Sul tem condições para substituir 100% do carvão por energia eólica e solar, aponta IEMA em Glasgow

Veja como foi o debate na COP26 “O carvão e os desafios da Transição Justa no Sul do Brasil” No encontro “O carvão e os desafios da Transição Justa no Sul do Brasil” foram discutidas as perspectivas e os desafios para uma economia sem carvão na região, durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2021 (COP26) em Glasgow, Escócia. O debate aconteceu no espaço Brazil Climate Action Hub, no dia 4 de novembro, e contou com a participação de Ricardo Baitelo, Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), Nicole Oliveira, Instituto Internacional Arayara e Observatório do Carvão Mineral, Eduardo Leite, Governador do Rio Grande do Sul, Lucie Pinson, Reclaim Finance (TBC) e Roberto Kishinami, Instituto Clima e Sociedade (iCS). Ele está disponível íntegra aqui. Ricardo Baitelo, especialista em planejamento energético e coordenador de projetos no IEMA, apresentou dados de 2020 da expansão da matriz termelétrica no Brasil. De acordo com os dados, a matriz elétrica brasileira tem cerca de 2% de carvão na composição de sua capacidade instalada. Na geração de energia, esse percentual é menor. A matriz mudou nas últimas duas décadas. Houve redução na dependência de hidrelétricas e protagonismo acentuado de energia eólica e solar, já superando o carvão. Baitelo lamenta que, a despeito desses avanços, o Governo Federal tenha um plano de expansão do carvão natural até 2050, quando esta deveria ser a primeira fonte de energia fóssil a ser descomissionada até no máximo a década de 2030. Prejuízos econômicos e ambientais Os prejuízos causados pela exploração do carvão foram apresentados no encontro por Nicole Oliveira, do Instituto Internacional Arayara. Oliveira exibiu um vídeo documental sobre os danos sistêmicos ao meio ambiente, ao clima e à saúde causados pelas atividades de mineração de carvão do Complexo Jorge Lacerda, o maior polo carbonífero de Santa Catarina. Entre os danos citados estão a contaminação de solo, ar, água e animais da pecuária de corte com elementos tóxicos e a emissão de gases de efeito estufa (GEE). Oliveira também abordou a intenção de governos locais de continuar produzindo energia com o carvão mineral de baixa qualidade já extraído desses complexos. O custo acumulado desses danos até o momento foi estimado em R$1,5 bilhão. O custo estimado com reparações e indenizações chegaria a R$ 6 bilhões, e o número de pessoas afetadas, a um milhão. “Não vale a pena. A termelétrica foi vendida por R$300 milhões para gerar um passivo de R$ 6 bilhões. Quem arca com esse custo? Vai sobrar para a União e nós não queremos isso. O carvão é a energia do passado”, ressalta Nicole Oliveira. Dos mais de 60 cenários de análises de sensibilidade apresentados no Plano Nacional de 2050 pela EPE, alguns incluem a descontinuidade do carvão até 2050, restrições de hidrelétricas e mudanças climáticas. E declarou com segurança que a exclusão do carvão mineral é perfeitamente possível. Transição justa Roberto Kishinami, coordenador do portfólio de energia do Instituto Clima e Sociedade, explicou que uma transição justa para uma economia sem carvão diz respeito a prover condições de sobrevivência aos trabalhadores que antes dependiam das atividades econômicas ligadas ao carvão e tiveram de encerrá-las por força de lei. E pediu que o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, falasse sobre o planejamento de políticas públicas nesse sentido. Eduardo Leite se posicionou favorável à busca de soluções, mas disse que essa discussão no âmbito público ainda é insipiente. Roberto Kishinami, então, propôs que logo no início de 2022 seja realizado um seminário com especialistas para apoiar o início de um planejamento efetivo de transição justa para uma economia sem carvão no Rio Grande do Sul. Termelétricas e Eletrobras O IEMA calculou um aumento de 80% no despacho das termelétricas nos primeiros nove meses de 2021 (janeiro a setembro) em relação ao mesmo período de 2019. Vale ressaltar que 2020 foi um ano atípico. Com isso, de janeiro a setembro houve uma emissão adicional considerável de gases de efeito estufa (GEE). Ricardo Baitelo recomenda grande