Como a geração elétrica depende das florestas

As lições de Itaipu para conservar e recuperar a vegetação nativa, fonte de água e de chuvas para a usina O novo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC) alarmou o mundo avisando que algumas consequências que estamos vivendo já são irreversíveis. A Amazônia, segundo o estudo, pode virar uma savana se perder de 3% a 8% a mais de sua cobertura florestal. Isso pode acontecer se não pararmos agora o desmatamento — no ano passado, a área derrubada foi a maior dos últimos 11 anos. Como se não bastasse ter papel fundamental para regular o clima do planeta, as florestas são as nossas fábricas de água e, consequentemente, de energia. Segundo dados divulgados pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) e pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), as hidrelétricas entregaram 72,6% de todos os MWh consumidos no Brasil no primeiro semestre de 2021. Isso apesar da pior seca dos últimos 91 anos, que nos jogou numa crise energética. Como a chuva que cai do céu vem das florestas, para não ficar sem água e energia, o caminho é cuidar das nossas árvores. Para o setor elétrico, a conservação das florestas deve ser uma prioridade. “No Brasil, com uma matriz energética com grande contribuição da hidroeletricidade, a segurança energética está diretamente associada à segurança hídrica, e nossos recursos hídricos estão associados aos ciclos climáticos e à riqueza de nossos ecossistemas”, explica Ariel Scheffer, superintendente de Gestão Ambiental de Itaipu. A empresa responsável pela gestão da usina percebeu há tempos a relação entre floresta, chuva e energia. “As florestas têm um papel essencial na regulação do ciclo hidrológico, uma vez que a cobertura vegetal contribui na disponibilidade e purificação da água, influencia no regime de precipitação, alimenta o lençol freático e contribui na recarga de aquíferos. Além disso, a vazão regular, cíclica, das chuvas influencia o regime hidrológico dos rios. E a estabilidade do sistema climático-hidrológico é essencial para a segurança hídrica e energética do país”, diz Ariel. A usina de Itaipu realiza ações de conservação e restauração das matas ciliares dos corpos hídricos e nas áreas conhecidas como de recarga das grandes bacias de contribuição para o reservatório. Isso garante um fluxo mais regular para a geração de energia, assim como para outros usos da água. “Aproximadamente 18% da contribuição hídrica ao reservatório de Itaipu, vem do aporte de água ‘produzida’ em cinco bacias hidrográficas que desaguam diretamente no reservatório abaixo de Porto Primavera (em São Paulo) graças aos sistemas naturais”, explica Ariel. Ele acredita que esta “produção local” pode aumentar se houver esforços conjuntos na restauração ambiental. Ele lembra que a relação entre o déficit florestal em matas ciliares, áreas de recarga e nascentes tem sido cada vez mais estudada no Brasil e muitas ações e investimentos de setores dependentes da água, se baseiam na relação água e floresta. Segundo Ariel, Itaipu está atenta à importância de cuidar das árvores desde 1979, quando criou mais de 100 mil hectares de áreas protegidas, implantando floresta ciliar no entorno do seu reservatório. Hoje, essa faixa de proteção possui uma média de 210 metros de largura e ocorre na borda de todo o reservatório. Ao longo do tempo, os objetivos se ampliaram juntamente com a escala de atuação, onde boas práticas se replicam no território de contribuição da bacia hidrográfica do rio Paraná, exigindo da empresa um modelo de gestão ambiental para os usos múltiplos do reservatório e áreas protegidas, com articulações setoriais e arranjos multi-institucional. “Como na natureza todo processo é sistêmico, os resultados diretos dos investimentos em restauração ajudaram a recuperar serviços ecossistêmicos, entre os quais citam-se a redução da erosão marginal e a retenção de sedimentos que iriam para o reservatório, a fixação de carbono pela floresta, entre outros. Além disso, a formação de um corredor de biodiversidade que liga duas importantes unidades de conservação do bioma Mata Atlântica promove a recuperação da biodiversidade regional, com diversos benefícios diretos aos arranjos produtivos da região, como a polinização, regulação hídrica e a amenização dos eventos climáticos extremos”, afirma. A empresa também tem desenvolvido, nos territórios das principais bacias hidrográficas de contribuição do seu reservatório, ações em sinergia com os principais compromissos obrigatórios e voluntários assumidos pelo governo brasileiro. Entre outras ações, eles adotaram mecanismos de certificação em biodiversidade, e fizeram parcerias para gestão ambiental territorial participativa, como a Unidade de Gestão descentralizada da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, que envolve diversos setores, instituições e comunidade para discussão das agendas de desenvolvimento da região. As ações também vão ao encontro do compromisso e atuação nos 17 ODS, em contribuição ao esforço do Brasil para cumprimento da agenda 2030. Cuidar das florestas não deve ser prioridade apenas para quem administra hidrelétricas. As usinas termelétricas também dependem de água para resfriamento. Boa parte dessa água evapora. Ou seja, não volta para os rios depois do uso. Isso significa que as termelétricas são grandes consumidoras de água das nascentes das florestas. Embora as ações para conservar florestas no entorno das usinas elétricas sejam fundamentais, também é essencial olhar para o sistema de geração de chuvas como um todo. E a conservação da Amazônia é decisiva. Existe uma conexão das águas atmosféricas do sistema climático amazônico com o regime climático do Sudeste e Sul do Brasil. Por conta de nossas dimensões continentais e diversidade de biomas, cada um tem sua função nos sistemas climáticos regionais, que regulam o todo. “Como as grandes bacias hidrográficas passam por grandes porções do território nacional e, em alguns casos, por vários biomas brasileiros, podemos dizer que somos um país conectado pelas águas, e que os ecossistemas de uma região influenciam em outra região”, explica Ariel. Os “rios voadores” trazem uma grande quantidade de água do Norte do Brasil para o Sudeste e Sul, influenciando no clima e na regulação hídrica dos rios ao sul e, consequentemente, na geração de energia de dezenas de hidrelétricas no eixo em que desagua este “rio”, como é o caso das usinas localizadas na bacia hidrográfica do rio

