Como escoar a produção de soja sem destruir a Amazônia
O governo anunciou uma ferrovia de R$ 12 bilhões que cortaria o coração da Amazônia para exportar a soja do Mato Grosso. Mas existem alternativas bem melhores O governo federal anunciou que irá fazer a licitação de uma grande ferrovia cortando a floresta Amazônica. A concorrência é prometida para o primeiro trimestre de 2021. Trata-se de uma ferrovia que está projetada para percorrer quase 1.000 quilômetros entre Sinop, no Mato Grosso, até o porto de Miritituba, no rio Tapajós. Estamos falando do coração do agronegócio brasileiro e o objetivo da construção dessa linha de trem no meio da Amazônia é justamente acelerar a exportação de sua enorme safra de grãos. Mas, realizada sem os cuidados necessários, a construção da ferrovia deve acelerar o desmatamento e atingir vários territórios indígenas. Diante disso, precisamos perguntar: será que realmente precisamos dessa obra? A obra está estimada em R$ 12 bilhões. O governo federal anunciou que irá colocar no mínimo R$ 2,2 bilhões dos cofres públicos na empreitada. Uma obra desse tamanho envolve a contratação de muitas empresas, a movimentação de muito dinheiro. Sabe-se que grandes obras do tipo tradicionalmente envolvem corrupção e favorecimentos políticos. O governo federal decidiu que quer a obra. Mas ninguém viu as alternativas. Quais são as opções para escoar a produção de grãos com menor investimento inicial, menor risco, menor manutenção, menor custo social, menor prejuízo ambiental? Quando um projeto ainda está no papel, podemos avaliar se o que está sendo proposto é a melhor alternativa para o país. É a hora de pensar se esse é o caminho de menor custo. E quando falamos de custo, precisamos saber que não é são apenas as despesas com logística que entram na conta, mas também os custos ambientais e sociais. Nessa discussão também temos que considerar qual será a necessidade do transporte de grãos no futuro e quais são as alternativas existentes para levar esses grãos até os portos. Entre as rotas alternativas, uma delas permitiria levar a soja do Mato Grosso para o porto de Itaqui, no Maranhão. Além de evitar cortar o coração da floresta Amazônica, ainda teria a vantagem de conectar outros polos produtivos, inclusive o Matobipa. Há também rotas mais econômicas que aproveitam a infraestrutura já existente até o porto de Santos, permitindo melhorar o escoamento de outros produtos do país. O GT Infraestrutura, uma rede que conta com mais de 40 organizações socioambientais — entre elas World Wildlife Fund (WWF), Saúde e Alegria, Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam), Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) e Greenpeace —, tem a proposta de construir, coletivamente, uma agenda de análise técnica dos aspectos socioambientais que envolvem os empreendimentos e projetos de infraestrutura em curso no Brasil. Eles têm feito várias discussões sobre o assunto e a tônica geral é que precisamos discutir rotas, não projetos específicos. “Nem sempre as grandes obras são o que a Amazônia realmente precisa”, afirma o secretário executivo da rede, Sérgio Guimarães. O Brasil tem que discutir alternativas que possam reduzir os riscos sociais e ambientais na Amazônia. Afinal, a floresta tem muito mais valor, inclusive financeiro, em pé. Por isso, a primeira coisa que precisa ser avaliada é se essa obra é mesmo necessária, comparando-a com outros projetos que já existem e têm riscos sociais e ambientais menores, uma vez que não passam no meio da Amazônia. Também devemos pensar se esse é o caminho de menor custo. “É preciso dar um passo e discutir mais do que um projeto, mas o futuro logístico do país”, afirma André Ferreira, diretor presidente do IEMA, que tem se dedicado a estudar o assunto. “A pergunta é qual é a infraestrutura que a sociedade quer, qual é a infraestrutura que ela propõe”, completa. É a hora de fazer um estudo de cenários. E o sexto episódio do podcast do GT Infraestrutura fala justamente sobre isso, com a participação do André Ferreira. Ele deixa claro que o processo de decisão precisa ser mais transparente, claro e comparar diferentes alternativas. E a sociedade precisa poder opinar sobre isso. Especialmente as comunidades que vivem nessa área e que seriam atingidas pelos transtornos e consequências de uma obra como essa. O desenvolvimento do futuro é inteligente e anda junto com a preservação ambiental. Esse texto foi escrito por Alexandre Mansur e Angélica Queiroz e publicado, originalmente, na coluna Ideias Renováveis, da Revista Exame.