atenção ao que aconteceu em 2021 para que os impactos não se repitam. Outro gráfico mostra a contratação adicional de energia termelétrica de gás natural em 2021, como medida para suprir a lacuna do sistema energético até 2025. Isso significa que, além de ter despachado mais energia termelétrica e ter emitido mais GEE em razão disso, o Brasil planeja continuar fazendo isso nos próximos anos, até que novas usinas de energia limpa sejam implementadas. Ricardo menciona ainda a medida provisória 1.031/2021, já convertida em lei, que autoriza a privatização da Eletrobras e com isso insere oito gigawatts de gás natural em diferentes as regiões brasileiras, com impacto considerável de emissões de GEE, por meio de usinas que irão operar em tempo integral e de forma inflexível, não meramente complementar. A estimativa de emissão de GEE nessas usinas é de até 20 milhões de toneladas de CO2 anuais entre 2026 e 2045. De forma cumulativa, explica Ricardo Baitelo, isso equivale a mais de um ano de emissões do sistema de transportes inteiro, considerando passageiros e cargas. Além dos impactos de emissões, Ricardo ressalta que deve-se considerar que toda termelétrica que opera em tempo integral, seja a carvão, a gás natural ou nuclear, toma espaço de energias renováveis, como a eólica e a solar, e assim não contribui para a flexibilidade do sistema. “A adição de oito gigawatts de energia termelétrica despriorizará a operação de usinas de energias eólica e solar”, alerta o especialista. Com isso, essas usinas com plena capacidade produtiva ficariam impedidas de escoar sua produção. Risco hidrológico A apresentação de Ricardo inclui também uma sequência de gráficos relativos ao impacto projetado da mudança climática sobre o risco hidrológico para os próximos anos, o que sugere que o Brasil deve efetivamente planejar uma redução ainda maior de sua dependência de hidrelétricas em favor de outras fontes de energia renovável. Os dados apontam que em 2021 o Brasil escapa de um racionamento de energia, mas que para 2022 esse risco ainda existe, em razão da incerteza quanto

A dependência de hidrelétricas pode ser um risco para o Brasil, mostra painel na COP26

IEMA participa do debate Hidrelétricas: a solução energética condenada pela crise climática? O encontro “Hidrelétricas: a solução energética condenada pela crise climática?” debateu os impactos dessa geração de energia, na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2021 (COP26) em Glasgow, Escócia. No espaço Brazil Climate Action Hub, no dia 4 de novembro, o painel contou com a participação de Ricardo Baitelo (Instituto de Energia e Meio Ambiente, IEMA), Juma Xipaia (Instituto Juma), Alessandra Munduruku (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, Coiab) e Sandra Braga (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos, Conaq). Na ocasião, Ricardo Baitelo, especialista em planejamento energético e coordenador de projetos no IEMA, apresentou dados e análises que comprovam os benefícios de uma transição justa para outras fontes de energia renovável. O debate está disponível na íntegra. As experiências traumáticas que infelizmente aconteceram em Tucuruí e Belo Monte, ambos no Pará, trouxeram aprendizado, segundo Baitelo. A exposição midiática no Brasil e no exterior dos impactos, incluindo os econômicos, da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, município de Altamira, contribuiu para a decisão de não construir uma usina hidrelétrica planejada no rio Tapajós. Lamentavelmente, foi a tragédia denunciada que tornou possível trazer à tona os impactos técnicos, econômicos, sociais, ambientais e culturais desse tipo de construção. Direitos de quem vive dos rios O painel foi marcado por discursos emocionantes. A ativista indígena Juma Xipaia, do Pará, presidente do Instituto Juma, relatou como se deu e ainda se estende o impacto negativo da Hidrelétrica de Belo Monte para os povos locais. Pelas palavras de Juma, Belo Monte é o retrato de uma política de desenvolvimento colonizadora e desconectada das necessidades da população local. Sandra Pereira Braga, coordenadora executiva da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq) e quilombola de Mesquita Goiás, denunciou o