Parlamento Europeu discutirá medidas contra as violações de direitos e leis socioambientais causada por investimentos de empresas europeias multinacionais
Os investimentos da maioria das multinacionais europeias em outros continentes se realizam mediante a criação de sub empresas, o que favorece a omissão das responsabilidades socioambientais que a empresa matriz teria em relação às frequentes violações de direitos humanos e a degradação ambiental causada pela implementação de empreendimentos.
Nesse contexto, o evento “DEFENDENDO O AMANHÃ: Como garantir que empresas europeias respeitem o planeta e aqueles que o protegem”, organizado pela Global Witness, irá promover um debate-denúncia com representantes do Parlamento Europeu e da União Europeia, em vista da construção de uma legislação de responsabilidade social para as empresas do bloco econômico. Na atividade, que será realizada no dia 27 de outubro próximo, será denunciado o rastro de danos às comunidades e ao meio ambiente causados pela construção do complexo de Hidrelétricas no rio Teles Pires, de propriedade de consórcios formados por filiais de grandes empresas públicas e privadas da Europa, como Électricité de France (EDF), Energia de Portugal (EDP) e a espanhola Iberdrola.
Após publicação de estudo da Comissão Europeia sobre os devidos requisitos a serem impostos à cadeia empresarial de abastecimento do bloco, no início deste ano, o Comissário Europeu para a Justiça, Didier Reynders, anunciou no mês de abril, ao Grupo de Trabalho sobre Conduta Empresarial Responsável do Parlamento Europeu, que a União Europeia introduzirá regras sobre responsabilidade social das empresas a serem cumpridas a partir de 2021. Em resposta a este anúncio, os deputados europeus começaram a desenvolver uma posição conjunta do Parlamento Europeu, sobre como poderia ser uma lei sobre responsabilidade social das empresas. Os trabalhos na Comissão de Assuntos Jurídicos do Parlamento Europeu começaram com a publicação de um projeto preliminar, da eurodeputada Lara Wolters. Enquanto isso, no Conselho Europeu, a presidência alemã pretende obter ainda em dezembro, acordos sobre empresas e direitos humanos, incluindo sua devida responsabilização.
No Brasil, diversos conflitos socioambientais são resultado da ação de empresas europeias ou de ação do capital europeu investido. Conforme dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), divulgados em abril deste ano, como em anos passados, a Amazônia Legal é onde se concentram os maiores números dos conflitos e da violência no campo. Em 2019, a região concentrou 84% dos assassinatos registrados, 27 do toal de 32. Além disso, onde ocorreram 73% das tentativas de assassinato, 22 das 30; 79% dos ameaçados de morte, 158 pessoas de um total de 201. A situação no rio Teles Pires é um caso emblemático deste contexto.
Estatal francesa responsável por projeto danoso às comunidades da Amazônia
O Teles Pires é hoje o rio mais impactado por usinas hidrelétricas na Amazônia, são quatro hidrelétricas em operação, que tem gerado um imenso impacto socioambiental às comunidades rurais, indígenas, ribeirinhas e pescadoras. Apenas na região do rio Teles Pires e por toda a bacia do Tapajós, estão planejadas 29 grandes usinas e 80 pequenas barragens. Cerca de um milhão pessoas, que vivem na região, incluindo 10 nações de povos originários, serão diretamente impactadas. Esses planos têm como objetivo garantir o projeto mais ousado de hidrovia do Brasil, para ampliar o escoamento de grãos do setor do agronegócio para o exterior, a “Hidrovia Teles Pires Tapajós”.
