Por que ter cidades melhores na Amazônia é bom também para preservar a floresta?

Fundamental para a estabilidade do clima do planeta, a região precisa ser olhada como um todo. Organizações da sociedade civil têm papel fundamental nesse processo

Por Sérgio Guimarães*

As mudanças climáticas afetam a Amazônia e a Amazônia afetada contribui para o avanço das mudanças climáticas. As cidades da região, cada vez mais sujeitas a eventos extremos, como secas, inundações e queimadas, precisam se adaptar para reduzir esses impactos. Como? Podemos começar lembrando que quando falamos das cidades da Amazônia, precisamos ter em mente que elas têm algumas particularidades que tornam essas adaptação às mudanças climáticas um desafio maior que para as outras, cujos desafios já são enormes. As grandes distâncias que separam as cidades, a forte urbanização concentrada nas capitais, estado de pobreza e péssimas condições sanitárias de grande parte da população, além da carência de recursos são alguns exemplos.

A ação local é essencial para fazer acontecer as ações de mitigação e adaptação urgentes e necessárias e as organizações da sociedade são fundamentais nesse processo. No último episódio de 2021 do podcast do GT Infra, Infraestrutura Sustentável, eu recebo o professor, economista, doutor em urbanismo, Fábio Ferraz, que está conduzindo um estudo sobre esse assunto. Junto com ele e em parceria com o Fundo Casa Socioambiental e Fundação Vitória Amazônica, o GT Infraestrutura lançará, ainda este mês, uma cartilha com diretrizes para orientar as populações urbanas mais vulneráveis. Nos dias 18, 19 e 20 de janeiro, também realizaremos os webinários “Nós fazemos a cidade”, que têm o mesmo nome da cartilha e são uma extensão desse trabalho.

Nesse material, traçamos um roteiro de um passo a passo, de ações, necessárias e urgentes, que as cidades amazônicas precisam realizar para mitigar e se adaptarem às mudanças climáticas. “Nosso objetivo é fortalecer a participação da sociedade civil organizada na construção de políticas públicas e nas atividades de planejamento e gestão”, explica Fábio Ferraz. São alguns passos simples, mas que funcionam:
1. unir as pessoas interessadas e com disposição para atuar, formando um grupo gestor, que deve receber capacitação para realizar esse trabalho;
2. identificar e avaliar os problemas, riscos e vulnerabilidades, pensando em ações e medidas de adaptação possíveis para lidar com eles;
3. em conjunto com o poder público, definir um plano de adaptação às mudanças climáticas com priorização de ações, responsabilidades e governança, indicadores de monitoramento e controle e instrumentos financiamento;
4. propor políticas públicas locais de adaptação às mudanças climáticas;
5. garantir que esse plano converse com as demais áreas e políticas públicas e interagir com o poder público e com atores estratégicos das cidades para implementar o plano.

Resiliência é uma das palavras chaves nesse processo de adaptação, pois diz respeito à nossa capacidade de aguentar e superar as adversidades. “Resiliência ambiental é a capacidade de aguentar uma tempestade, uma inundação ou uma seca e continuar vivo. Esse conceito vem da biologia, do fato, por exemplo, de que depois de uma queimada, as sementes continuam germinando e ressurgem na estação seguinte”, pontua Fábio Ferraz. Aprender com os erros do passado e organizar estudos e protocolos de alerta para lidar com os problemas que virão é uma forma de resiliência. Plantar árvores em cidades que têm pouca arborização urbana é outro exemplo disso, pois ajuda tanto a lidar com o calor extremo, quanto a evitar inundações. O pesquisador Foster Brown, da Universidade Federal do Acre, também mostrou em um experimento que pintar o telhado das casas de branco é outra uma medida simples, mas eficiente. A cor reflete mais a luz e diminui a temperatura interna, aumentando o conforto térmico das casas nas cidades onde faz muito calor, como é o caso da região da floresta.

Antes de responder à pergunta que dá início a esse artigo, é importante lembrar que a floresta amazônica, além de abrigar parte significativa da biodiversidade do planeta, desempenha papel fundamental na regulação do macroclima global. Mas, como território ocupado por uma população, ela vai muito além do seu bioma, que se espalha, inclusive, por outras vegetações e países vizinhos. “O território se estrutura sobre uma ampla rede de assentamentos urbanos e atividades econômicas. Nos preocupamos muito com a floresta e deixamos a cidade em segundo plano, mas são 28 milhões de habitantes, 70% concentrados nas cidades e mais da metade nas regiões metropolitanas”, lembra Fábio Ferraz. “Essas cidades são os espaços administrativos, é através delas que cuidamos do território, inclusive a zona rural e as áreas de floresta. Se nós não administramos bem as cidades, não administramos os territórios”, completa.

Ao garantir cidades mais sustentáveis, também estimulamos a preservação da nossa floresta. Se por um lado o desmatamento e as queimadas contribuem para o aquecimento global, por outro o território acaba sofrendo com as mudanças climáticas, principalmente as cidades. Ou seja, cidades mais organizadas, estruturadas, com mais oportunidades econômicas e qualidade de vida, acabam nos dando mais condições de estabelecer melhores relações com a floresta, inclusive fomentando outras atividades econômicas que não sejam apenas baseadas no extrativismo, como a economia da floresta em pé de que tanto falamos. Tudo está interligado.

*Sérgio Guimarães é secretário executivo do GT Infraestrutura, rede com 40 organizações da sociedade comprometidas com a construção de um mundo com mais justiça socioambiental.

Este artigo foi, originalmente, publicado na coluna do O Mundo Que Queremos, na Um Só Planeta.

Imagem: Fábio J. Ferraz/urbeOmnis

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