Como será a nova economia boa para o clima?
A transformação radical na forma como produzimos bens e serviços também oferece oportunidade de geração de renda e criação de empregos “A partir de amanhã ninguém usa carro”. Até hoje não tivemos nenhum governo que dissesse algo assim. Mas, com as restrições impostas pela pandemia, entre abril e junho de 2020, as emissões globais caíram pela primeira vez nas últimas décadas. A ameaça do vírus alterou os modos de vida das pessoas em todo o mundo. Está na hora de fazermos algo parecido com relação à crise climática. O exemplo do carro pode parecer um exagero, mas o mais recente relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), deu um alerta vermelho para toda a humanidade: temos muito o que fazer e pouco tempo para agir. A crise climática está se acentuando e os eventos extremos vão se tornar cada vez mais frequentes se não diminuirmos nossas emissões agora. O raciocínio do professor da Universidade de São Paulo (USP) e autor de vários livros sobre economia verde, Ricardo Abramovay, é de que a nossa economia precisa passar por mudanças drásticas. Ele explica que o modelo atual de produção não só é destrutivo para a natureza, como não satisfaz as necessidades básicas de parte importante da população mundial, que ainda vive com fome, sem saneamento e acesso à saúde e à educação. Ao pensarmos sobre isso, o que nos vem à mente é que precisamos produzir mais, para gerar mais recursos e empregos que ajudem a melhorar a qualidade de vida dessas pessoas. “Mas o jeito que a humanidade sabe produzir até agora é emitindo gases do efeito estufa”, lembra o pesquisador. Para se ter uma ideia do tamanho da encrenca, segundo o professor, há 30 anos atrás, a matriz energética mundial dependia em 86% de combustíveis fósseis. De lá para cá, houve uma enorme mobilização governamental, científica e até no meio empresarial e, mesmo assim, hoje a nossa dependência dessa fonte de energia ainda é de cerca de 80%. “Em 30 anos, diminuímos 6%. Agora, até 2030, temos que fazer com que esse número caia pela metade, ou seja, para uns 40%. É um desafio extraordinariamente importante e difícil de ser alcançado, porque exige mudar a matriz energética global”, afirma Abramovay e ressalta que, apesar de as fontes renováveis estarem em ascensão em todo o mundo, ainda somos dependentes de carvão e as empresas petrolíferas continuam investindo nessa fonte numa quantidade superior à necessária para a transição que precisamos fazer. “Do ponto de vista das empresas produtoras de combustíveis fósseis, é como se a crise climática ou não existisse ou fosse ser enfrentada por meio de tecnologias que não estão prontas, como a captação de carbono, que ainda é cara e difícil”, afirma Abramovay. Isso precisa parar. Como? Olhando para as oportunidades. Quais são elas? Para o professor, que falou sobre o assunto no novo episódio do podcast Infraestrutura Sustentável, elas estão no fato de que a Europa Ocidental, os Estados Unidos, a China, a Índia, o Japão, todos os jogadores mundiais que contam nessa história, estarem “fazendo um imenso esforço de pesquisa científica e tecnológica para chegar à soluções capazes de reduzir as emissões de gases do efeito estufa.” Ele ressalta que a precificação do carbono, cobrando uma espécie de imposto de quem emite, ainda está dando os primeiros passos, mas deve ser uma realidade num futuro não muito distante. E que, além disso, fazer essa conversão da economia global em direção à redução de gases do efeito estufa também é oportunidade de geração de renda e criação de empregos. “É uma reviravolta na economia.” Desde o fim da Segunda Guerra Mundial nenhum país fixou para sua economia um objetivo diferente do de fazer com que a economia crescesse. Abramovay explica que a política macroeconômica sempre foi a estabilização, porque ela ajudava a chegar a esse objetivo. No entanto, com a crise climática, isso mudou. Nos Estados Unidos, por exemplo, desde a vitória de Joe Biden, a economia está planejada para o combate às mudanças climáticas. “Pela primeira vez na história, temos um tema referente à relação entre sociedade e natureza no âmago das políticas e da gestão econômica. Esse é um fato importante de esperança porque alguma coisa interessante vai sair daí no plano global”, afirma. “Todas as autoridades das organizações multilaterais estão gritando forte que o que a gente está fazendo não está à altura dos desafios que estão sendo colocados”, completa. No entanto, Abramovay lembra que não se muda um modelo econômico por decreto. “Estamos lidando com uma situação de alta complexidade em que decisões governamentais e de direções empresariais são fundamentais, mas se inserem num contexto que vai muito além da capacidade de elas provocarem por si só as transformações necessárias”, explica. Para ele, todos precisamos nos perguntar o que queremos da nossa vida econômica. E a resposta não pode mais ser o óbvio crescimento. “Esse raciocínio não pode mais ser desse jeito. A gente precisa saber para onde a economia tem que crescer e que meios ela tem que usar.” O professor ressalta ainda que, não poderemos continuar consumindo como sempre, mesmo que a tecnologia nos ajude a reduzir as emissões. Nesse sentido, a infraestrutura também precisa mudar, passando a ser pensada a partir dos serviços que gera. Abramovay vai lançar, em breve, um trabalho sobre esse assunto e adianta que essa é outra área que está em transformação. Ele ressalta dois aspectos: o primeiro é que atores importantes, como o Banco Mundial, o G-20 e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) já estão falando com frequência sobre soluções baseadas na natureza; a segunda é que ele chama de “o fim da era do concreto”. Nesse cenário, o foco não é mais só construir, mas “usar de maneira inteligente a natureza para poder, por meio desse uso, lançar as bases permanentes para a satisfação das necessidades humanas.” Os mega projetos devem perder espaço. “O que mais precisamos é de projetos dispersos, localizados, em diferentes áreas, mas que precisam ser apoiados