Organizações da sociedade civil questionam ‘Política Verde’ do Pará na COP 26

Documento redigido por organizações nacionais e internacionais será entregue para paísesque estão em negociação de subsídios para o Estado do Norte, como o Reino Unido e a Noruega. Brasil, 4 de novembro de 2021 – Organizações que atuam na defesa do meio ambiente elaboraram um alerta aos financiadores internacionais que negociam um acordo com o governo do Pará para supostas ações de combate às mudanças climáticas. Na carta, as organizações da sociedade civil questionam a postura atual do governo estadual em relação à conservação ambiental e ao respeito dos direitos socioambientais e culturais de povos indígenas e tradicionais. Grupos como o Movimento Xingu Vivo para Sempre, Amazon Watch, International Rivers, Mining Watch Canadá e a Associação Interamericana para a Defesa do Ambiente – AIDA (veja a lista completa abaixo) reuniram informações detalhadas sobre a chamada ‘Política Verde’ do governo de Helder Barbalho (PMDB) e vão aproveitar a COP 26 para pressionar a comunidade internacional. A ação conta com o apoio da Deputada Estadual Marinor Brito (PSOL-PA). As informações estão reunidas em uma carta que será entregue aos representantes dos países que estão investindo em bioeconomia, como Noruega, Reino Unido, Estados Unidos e Alemanha. O governo do Pará negocia a assinatura de um memorando de intenções para captar investimentos em bioeconomia, que deve ser assinado no próximo sábado (6) no Espaço Brazil Hub, em Glasgow. A carta, chamada de Contradições da “política verde” declarada pelo governo do Pará, será entregue nessa ocasião. O Governo do Pará vem se anunciando como um dos Estados líderes em políticas verdes e desenvolvimento sustentável no Brasil. Entre algumas das promessas políticas, está uma estratégia estadual de bioeconomia, prometida para ser entregue até a COP 26. Genérica e ainda sem propostas sólidas além da criação de um grupo de trabalho, ela atribuiu à Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMAS) poderes desproporcionais, além de não detalhar quais tipos de atividade serão consideradas sustentáveis ou consultar populações indígenas. “Vemos com grande preocupação que o único órgão ambiental do estado com competência para atestar a viabilidade socioambiental dos projetos acumulará as funções de planejamento e monitoramento do Plano Estadual de Bioeconomia e do Plano Estadual de Mudanças Climáticas. A monopolização de todas as pontas das atividades econômicas consideradas pelo governo como de “bioeconomia” cria um conflito de interesses para a SEMAS, uma vez que se torna o órgão responsável por criar a dotação orçamentária, definir as atividades prioritárias, e aprovar seus respectivos estudos de impacto. Urgimos pela necessidade de que o órgão avaliador das atividades nocivas ao meio ambiente e à população seja imparcial e tenha como premissa a proteção ambiental e garantia dos direitos humanos das populações tradicionais”, detalha a carta. O documento chama a atenção, entre outros temas, para a aprovação acelerada de licenças ambientais para projetos em áreas sensíveis. Um deles é o de mineração Volta Grande, liderado pela empresa canadense Belo Sun. O projeto a ser instalado no já fragilizado território do Xingu se anuncia como o maior projeto de mineração de ouro a céu aberto na Amazônia. Ele tem acumulado processos judiciais, que questionam desde aspectos técnicos da sua formulação até a grave falta de participação das populações indígenas e tradicionais nos processos de consulta. A intenção da carta é mostrar que administração pública do estado do Pará não cumpre o que promete e não tem condições de honrar os compromissos de redução do desmatamento e emissão de gases de efeito estufa. As organizações apontaram no documento uma série de recomendações para uma vinculação de recursos a projetos que olhem com agudeza para mudanças climáticas e que respeitem o direito à Consulta Livre, Prévia e Informada de comunidades tradicionais. “Atentamos para o fato de que não há “desenvolvimento verde” sem a inclusão e participação das comunidades amazônicas. A inclusão dos saberes tradicionais é um quesito essencial de qualquer tentativa de bioeconomia na Amazônia, além de ser um direito previsto no artigo 7º da Convenção 169 da OIT. Cabe ao Governo assegurar a participação da população na formulação, aplicação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de afetá-la diretamente, em respeito à Constituição Federal e a todos os tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário”, finaliza a carta. Saiba mais e leia o documento, na íntegra, aqui. Fonte: International Rivers Foto: Unsplash

