atuar como espaços e como protagonistas do processo de substituição dos atuais modelos de produção e consumo que degradam o meio ambiente e perpetuam as desigualdades sociais por modelos mais sustentáveis.

Significa também que cada vez mais a população mundial será predominantemente urbana. Em 2020, 4,4 bilhões de habitantes – 56,2% da população do planeta – vivia em cidades com a previsão, segundo a ONU, desse número atingir 6,7 bilhões de habitantes (68,4% da população) em 2050. Ou seja, a população urbana cresce de modo absoluto e relativo. Muito mais em países da Ásia e África que na América e Europa. E se crescem as necessidades de energia e recursos naturais para proporcionar “qualidade de vida” urbana também crescem os níveis de geração de gases de efeito estufa e de resíduos uma vez que se mantêm os padrões de produção e consumo.

Em certo sentido, essa é a história do aquecimento global e das consequentes mudanças climáticas. Com a revolução industrial e o início da produção em massa em fins do século XVIII – e mais aceleradamente com o uso de motores a combustão e queima de combustíveis fósseis em fins do século XIX – a humanidade passou a atuar decisivamente para desregular os processos climáticos e ecológicos em níveis locais e globais. Tanto é assim que as variações de temperatura e os estudos sobre aquecimento global realizados pelo IPCC tomam como base os níveis pré-industriais.

Importa frisar que urbanização, industrialização e modernização sempre estiveram articuladas e é sobre essa articulação que as cidades se impõem como solução de seus problemas em nível local, regional e global conquanto novas condições sejam estabelecidas.

Se por um lado, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável sustentam que as cidades sejam transformadas em ambientes mais inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis, por outro, os meios técnico-científico e negocial sugerem que as mesmas se tornem mais inteligentes e conectadas pelo uso das tecnologias de informação e comunicação.

Para não cairmos no discurso fácil, temos de considerar as diferentes realidades das cidades ao redor do mundo sejam por características geopolíticas e econômicas, seja por escala e capacidades administrativas e institucionais. As cidades brasileiras, por exemplo, convivem desde sempre com déficits de saneamento e habitação, transportes e mobilidade, áreas verdes e espaços públicos, mas também déficits de negócios e empregos, saúde e educação. Por outro lado, tais cidades trazem consigo diversas capacidades e oportunidades representadas pelos capitais físico-financeiro, social, humano e institucional.

Do mesmo modo, não é possível relegar o papel do governo federal e estados bem como das condições que o pacto federativo – que organiza as leis, arrecadação de recursos, obrigações financeiras e os campos de atuação dos entes federativos – impõe às cidades. Com a constituição de 1988, os municípios (e suas cidades) adquiriram status de ente federativo, mas também receberam diversas responsabilidades as quais têm tido dificuldades em cumprir.

Uma vez que as cidades são os lugares de centralidade dos territórios, é das cidades que devem irradiar as políticas ambientais, de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, por exemplo. Não há como a Política Nacional sobre a Mudança do Clima e o Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas serem aplicados devidamente se não por meio dos municípios e, mais especificamente, das cidades sendo o mesmo raciocínio válido para praticamente todas as políticas nacionais de saneamento, habitação, mobilidade etc.

Mais do que repetir que o século XXI é o século das cidades, devemos frisar que o mesmo deve ser o século das cidades habitáveis, inclusivas, resilientes, circulares, sustentáveis e, por consequência, inteligentes.

Muitas cidades têm avançado nessa articulação e estão transformando suas respostas buscando integrar questões ambientais aos déficits nos sistemas urbanos e à burocracia municipal. Mais ainda, e muito importante, têm buscado envolver a sociedade civil e atores privados nos processos de planejamento e gestão.

Um projeto recente, desenvolvido pelo GT Infraestrutura com o apoio do Fundo Casa Socioambiental e da Fundação Vitória Amazônica, ressaltou o papel da sociedade civil organizada na construção de ações de adaptação de cidades amazônicas às mudanças climáticas articuladas às políticas públicas urbanas e ao fortalecimento das capacidades administrativas e financeiras.

Na mesma direção, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e, mais recentemente, os Objetivos de Desenvolvimento Urbano Sustentável propostos pela Política Nacional de Desenvolvimento Urbano são grandes oportunidades que se colocam às cidades para buscar resolver seus problemas estruturais e proporcionar melhor qualidade de vida às suas populações mas exigem que parcerias intersetoriais e intergovernamentais sejam consolidadas sob pena de vivenciarmos o século das cidades caóticas.

*Especialista em planejamento e gestão de políticas públicas para cidades inteligentes e sustentáveis. Economista, fundador e diretor-executivo da urbeOmnis.

 

Este artigo foi publicado, originalmente, na coluna do O Mundo Que Queremos, no Um Só Planeta.

 

Imagem: Fábio J. Ferraz/urbeOmnis

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