Indígenas denunciam que foram excluídos de estudos sobre a usina Tabajara

Os povos Arara, Gavião e Jiahui, junto com grupos de indígenas em isolamento voluntário, foram ignorados no Estudo de Componente Indígena (ECI) da Usina Hidrelétrica Tabajara, que deve alagar uma área de pelo menos 100 quilômetros quadrados em Rondônia, na divisa com o Amazonas, e barrar o rio Ji-Paraná. Ainda assim, o Ibama autorizou a realização de duas audiências públicas no início de abril deste ano, na cidade de Machadinho do Oeste, em Rondônia. A reportagem é de Alicia Lobato, publicada por Amazônia Real, 02-06-2022. O ECI é um dos estudos obrigatórios que integram as etapas do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) do licenciamento de todo empreendimento que causa impactos em terras indígenas. Ele garante que os povos indígenas sejam ouvidos e consultados sobre a obra. O líder indígena Josias Cebirop Gavião, da Aldeia Ikolen, localizada na Terra Indígena Igarapé Lourdes, em Rondônia, afirmou à Amazônia Real que desde o início do projeto a comunidade foi contra o empreendimento. O povo Gavião tem seu território demarcado e conta com cerca de 800 pessoas. Segundo ele, apesar do território não estar na área de influência direta da usina, determinada como “área de impacto”, o povo Arara considera necessário ser ouvido e consultado, ou seja, incluído no Estudo de Componente Indígena. Conforme Josias, o território está distante de 200 a 300 km do ponto da obra e será afetado indiretamente, com impactos em cursos d´água e fontes de alimento. “Uma parte da terra indígena nós sabemos que vai afetar. Acreditamos que, de uma certa forma, pode afetar os igarapés e os rios que passam pela terra indígena, assim como a caça”, diz. O Estudo de Componente Indígena do empreendimento abrangeu apenas a Terra Indígena Tenharim/Marmelos, localizada no município de Humaitá, no sul do Amazonas. Ainda assim, segundo o líder Angelisson Tenharim, os indígenas deste povo estão descontentes com o resultado. Segundo ele, o principal ponto é a maneira duvidosa como o estudo foi feito. Ele solicita a mudança da empresa JPG Consultoria e Participações Ltda, que elaborou o documento. De acordo com Angelissom Tenharim, o ECI está incompleto e precisa ser refeito. Representantes dos Tenharim não participaram das audiências públicas realizadas no início de abril. Angelisson afirma que o assunto está “suspenso”. “Nós não íamos nos fazer presentes na audiência porque temos a organização própria do nosso povo e, quando chegar o momento certo, a partir do momento que a Eletronorte contratar uma outra empresa para fazer o estudo do componente indígena, vamos recebê-los na nossa aldeia para discutirmos sobre o assunto. Fora isso, o assunto da Tabajara com o povo Tenharim está suspenso”. As audiências públicas foram realizadas para apresentação e discussão do Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) da usina. Elas são fundamentais no processo de licenciamento ambiental e têm o objetivo de apresentar os resultados dos estudos ambientais, elucidar dúvidas e ouvir críticas e sugestões das pessoas presentes. Elton Jiahui, coordenador da Associação do Povo Indígena Jiahui da TI Jiahui, conta que em nenhum momento seu povo foi consultado sobre a obra, apesar de estarem localizados próximos da TI Tenharim/Marmelos. Ele afirma também que recentemente os Jiahui foram a Brasília buscar apoio em uma ação contra o projeto da usina. O povo Jiahui tem seu território localizado no sul do Amazonas, no município de Humaitá, com uma população reduzida de 90 pessoas, distribuídas em 23 famílias. “Nós não fomos consultados até agora se vamos ser atingidos ou não, mas moramos aqui, sabemos que vamos ser atingidos. Estávamos em Brasília falando sobre a usina, mas aqui mesmo na aldeia nós não fomos procurados”. Elton Jiahui enfatiza que, apesar da comunidade ter certeza dos impactos que irá sofrer com a obra, no estudo é afirmado que eles não serão afetados. Em relação a povos indígenas isolados, no ECI emitido em junho de 2020 há um trecho relatando que os Tenharim foram explícitos sobre os parentes sem contato. O documento afirma que em vários momentos os Tenharim comentaram sobre vestígios e encontros com grupos indígenas em situação de isolamento. Em outro trecho, é compartilhado que os Tenharim explicaram que os indígenas isolados são pessoas da própria comunidade que migraram para áreas distantes das aldeias, ocupando outros espaços da floresta. Apesar disso, a conclusão do estudo diz o seguinte: “Sugere que ainda não havia, até o momento de realização deste ECI, a mobilização institucional que comprovasse a existência dos grupos isolados. Nem a FUNAI, nem as ONGs, nem as próprias instituições da chefia Tenharim foram capazes de confirmar a presença ou não destes grupos”. No segundo volume do ECI da Terra Indígena Tenharim/Marmelos também consta que os indígenas deste povo são contrários ao empreendimento e apenas aceitaram receber a equipe técnica da obra. “É importante ressaltar que os Tenharim não estão de acordo com a construção do empreendimento, posição esta que é defendida, ainda que tenham aceitado receber a equipe técnica para a realização deste ECI e discutir os impactos e as medidas de mitigação e/ou compensação cabíveis”, diz o documento. O posicionamento é baseado no conhecimento dos indígenas de experiências vividas por outros grupos, como no caso da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, que provocou interferências importantes nos traços culturais, modo de vida e uso das terras pelos povos indígenas impactados pelo empreendimento. Os Tenharim têm certeza que a construção e operação da usina Tabajara causarão impactos negativos no seu modo de vida. Além disso, segundo o Comin (Conselho de Missão entre Povos Indígenas), estudos iniciais sobre os impactos ambientais do empreendimento apontaram que ao menos dez terras indígenas seriam impactadas. No entanto, as portarias ministeriais 419/211 e 60/2015 restringiram os impactos em terras indígenas até 40 km do reservatório hidrelétrico, o que fez a Funai limitar a área a ser estudada à TI Tenharim/Marmelos. Para o Comin, isso foi feito sem levar em conta critérios técnicos. Audiências em abril Realizadas no mês de abril, as duas audiências públicas na cidade de Machadinho do Oeste, em Rondônia, foram duramente criticadas por organizações de povos ribeirinhos e indígenas. No dia 5 do mesmo mês, uma rede de movimentos sociais e aliados divulgou nota pedindo a anulação das audiências. Na nota, as organizações reuniram uma série de denúncias divulgadas em anos anteriores, como a carta do Encontro de Guerreiras e Guerreiros em Defesa dos Povos e do Rio Ji-Paraná (Machado), de 2018, na qual os indígenas citam territórios que serão impactados pelo empreendimento e que não foram levados em conta nos estudos. “Denunciamos que a Funai apresentou no Termo de Referência da UHE-Tabajara só a TI Tenharim/Marmelos como a