“Obras inviáveis também são formas de corrupção”

Retomada do Ciclo WebGTInfra discutiu corrupção e impactos socioambientais de grandes obras Como a corrupção e a impactos socioambientais se relacionam? De muitas formas. Ao longo das últimas décadas, investigações e denúncias revelaram casos graves de corrupção em diferentes etapas do ciclo de grandes obras de infraestrutura que, não por acaso, também causaram grandes danos socioambientais às regiões onde foram construídas. As relações entre infraestrutura, corrupção e impactos socioambientais, foram o assunto da retomada do Ciclo WebGTInfra, num encontro realizado nesta quarta-feira (18/8) pelo GT Infraestrutura, em parceria com a Transparência Internacional do Brasil. “Esse é um tema fundamental em todos os sentidos para a construção de um país que seja ético em seus indicadores socioambientais”, afirmou o secretário executivo do GT Infra, Sérgio Guimarães, que moderou o evento. Ele lembrou que estamos vivenciando no Brasil diversos retrocessos, tanto na participação da sociedade quanto no marco legal e processos de tomada de decisão. “Discutir corrupção é fundamental para que a sociedade se organize para voltarmos a caminhar para um conjunto de ações necessárias para reduzir e, se possível, acabar com esse problema. Essa é uma tarefa geracional do Brasil”. “Corrupção é um daqueles termos que a gente fala muito, mas pode ter significado distintos”, começou Renato Morgado, Gerente de Meio Ambiente e Clima da Transparência Internacional do Brasil. “Um conceito que a gente pode ter como ponto de partida é entendê-la como o abuso do poder para ganhos privados”. Ele apresentou o estudo “Grandes Obras na Amazônia, corrupção e impactos socioambientais”, lançado recentemente pela organização e que mergulha na raíz do problema. Renato destacou que a corrupção interfere na disputa entre os grupos políticos e na relação entre esses grupos e as empresas privadas. “A corrupção nos rouba, além do dinheiro público, a oportunidade de tomar melhores decisões para o interesse público, colocando na balança as dimensões social, econômica e ambiental de uma obra”. Embora as dimensões de investigação e punição sejam muito relevantes, Renato acredita que precisamos focar nossos esforços em prevenir a corrupção. O relatório traz propostas para isso, divididas em cinco grupos: – Combater a corrupção em licitações e contratos; – Regulamentar o lobby e o conflito de interesse; – Promover reformas de integridade nos setores público e privado; – Fortalecer a participação e o controle social; – Aprimorar a gestão de impactos e o licenciamento ambiental. O professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Raoni Rajão, que também participou da construção do relatório, ressaltou que, se de um lado as grandes obras podem favorecer o crescimento, também podem comprometê-lo no longo prazo, com grandes prejuízos aos contribuintes. “Muitas dessas obras sabidamente envolvidas em esquemas de corrupção acabaram custando muito mais do que foram orçadas”, observou Raoni, que deu exemplo de alguns casos emblemáticos nesse sentido, como a Refinaria Abreu e Lima, que custou caro e deu prejuízos. “Ou é um erro de cálculo ou má fé. Ou os dois”. O professor destacou que precisamos levar muito a sério a inviabilidade econômica dos projetos, mas que muitas vezes o governo faz estudos de viabilização e não de viabilidade. “Toda a dimensão ambiental é vista como burocracia que tem que ser vencida, ou seja, não é considerada de maneira séria”, lamenta. Segundo ele, os contribuintes acabam pagando pelos erros de planejamento do governo, por obras que levam do nada ao nada, favorecendo grilagem e invasão de terras. “Obras inviáveis também são formas de corrupção”, completou. Ana Aranha, Gerente Anticorrupção da Rede Brasil do Pacto Global, apresentou um movimento que pode contribuir muito para prevenirmos a corrupção em infraestrutura: o Movimento pela Integridade do Setor de Engenharia e Construção (MISEC), um exemplo de ferramenta para combater o problema que hoje tem mais de 20 empresas engajadas. “Ele é uma ação coletiva anticorrupção, uma forma de engajar diversas partes interessadas e achar um acordo formal entre eles. A gente precisa falar com todo mundo”, explicou. Ela afirmou que o setor público precisa olhar para a questão, mas que o setor privado também tem o seu papel e pode ser protagonista nessa luta. Um exemplo de resultado do trabalho é a cartilha Integridade no Setor de Construção, que foi discute dilemas e propõe soluções para o mercado. “É um trabalho que dá trabalho, mas cada conquista é gratificante. A proposta é ajudar quem está comprometido.” O debate foi transmitido pelo Youtube do GT Infra e ficou gravado para quem ainda não viu ou quiser rever. Acesse aqui.