Pesquisadores da UFMG vislumbram ‘agrossuicídio’ em desmatamento na Amazônia

Artigo, publicado na Nature Communications, demonstra que a prática reduz o volume de chuvas e ameaça o lucrativo sistema de dupla safra praticado na região Um estudo, publicado na revista Nature Communications, por pesquisadores da UFMG e de outras universidades, demonstra que o avanço do desmatamento da Amazônia é economicamente prejudicial para a própria agricultura da região. A prática reduz o volume anual de chuvas, que são essenciais para que as plantações tenham desempenho lucrativo. Segundo os pesquisadores, essa redução avança de tal modo que, em breve, se nada for feito, poderá inviabilizar o lucrativo sistema de dupla safra hoje praticado na região. Na investigação, os cientistas concentraram-se em um recorte do Sul da Amazônia brasileira, que, historicamente, foi a que mais sofreu com a expansão agrícola e madeireira no país e que concentra a maior parte das terras cultiváveis e de pastagens da região. Trata-se de uma área de 1,9 milhão de quilômetros quadrados, que abrange o Acre e Rondônia inteiros, o Norte e o Sudoeste do Mato Grosso, as metades inferiores dos estados do Amazonas e do Pará e uma pequena parte do Tocantins, como mostra o mapa. Menos floresta, menos chuva Os pesquisadores analisaram, em viés retrospectivo, a relação quantitativa entre as chuvas anuais e a perda de floresta nessa região de 1999 a 2019. Com base nesse cruzamento dos dados de chuva com os números de desmatamento, eles puderam determinar os “limites críticos” para a perda de floresta na localidade – isto é, quais os limites percentuais de desmatamento a partir dos quais o ganho de área de plantio passou a ser anulado economicamente pela perda de produtividade causada pela diminuição das chuvas. Segundo os pesquisadores, estudos anteriores, realizados sobretudo no âmbito da modelagem matemática, estimavam que esse limite girava entre 30% e 50%. O estudo dos pesquisadores da UFMG avança ao estabelecer esse índice de forma empírica e ponderada, considerando-o em relação a diferentes escalas geográficas. Para entender como isso foi feito, é preciso compreender que o mapeamento realizado, via satélite, da precipitação na Amazônia a subdivide em “pixels” de 28 quilômetros quadrados, as chamadas “células de grade”. O cálculo da pesquisa considera essas células tanto individualmente quanto agrupadas. Ao analisarem os dados referentes a cada célula (isto é, considerando áreas de 28 metros quadrados independentemente do entorno que as cerca), os pesquisadores notaram que a precipitação começa a cair (abruptamente, como se pode ver na linha vermelha do item “a” do gráfico abaixo) quando o desmatamento ultrapassa 58% do território. Portanto, esse seria, em princípio, o “limite crítico” para o desmatamento local em cada área desse tamanho: o ponto de inflexão a partir do qual a precipitação local passa a sofrer queda. Contudo, à medida que os pesquisadores agregam células de grade de modo a analisá-las conjuntamente, levando-se em conta sua influência recíproca, esse limite (a partir do qual o desmatamento passa a causar queda na precipitação) foi diminuindo gradativamente. Ao considerarem, por exemplo, áreas de 56 quilômetros quadrados (duas células de grade de 28 quilômetros quadrados conjuntamente), os pesquisadores notaram que a queda na precipitação já se inicia quando o desmatamento ultrapassa 48% do território (também avançando abruptamente, como se pode ver na linha vermelha do item “b”, no gráfico acima). Quando consideradas áreas de 112 quilômetros quadrados (com a análise conjunta de quatro células de grade), esse “limite crítico” para o desmatamento cai para apenas 23% de desmatamento territorial, percentual a partir do qual a precipitação começa a diminuir de forma gradativa (item “c”). Por fim, quando a região é analisada em uma escala geográfica maior, em áreas de 224 quilômetros quadrados (oito células de grade tomadas conjuntamente, de forma a considerar suas influências recíprocas), a queda da precipitação já se dava a partir de qualquer índice de desmatamento – e de forma linear. Quanto mais desmatamento, menos chuva (linha vermelha do item “d”). “O produtor da região pode ter a ilusão de que, se desmatar ‘um pouco’ a região dele [isto é, abaixo desse ‘limite crítico’ para a sua área local – abaixo, por exemplo, de 48% para um território de 56 quilômetros quadrados, considerado isoladamente], ele terá não apenas um ganho de território para plantio, mas também um aumento de chuva e consequentemente um ganho potencializado de produtividade. Isso, de fato, até pode ocorrer num primeiro momento. O problema é que o volume de chuva que vai precipitar sobre a sua área não sofre apenas o efeito do desmatamento que ocorre nela, mas também o efeito do desmatamento de toda a região: o desmatamento feito pelo produtor vizinho impacta negativamente as precipitações que vão ocorrer em sua área, assim como o desmatamento em sua área impacta negativamente as precipitações sobre a área do produtor vizinho”, explica o pesquisador Argemiro Teixeira Filho, do Centro de Sensoriamento Remoto da UFMG, um dos pesquisadores que assinam o artigo. Dessa forma, o limite crítico cai, chegando a ser “qualquer” desmatamento, se considerada a área como um todo – isto é, a região em sua extensão superior a 224 quilômetros quadrados. “O que ocorre é aquilo que, nas ciências ambientais, chamamos de ‘jogo de soma negativa’: os desmatamentos localizados, mesmo que levem a aumento momentâneo de precipitação local, provocam menor precipitação geral, ocasionando uma perda que, na prática, supera os ganhos locais que cada produtor tem pontualmente com o aumento da sua área disponível para a atividade agricultura. Não que o resultado mude quando consideramos mais de uma célula de grade, mas ele é relativizado e distribuído quando são consideradas todas as áreas da região, em suas influências recíprocas”, explica o pesquisador. “Nesse sentido”, acrescenta Argemiro, “é equivocada a ideia de que a política de controle e de redução do desmatamento possa se dar de forma pontual e parcialmente localizada. O desmatamento de uma área influencia a precipitação da região como um todo. O combate ao desmatamento – e à consequente diminuição das chuvas – só vai funcionar se for pensado como política nacional, considerando a Amazônia como um sistema integrado”. Ele acrescenta que