que chamou de silenciamento dos povos quilombolas nos processos de construção de hidrelétricas, que avançam sem que os povos tradicionais sejam ouvidos ou respeitados. E clamou para que os financiadores tomem conhecimento e assumam responsabilidades sobre as injustiças. Hilton Durão, assessor da Conaq e quilombola do Quilombo Porto Alegre, no Baixo Tocantins, disse que a Usina Hidrelétrica de Tucuruí, cuja operação se iniciou em 1984 no rio Tocantins, na área onde mora, impactou comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas que dependem da natureza para viver. Segundo Hilton, à época da instalação, mais de 30 mil pessoas foram expropriadas sem consulta prévia informada, com base apenas em relatórios técnicos sobre o funcionamento da usina. Hoje, diz Hilton Durão, essas comunidades vivem a poucos quilômetros da usina e pagam caro pela energia gerada, sem que o fornecimento seja contínuo. Alessandra Munduruku, representante do povo Munduruku, do Pará, e da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), falou sobre a luta de resistência do seu povo na bacia do rio Tapajós contra o que “viria a ser um novo Belo Monte se o projeto não tivesse sido barrado”. “O que acontece no Tapajós afeta o mundo todo. Não só os indígenas”, alertou. Ricardo comenta que os relatos trazidos no painel revelam um método de não-escuta e não-participação dos povos no processo de análise de impactos e planejamento. “A gente defende o planejamento integrado, com decisões tomadas coletivamente, pelo bem de quem tem o direito de usufruir dos recursos locais”, diz. “Como bem colocaram as palestrantes, além das questões hidrológicas, era preciso considerar os impactos sociais, sobre o uso da água, sobre a pesca e sobre a navegação que devem ser considerados. Há deslocamento das populações, inundação de terras férteis, desmatamento direto e indireto, impacto arqueológico, perda de biodiversidade terrestre e aquática.” Agora, com esse conhecimento mais disseminado, cada vez mais se fala em desenvolver uma estrutura para a Amazônia para gerar desenvolvimento de quem está no local. E não, apenas, uma infraestrutura estabelecida na Amazônia para atender ao interesse de poucos em outras regiões. Crescimento da energia sustentável Atualmente, existem suficientes argumentos técnicos para apoiar projetos de energia e desenvolvimento justos e corretos. Dados trazidos pelo pesquisador apontam que a dependência que o Brasil tem da energia hidrelétrica representa grande risco. Hoje, dois terços da energia gerada no Brasil vêm das hidrelétricas. Estudos de cenários do Ministério de Minas e Energia (MME) mostram que o risco hidrológico decorrente das mudanças climáticas é crescente. “Isso confirma que cada vez que for feita a opção por novas hidrelétricas, aumentará o risco de racionamento, a energia elétrica tenderá a ficar mais cara e os impactos dramáticos que foram relatados aqui hoje serão espalhados”, observa Ricardo. Por outro lado, o avanço considerável do Brasil em direção a outras fontes de energia coloca o país em uma perspectiva bastante favorável para reduzir a dependência de hidrelétricas. “Na época de Belo Monte, essas alternativas não estavam à disposição. Já falávamos de fontes de energia como biomassa, energia solar, eólica e outras, mas só mais recentemente elas têm ganhado terreno”, relembra Baitelo. A eólica já é a segunda maior fonte de energia do Brasil. A solar está caminhando rapidamente e, logo, irá ultrapassar a eólica em termos de capacidade instalada.” Desde Belo Monte, as perspectivas para energias renováveis no Brasil mudaram muito. “A energia solar está caminhando para se tornar uma das quatro maiores fontes do Brasil. Já não estamos falando apenas de grandes fazendas, mas também da energia distribuída – os painéis nos telhados das residências, comércios, indústrias, propriedades rurais. Dessa forma, quem está usando a energia vê de onde ela está saindo e fica consciente dos seus impactos.” Existem também alternativas que podem respeitar a vocação natural de quem está sem acesso à energia. Entre elas, o etanol da mandioca e a hidrocinética, apropriada para para pequenos aproveitamentos. População isolada da Amazônia Na Amazônia, o planejamento participativo e a integração devem considerar o fato de a região não fazer parte do Sistema Interligado Nacional (SIN). A Amazônia está abastecida por sistemas isolados, em sua maioria termelétricas à base de geradores a diesel extremamente caros e poluentes. Outro desafio é o isolamento de parte da população. A fim de propor soluções para

