Brasil vendeu mais de 200 toneladas de ouro com indícios de ilegalidade

Instituto Escolhas revela que o ouro com indícios de ilegalidade chega a quase metade da produção nacional e expõe as ligações entre empresas do setor financeiro e outros elos da cadeia do ouro, dos garimpos na Amazônia até o mercado internacional. Sem controle e transparência, indícios de ilegalidade ultrapassam as 200 toneladas Entre 2015 e 2020, o Brasil comercializou 229 toneladas de ouro com indícios de ilegalidade. O número inédito e alarmante foi levantado pelo novo estudo do Instituto Escolhas, lançado nesta quinta-feira (10/2), por meio da análise de mais de 40 mil registros de comercialização de ouro e imagens de extração. Para Larissa Rodrigues, gerente de Portfólio do Escolhas, “o estudo mostra que os indícios de ilegalidade são muito maiores do que se imaginava e confirma que essa situação é recorrente. Uma consequência da total falta de controle e transparência na cadeia do ouro”. Empresas ligadas aos indícios de irregularidades têm laços por toda a cadeia do ouro Das 229 toneladas de ouro com indícios de ilegalidade, o estudo do Escolhas identificou que um terço, ou 79 toneladas, foi comercializado por cinco Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs) que compram ouro de garimpos na Amazônia. São elas: a F.D’Gold, a Ourominas, a Parmetal, a Carol e a Fênix DTVM. O estudo confirmou ainda que essas DTVMs, autorizadas a funcionar pelo Banco Central, possuem vinculações empresariais e familiares por toda a cadeia do ouro. Há casos de pessoas de uma mesma família, por exemplo, que controlam tanto uma DTVM, como garimpos com indícios de irregularidades que venderam ouro para essa mesma DTVM. Os elos encontrados incluem ainda empresas de refino, de transportes, de exportações, entre outros. Isso é um problema, pois uma das leis que trata da comercialização de ouro dos garimpos, a Lei 12.844/2013, exime as DTVMs da responsabilidade pelas irregularidades, garantindo que suas compras de ouro sejam feitas com base na boa-fé. Mas, o fato dos próprios responsáveis por DTVMs, ou, ainda, seus familiares e empresas vinculadas, poderem ter lavras, além de outros negócios na cadeia, gera um conflito de interesses entre quem deveria estar interessado na legalidade do ouro adquirido e quem presta a informação sobre a origem do metal. “As vinculações familiares e empresariais na cadeia do garimpo inviabilizam controles adequados. Soma-se a isso um enorme volume de ouro que circula pelo mercado com indícios de irregularidades. Ou seja, não é razoável operar com a boa-fé nessas transações. A legislação precisa ser revista e o Banco Central precisa fiscalizar e acompanhar de perto”, explica Larissa. Exportações para a Índia confirmam a contaminação dos mercados internacionais De acordo com o estudo do Escolhas, os indícios de irregularidades contaminam também os mercados internacionais. Em 2020, a Índia, sexto maior comprador de ouro do Brasil, importou ouro das empresas FNX Comércio de Metais e Fênix Metais do Brasil – ambas vinculadas ao grupo da Fênix DTVM, que possui indícios de ilegalidade na comercialização do metal. Foram realizados cinco embarques de ouro pelo Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, que chegaram à refinadora Yash Oro India Private Ltd, em Telangana. Outros países que compram ouro do Brasil, como Canadá, Suíça e Reino Unido, também estão expostos a esse risco. Para Rodrigues, “a situação é grave e mostra que o Brasil é um fornecedor de ouro contaminado para o mundo. Os países importadores precisam controlar a origem do que compram ou serão coniventes com o que acontece na Amazônia”. Medidas urgentes para combater o problema O estudo do Escolhas defende que para evitar a contaminação por irregularidades e avançar em seu combate é preciso que o Brasil adote um sistema obrigatório de rastreabilidade da origem do ouro. As bases para isso estão no Projeto de Lei 836/2021, elaborado com apoio técnico do Escolhas. Os países importadores também precisam exigir esses sistemas. Outra medida importante trazida pelo estudo é a necessidade de acabar com os benefícios conferidos por lei aos garimpos. O documento ressalta que – longe de operar em escala artesanal – os garimpos são organizações industriais e precisam ser tratados como tais. Por isso, o regime de Permissão de Lavra Garimpeira deve ser extinto. Além disso, o estudo pede urgência na alocação de recursos para a fiscalização da extração e comércio de ouro, para o combate aos crimes e para acabar com as operações em Terras Indígenas e Unidades de Conservação. Larissa enfatiza que as regras do setor mineral precisam ser alteradas, para acabar com as transações feitas na base da boa-fé e os benefícios dados aos garimpos. “Isso vai ajudar nos controles e na fiscalização. E são necessários, ainda, recursos e sistemas mais potentes de fiscalização. Sem eles, continuará sendo muito fácil colocar ouro ilegal no mercado”, completa. Fonte: Comunicação/ Instituto Escolhas