Para dentro da sala

Governos, empresas, fundos privados e bancos anunciam bilhões em investimento em florestas na COP26. Indígenas pedem mudança de tratamento nas negociações sobre clima Andreia Fanzeres/Operação Amazônia Nativa (OPAN) Na manhã desta terça-feira, a presidência da COP26 promoveu um evento sobre florestas e uso do solo, um tema estratégico para enfrentar o aquecimento do planeta. Falaram muitos chefes de Estado, recepcionados pelo primeiro ministro britânico Boris Johnson, como o presidente da Colômbia, Iván Duque Márquez, o presidente da Indonésia, Joko Widodo, da República Democrática do Congo, Félix Tshisekedi, entre outros líderes de nações que detém importantes extensões de florestas tropicais e experiência em políticas ligadas à sua gestão e manejo. A ausência do Brasil, por todos os avanços que fez historicamente nessa área, foi gritante e incômoda. A participação do Brasil se restringiu à brevíssima aparição de Jair Bolsonaro em um vídeo exibido no intervalo com falas gravadas por alguns dos 105 líderes mundiais signatários da “Declaração de Glasgow sobre Florestas e Uso do Solo”, em que se disse comprometido com o fim do desmatamento ilegal até 2030. A mensagem do presidente brasileiro apareceu após outras, como a do russo Vladmir Putin, também curta e pouco empolgante. Pelo sofrível desempenho ambiental em seus países, os dois não inspiraram nenhuma credibilidade. Apesar de ter sido um encontro de líderes, com a participação anfitriã do Príncipe Charles, além de CEOs das empresas multinacionais mais ricas do mundo e de banqueiros com discurso e comprometido com a luta pelo equilíbrio climático, quem brilhou foram os povos indígenas. O reconhecimento de seu papel para o enfrentamento das mudanças climáticas por meio da preservação de seus territórios, sua cultura e respeito aos seus direitos se expressou pela menção inescapável nas falas de cada um dos líderes dos países. “Eu sou uma mulher indígena que vê as florestas como lar e não como commodity. Demoramos 25 COPs para os países entenderem que os povos indígenas têm um papel chave no enfrentamento das mudanças climáticas”, discursou Hindou Ibrahim, ativista ambiental feminina do Chad, e atual co-presidente indígena do Grupo de Trabalho Facilitador da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas da UNFCCC. Ela subiu ao palco sozinha para dizer, de modo gracioso, verdades inconvenientes. “Alguns governos e empresas nesta sala são responsáveis pelo desmatamento que estamos prometendo acabar”, disse. “Hoje, neste evento, os povos indígenas trazem algo especial para a mesa. Nós temos PhD em manejo sustentável das florestas. Somos campeões do clima, vemos a natureza como medicina, como conhecimento. Temos o mapa, sabemos para onde estamos indo, sabemos como dirgir, então, girem a chave”, pediu Hindou. Ambição anunciada Como resposta à provocação de Hindou, durante o evento ocorreram diversos anúncios importantes de países, empresas, bancos e fundações. Política, a “Declaração de Glasgow sobre Florestas e Uso do Solo”, enfatiza o papel das florestas, da biodiversidade e do uso sustentável do solo para o alcance das metas climáticas firmadas no Acordo de Paris, reafirma o compromisso dos países, reconhece que tanto global como nacionalmente serão necessárias ações transformadoras ligadas à produção, consumo, infraestrutura, comércio, financiamento e o apoio a povos indígenas e comunidades tradicionais que têm um papel chave na defesa das florestas. Outras foram mais objetivas. O presidente colombiano afirmou que até o ano que vem vai assegurar como área protegida 30% de seu território, mesmo sendo responsável por bem menos de 1% das emissões mundiais. E anunciou, ainda, aumento da punição a crimes ambientais. Ali Bongo, presidente do Gabão, fez um apelo para a preservação da bacia do rio Congo. “Ela é o coração e os pulmões da África. Não podemos vencer as mudanças climáticas a menos que mantenhamos nossa região viva”, disse. Ursula Gertrud von der Leyen, atual presidente da Comissão Europeia, destacou o investimento de um bilhão de euros para proteção, restauração e manejo sustentável de florestas em cinco anos. Jeff Bezos, fundador da Amazon, prometeu 2 bilhões de dólares para apoiar sistemas alimentares e restauração florestal pelo mundo e, junto com Alan Jope, CEO da Unilever, representaram a LEAF Coalition (Lowering Emissions by Accelerating forest Finance – Diminuindo Emissões por meio da Aceleração de financiamento florestal – tradução livre), uma coalizão de companhias e governos que mobilizou um bilhão de dólares para apoiar países engajados na redução do desmatamento e na proteção de florestas tropicais e sub-tropicais. Segundo a coalizão, os governos do Acre, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Amazonas e Tocantins já se inscreveram para acessar esses fundos. Além disso, diretores de mais de 30 instituições financeiras com ativos que somam mais de 8.7 trilhões de dólares se comprometeram a eliminar o investimento em atividades ligadas ao mercado de commodities agrícolas que provocam desmatamento. “Nós continuaremos a nos envolver de forma significativa com as comunidades tradicionais e indígenas como especialistas em proteção e gestão da biodiversidade e dos recursos naturais, ao mesmo tempo em que respeitamos seus direitos às suas terras, cultura e espiritualidade”, afirma o documento. Ainda, 10 das maiores empresas do agronegócio no mundo, incluindo AMaggi, Bunge, Cargil e JBS, anunciaram seu compromisso de evitar perda de biodiversidade em processos ligados às suas atividades. Outro anúncio importante foi o aporte de 1.7 bilhão de dólares para apoiar ações ligadas à adaptação e mitigação de comunidades locais e povos indígenas, proveniente dos governos do Reino Unido, Alemanha, Estados Unidos e Holanda, além de 17 fundos privados. Esta, sem dúvida, foi uma sinalização positiva dos países frente a anos de pleitos indígenas por financiamento. “Este é um dia histórico, mas não só por este anúncio dos USD 1.7 bilhão, mas porque os povos indígenas falaram nesta sala, sentaram na mesa junto com os líderes mundiais dos países”, lembrou Darren Walker, presidente da Fundação Ford, um dos doadores, referindo-se à participação do líder indígena equatoriano Tuntiak Katan, que, como Hindou, também discursou no evento junto com os chefes de Estado e empresários. “Temos que garantir que políticas sejam centradas na liderança, na capacitação e no poder dos líderes indígenas. Eles não vão ficar mais la fora da sala pedindo pra entrar”, comemorou Walker.