Na calha do rio Teles Pires, a empresa francesa EDF, com mais de 80% das ações financiadas com fundos públicos, controla a hidrelétrica de Sinop. Além de ter destruído 25 hectares de floresta, seu reservatório é um dos que mais contribui para a emissão de gases de efeito estufa dentre todo o complexo de hidrelétricas da região devido ao descumprimento da exigência ambiental de limpeza completa do solo antes do enchimento do lago. A decomposição da vegetação alagada produz uma diminuição do oxigênio na água e, por tanto, coloca em risco a vida da ictiofauna. Desde o início das atividades da usina em fevereiro de 2019 até agosto de 2020, tem acontecido quatro grandes mortandades de peixes que passam de 30 toneladas. Além disso, a barragem de Sinop viola os direitos de assentados, pescadores, ribeirinhos e povos indígenas ligados ao Teles Pires para a sua sobrevivência. Mais de 200 famílias que perderam suas terras para a instalação da usina lutam por conseguir indenizações justas mas o Consórcio Empresarial de Sinop (CES) não reconhece os valores fundiários estabelecidos mediante peritagens judiciais.
O MAB (Movimento de Atingidos por Barragens) tem se colocado junto aos assentados e impactados na região, contra o projeto e seus danos. Devido a isso, foi imposto um interdito proibitório contra o Movimento, suas lideranças, e contra os próprios assentados atingidos, com o intuito de imobilizar a luta dos povos. Uma das lideranças do MAB, Jefferson Nascimento, que fará a denúncia no evento “Defendendo o Amanhã”, foi criminalizado nessa ação judicial, com o claro intuito de interromper as denúncias e pressões das comunidades impactadas.
O Coletivo Proteja Amazônia também acompanha o território, realizando ações de advocacia popular e comunicação, além de monitoramento, junto às comunidades impactadas, em busca de responsabilização e visibilidade para os danos causados por esses empreendimentos.
UHE Sinop
Inaugurada em 2014, mas em funcionamento integral desde setembro de 2019, a UHE Sinop, localizada a 70 quilômetros a norte do município que dá nome a usina (Sinop-Mato Grosso), possui capacidade de geração de energia instalada de 401,9 MW. O reservatório que constitui a barragem ocupa área aproximada de 40 mil hectares, tendo sido alagados 25 mil hectares de floresta amazônica, na formação do lago. Ao todo o complexo Teles Pires é formado por quatro plantas de grande porte já em funcionamento, são elas: a UHE São Manoel, UHE Teles Pires, UHE Colíder e UHE Sinop.
Construída pela Electricité de France (EDF), empresa francesa com 83,6% das ações pertencentes ao Governo francês, a UHE Sinop deve ser administrada pelo prazo de 35 anos – referente à concessão para operar a hidrelétrica – pelo consórcio empresarial brasileiro Sinop Energia (Companhia Energética Sinop, SA), com três acionistas: EDF (com 51% do total), Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A. (Eletronorte) e Companhia Hidro Elétrica do São Francisco S.A. (Chesf), com 24,5% cada uma.
O impacto do empreendimento atinge 214 famílias do assentamento Gleba Mercedes Projeto de Assentamento (PA) Wesley Manoel dos Santos, forçadamente deslocadas dos lotes de terra onde viviam; outras 28 famílias, que formavam parte de outros assentamentos, como o PA 12 de outubro, foram reassentadas e ainda negociam compensações. Por conta das alterações de nível e fluxo do rio, o povo indígena Munduruku, que vive à beira do Teles Pires sofre com os danos causados por essas alterações, que provocam, por exemplo, a mortandade de peixes e a proliferação de mosquitos.
Defendendo o Amanhã
Na terça-feira, 27 de outubro, a ONG Global Witness realiza evento em que será debatido o impacto de grandes projetos a comunidades tradicionais. À ocasião, ambientalistas, lideranças comunitárias e legisladores da União Europeia devem discutir como a propostas de legislação sobre responsabilidade social empresarial têm o poder de mitigar os ataques sofridos a essas comunidades, por se oporem a projetos danosos que prejudicam seus modos de vida.
O evento será realizado virtualmente, às 16h de Bruxelas (12h horário de Brasília), em inglês, com tradução para o português, e é aberto ao público. O público participante, bem como a Imprensa, podem enviar perguntas à moderação do debate, no momento da inscrição ou durante o evento, por meio do link.