Meio ambiente fora dos planos de infraestrutura

Plano Integrado de Longo Prazo da Infraestrutura é bem-vindo, mas não considera questões socioambientais relevantes Por Joana Chiavari e Luiza Antonaccio* Apesar da demanda crescente de investimentos em infraestrutura no país, permanecem falhas estruturais na governança dos investimentos públicos e privados pelo governo. A ausência de um planejamento abrangente de longo prazo para o setor tem sido a face mais visível de uma governança frágil que acarreta muitas vezes em decisões sendo tomadas seguindo a lógica do ciclo político e a seleção de projetos que carecem de suficiente racionalidade e integridade. Neste sentido, é muito bem-vinda a publicação do Plano Integrado de Longo Prazo da Infraestrutura: 2021 – 2050 (PILPI), no final de 2021, pelo Comitê Interministerial de Planejamento da Infraestrutura. Esse documento supre uma lacuna importante ao adotar o primeiro plano intersetorial de longo prazo do setor de infraestrutura na história democrática recente do país. O PILPI representa um passo significativo para alavancar a infraestrutura como um poderoso instrumento capaz de alcançar os objetivos nacionais de desenvolvimento, mas o imperativo da sustentabilidade precisa fazer parte integral desta estratégia. Ocorre que o PILPI perde a oportunidade de considerar, desde o planejamento, questões socioambientais relevantes que podem definir a viabilidade de projetos e atrair investimentos para o setor. Considerar questões socioambientais desde a fase de planejamento permite aprimorar o processo de seleção dos projetos, fazendo com que essas questões sejam analisadas e aprofundadas de forma progressiva. Essa medida aumentaria a segurança no ambiente de negócios e atrairia potenciais investidores, ao permitir que apenas projetos robustos e de qualidade chegassem à fase de implementação. Atualmente, a avaliação dos impactos socioambientais acontece tardiamente e é concentrada na fase do licenciamento ambiental, fazendo com que esse instrumento acabe se tornando um gargalo. No entanto, não há impeditivos para antecipar a análise socioambiental já a partir da fase de planejamento, e uma das formas de fazê-lo seria, justamente, incluir esta análise nos instrumentos de planejamento, em especial no PILPI. Isso já ocorre no setor de energia elétrica, por exemplo, que demonstra mais maturidade ao tratar desse tema, ao prever que todos os estudos do plano de longo prazo do setor – o Plano Nacional de Energia (PNE) – devem levar em consideração aspectos socioambientais, além de incorporar esses aspectos nas projeções de cenários. O PILPI prevê que as projeções de sustentabilidade ambiental se baseiem na Estratégia Federal de Desenvolvimento (EFD), um instrumento de planejamento de médio prazo, uma vez que nela são estabelecidos índices-chave e metas tangíveis para o eixo ambiental. No entanto, estes parâmetros podem não ser suficientes, uma vez que não incluem, por exemplo, desmatamento e a proteção de biomas, fatores essenciais para avaliar a viabilidade de projetos de infraestrutura, especialmente na região Amazônica. O PILPI faz referência, ainda, ao Guia Geral de Análise Socioeconômica de Custo-Benefício de Projetos de Investimento em Infraestrutura (Guia ACB) e, no caso do setor de transportes, também ao Plano Nacional de Logística (PNL) 2035. Ambos documentos, todavia, incorrem em limitações semelhantes à EFD. A importância de um novo planejamento é clara para viabilizar novos projetos, não só para a retomada da economia no pós-pandemia, mas, principalmente, para melhorar o bem-estar da população e a competitividade das empresas. Entretanto, o processo de planejamento precisa refletir um modelo sustentável de desenvolvimento para, a partir deste modelo, determinar quais demandas de serviços de infraestrutura e ativos subjacentes podem ser projetados no médio e longo prazos. Existe uma oportunidade clara para que o PILPI passe a incorporar componentes socioambientais na seleção de projetos que não deve ser desperdiçada. *Joana Chiavari é Diretora Associada do Climate Policy Initiative (CPI/PUC-Rio) e Luiza Antonaccio é Analista Legal Sênior, Direito e Governança do Clima do CPI/PUC-Rio. Este artigo foi, originalmente, publicado na coluna do O Mundo Que Queremos, no Um Só Planeta. Imagem: Pixabay