Por que precisamos ouvir os indígenas na COP26

Os povos originários são nossa melhor aposta para conservar 80% da biodiversidade que o planeta ainda tem Quem esteve de olho no noticiário nos últimos meses viu que voltou à pauta do Supremo Tribunal Federal a discussão do Marco Temporal Indígena, julgamento que é central para o futuro dos povos originários no Brasil porque legisla sobre o direito mais fundamental: a terra. Mulheres indígenas de 150 etnias organizaram protestos em Brasília contra o projeto e a COP26, que acontece em Glasgow, está recebendo a maior delegação de lideranças brasileiras da história da conferência. Eles estão lá para pautar a demarcação de terras indígenas e a importância dos povos tradicionais para criar e promover soluções climáticas efetivas baseadas na natureza e nas comunidades que vivem em harmonia com ela há séculos. Precisamos reconhecer a contribuição desses povos para a preservação ambiental e para isso é fundamental demarcar seus territórios. “Nos colocamos contra falsas soluções baseadas em inovações tecnológicas elaboradas a partir da mesma lógica desenvolvimentista e produtivista que provoca as mudanças climáticas. Criticamos soluções que não reconheçam os povos indígenas e comunidades locais como o ponto central na defesa das florestas, da diminuição do desmatamento e das queimadas, e como essenciais para a garantir que a meta declarada de manter o aquecimento global abaixo de 1,5 graus Celsius”, destaca trecho da mensagem da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) aos líderes mundiais, empresários, gestores públicos e organizações da COP26. Sônia Guajajara, destacada líder indigena brasileira, conhecida no Brasil e em todo o mundo e coordenadora da APIB, está em Glasgow, numa delegação coordenada pelos assessores estratégicos internacionais, Marcus Vinicius Ribeiro & Zachary Kuipers, do 4H5H MEDIA. “Não há solução para a crise climática sem a demarcação dos nossos territórios”, destaca, lembrando que, comparados às demais terras públicas, os territórios indígenas são os que mais contribuem para o equilíbrio climático. “Então nós precisamos que o mundo inteiro escute o que os povos indígenas têm a dizer”, completa, em entrevista para o novo episódio do podcast Infraestrutura Sustentável. Os povos indígenas são um exemplo de convivência e de relação de respeito com a floresta e uma riqueza cultural maior que qualquer minério ou produto que podemos extrair das regiões onde vivem. “Preservar os seus direitos é mais importante que qualquer grande obra”, ressalta Sérgio Guimarães, secretário executivo do GT Infraestrutura, uma rede de 40 organizações unidas para debater modelos sustentáveis de desenvolvimento baseados na justiça socioambiental. Ele explica que a floresta é a principal infraestrutura da Amazônia: faz chover na maior parte do Brasil, estabiliza o clima, abriga enorme biodiversidade, garante a sobrevivência dos povos originários e é base para o desenvolvimento do Brasil. Demarcar os territórios indígenas é importante, mas não basta. “É preciso respeitar o modo de vida dos povos indígenas porque é exatamente ele que garante essa preservação que a gente tanto fala. Se hoje nós indígenas somos 5% da população mundial e conseguimos preservar 82% da biodiversidade que ainda resta no planeta é porque nós temos muito a ensinar. E a sociedade inteira precisa entender, respeitar e se reconectar com a Mãe Terra”. Se queremos continuar vivendo neste planeta, deveríamos aprender com quem faz isso desde sempre. Por sorte, essas pessoas estão dispostas a compartilhar esse conhecimento com o mundo. Se os líderes da COP26 derem a seus representantes o destaque que merecem, todo o planeta ganha. Este artigo foi escrito por Alexandre Mansur e Angélica Queiroz e publicado, originalmente, na Exame. Foto: Sonia Guajajara com Principe Charles (APIB/Divulgação)