Redução de danos e do preço a pagar

Por Sérgio Guimarães* Os ciclos da natureza, como as mudanças nas estações, acontecem todos anos, o que nos permite planejar uma série de atividades diretamente dependente deles, como a agricultura. Mudam um pouco a cada ano, mas mantêm um padrão que nos permite fazer diversas previsões e ajustar nossas ações. As dificuldades surgem quando as atividades humanas interferem e contribuem para alterar os padrões conhecidos, como está acontecendo hoje. As mudanças estão acontecendo cada vez com maior velocidade, causando o que conhecemos como crise climática. Consequências e prejuízos que nem estavam no radar num primeiro momento, mas podem ser incalculáveis. Um deles, que o Brasil está vivenciando e cuja tendência é que se agrave nos próximos anos, por conta das alterações no clima, é a redução do volume de chuva e os baixos níveis dos reservatórios das hidrelétricas. Relatórios recentes do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) mostram que, entre setembro de 2020 e fevereiro de 2021, as regiões Sudeste e Centro-Oeste receberam o menor volume de chuvas desde o início da série histórica, há mais de 90 anos. Em janeiro deste ano, o Brasil registrou o menor índice mensal de chuvas desde 2010 e os reservatórios estão, em média, com apenas 23% de suas capacidades. Isso causa fortes impactos no fornecimento de energia elétrica e tem obrigado a ONS a ligar termelétricas movidas a combustíveis fósseis, com cada vez maior frequência. O problema das termelétricas As termelétricas são muito mais poluentes e caras para o consumidor. Somente nos meses de dezembro/20 e janeiro/21, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), os brasileiros pagaram cerca de R$1 bilhão a mais nas contas de luz por conta de bandeiras tarifárias. Isso mesmo, R$1 bilhão em dois meses, somente para cobrir custos adicionais do maior uso das termelétricas. Se projetarmos esses valores para os próximos anos, principalmente considerando que essa situação deve se agravar – hoje a redução dos níveis de chuva atinge todas as regiões do Brasil, inclusive a Amazônia – as cifras podem alcançar as centenas de bilhões em poucos anos. O que em tempos de crise econômica, agravada pela pandemia do Covid-19, que ainda não tem prazo para acabar, certamente tem um efeito multiplicador e um peso adicional significativo para a ampla maioria da sociedade. O alto preço da inconsequência Este é só um exemplo dos impactos e do alto preço que a sociedade paga por atitudes inconsequentes do homem sobre a natureza. Também pela falta de medidas efetivas de governos, que muitas vezes amplificam os problemas. Outro exemplo dramático que o Brasil e o mundo vivenciam nesse momento é a própria pandemia do Covid-19. Um vírus oriundo de animal silvestre, que passou para o ser humano com consequências devastadoras e que já atingiu cerca de 140 milhões de pessoas, com quase 3 milhões de mortos em todo mundo. Só no Brasil, até 12 de abril, eram mais de 13,5 milhões de casos e mais de 350 mil mortes. Ou seja, novamente o preço pago pela sociedade é incalculável. Preço, muitas vezes, agravado e ampliado em diferentes lugares por atitudes inconsequentes e estultices na gestão da própria pandemia, como é o caso do Brasil. Aqui atitudes desencontradas e mesmo frontalmente contrárias ao que recomenda a ciência, têm contribuído para agravar significativamente a situação. Quantas vidas poderiam e podem ser poupadas, quanto sofrimento poderia e pode ser evitado, quantos bilhões de reais poderiam e podem ser poupados caso tivéssemos e tenhamos daqui pra frente uma gestão minimamente razoável da pandemia? Mas, precisamos fazer mais do que apontar os erros e os absurdos cometidos diariamente, visíveis aos olhos de todos e mostrados pelos veículos de comunicação, que difundem a visão de cientistas, médicos e outras autoridades. Temos o alerta de renomados infectologistas sobre a proximidade de um ponto de não retorno da crise sanitária no Brasil e é necessária, urgente e fundamental uma articulação ampla, envolvendo segmentos da sociedade civil, do empresariado, de governos subnacionais, parlamentos, academia e agências multilaterais. O objetivo é implementar uma gestão da pandemia no Brasil capaz de conter o avanço acelerado da letalidade, com segurança sanitária, alimentar e de integridade física para todos os brasileiros. Nesse sentido, alguns passos são essenciais, entre eles: informação à população sobre o prognóstico de agravamento do colapso, possivelmente ainda em abril, e articulação com governos subnacionais, com o Parlamento Federal e Tribunais Superiores. Ao mesmo tempo, desenvolver ações de apoio para o aumento da Renda Básica e do Auxílio Emergencial. Também, estabelecer contatos internacionais com governos e Agências Multilaterais para buscar ajuda internacional. Isso tudo, sem esquecer ações de médio prazo como fortalecimento do SUS e Reforma Tributária. Claro, é um enorme desafio. Mas, extremamente urgente, necessário e inadiável, para reduzir imensos danos sociais e econômicos e o incalculável preço a pagar pela sociedade, principalmente pelos mais pobres e vulneráveis. Mas que, com boa vontade, discernimento e ação articulada, temos boa chance de conseguir. É fundamental para o Brasil, para as atuais e futuras gerações que consigamos. *Sérgio Guimarães é Secretário Executivo do GT Infraestrutura – uma rede com mais de 40 organizações que atua para contribuir com a democratização e a efetividade de Políticas Públicas de Energia e Infraestrutura, baseadas em princípios de justiça socioambiental. Imagem: Abril pela Vida