CARTA DE ALTER: propostas de infraestrutura para a Amazônia

“Somos contra projetos que nos matam, matam nossos rios e nossa floresta. Esses grandes projetos não são infraestrutura para nós, precisamos de pequenos projetos, que nos fortaleçam (…) A principal infraestrutura da Amazônia é a floresta em pé.” 

Maura Arapiun, secretária do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns

As organizações vinculadas ao GT Infraestrutura e redes aliadas reuniram-se em Alter do Chão, PA, de 4 a 6 de julho de 2022, com participação significativa de organizações e movimentos sociais da região, ouvindo relatos, buscando respostas e propondo estratégias e ações concretas frente a velhos e novos desafios da região. Como resultado, preparamos este documento dirigido à sociedade brasileira com vistas a contribuir com os debates do processo eleitoral, bem como com a construção e a implementação de políticas públicas a partir de 2023.   

Nas últimas décadas, entre os principais vetores de desmatamento e conflitos socioambientais na Amazônia brasileira, estão obras de infraestrutura planejadas para sustentar o modelo de exploração predatória da região, tais como hidroelétricas, portos e estações de transbordo de grãos, hidrovias, ferrovias e rodovias. A situação se agravou no governo Bolsonaro, que promoveu uma série de retrocessos nos direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais, a partir do incentivo à grilagem de terras públicas e áreas protegidas, que se somam ao sucateamento das autarquias públicas que atuam no território amazônico. Mortes brutais, como as do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips estão longe de ser um caso isolado, e fazem parte de uma política de silenciamento de lideranças sociais submetidas a violações profundas dos mais básicos direitos humanos.

O Brasil pode ajudar o planeta a mitigar os efeitos da crise climática. No quesito infraestrutura, para tanto precisamos de infraestrutura PARA a Amazônia e não apenas NA Amazônia. Devemos considerar fundamentalmente o respeito e a promoção de arranjos socioprodutivos capazes de conviver com a floresta e garantir o acesso a direitos básicos como saúde, educação, energia e saneamento. O GT Infraestrutura tem clareza de que a floresta é a principal infraestrutura da Amazônia. Em seu mais recente trabalho, conduzido por Ricardo Abramovay, propõe quatro dimensões necessárias para repensar o assunto: natureza, cuidado, serviços e organização coletiva. É com essa base que apresentamos propostas de ações concretas para cuidar do ambiente e das pessoas, movimentando uma agenda de desenvolvimento justo, participativo e inclusivo desse manancial de saberes dos quais são guardiões seus povos e comunidades tradicionais.

Nossas propostas:

  • Retomar as ações de comando e controle na Amazônia e em outros biomas, como o Cerrado, acabando com essa cultura onde o “ilegal” é “legal”. Reestruturar urgentemente as instituições públicas responsáveis pelo combate à economia da destruição, que consome rios e florestas, viola direitos humanos e aprofunda a desigualdade social. 
  • Garantir a aplicação de políticas de proteção dos defensores da floresta e dos Direitos Humanos, mitigando riscos, para que essas pessoas possam seguir suas lutas junto com os povos indígenas, quilombolas, extrativistas e ribeirinhos. Fortalecer a campanha Vida Por Um Fio: Autoproteção das Comunidades e Lideranças Ameaçadas e também a rede de proteção, nacional e em cada estado.
  • Discutir um modelo novo de logística para a Amazônia, repensando prioridades e institucionalizando o processo decisório, resultando em boas práticas de planejamento, incluindo a avaliação de alternativas, ampla participação da sociedade em todas as etapas e o atendimento às demandas de promoção dos produtos da sociobiodiversidade.
  • Revisar de forma transparente, os projetos de infraestrutura de logística de transportes de cargas atualmente previstos no Programa de Parceria de Investimentos (PPI).
  • Fortalecer políticas públicas de planejamento e licenciamento ambiental de obras de infraestrutura, com o objetivo de permitir melhores escolhas que maximizem benefícios para a sociedade e que evitem a repetição de desastres e as violações de direitos.  
  • Envolver os beneficiários das comunidades no desenvolvimento de modelos energéticos distribuídos para a transição energética justa e inclusiva, garantindo energia limpa e de qualidade para todos e antecipando as metas de universalização do governo federal e dando condições energéticas para o desenvolvimento sustentável local.
  • Adotar políticas efetivas de incentivo para o aumento da mini e micro geração distribuída na região amazônica, como contribuição à matriz elétrica nacional e a uma transição energética verdadeiramente justa e popular.
  • Reivindicar um processo de moratória para novos grandes empreendimentos energéticos na Amazônia enquanto não houver a revisão do Plano Nacional de Energia à luz dos compromissos climáticos do país. 
  • Considerar o desenvolvimento urbano como processo fundamental para a sustentabilidade e bem estar humano na Amazônia, com infraestruturas adequadas ao contexto local. Cidades e assentamentos humanos devem ser protagonistas na implementação de medidas de conservação socioambiental, de promoção da diversidade sociocultural e de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
  • Adotar medidas para proteger os rios, elementos vitais para a manutenção da vida e da diversidade no ambiente amazônico. Apoiar o monitoramento de ações relacionadas ao estresse antropogênico imposto aos rios, bem como aquelas de suporte à manutenção dos recursos hídricos e da integridade dos sistemas fluviais.
  • Respeitar o direito de consulta e consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas e outras populações tradicionais e fortalecer políticas de governança 
  • Estruturar um plano integrado de combate ao garimpo em terras indígenas, a fim de fazer cumprir a vedação constitucional desta atividade nestes territórios. Reconhecer que o garimpo não é um vetor de desenvolvimento da Amazônia e que precisa ser substituído em benefício de outras cadeias produtivas, capazes de conviver com a floresta e os rios, assegurar direitos e reduzir a desigualdade social.
  • Promover e aprimorar o controle social, em todo o ciclo da infraestrutura, incluindo uma maior aproximação das organizações da sociedade civil e representantes de povos com os tribunais de contas. 
  • Garantir a transparência dos processos decisórios e o acesso à informação de forma integral, acessível e em tempo real sobre políticas, planos e projetos específicos, promovendo a integridade e o combate à corrupção nas entidades, órgãos públicos e empresas do setor de infraestrutura.
  • Responsabilizar instituições financeiras e empresas para que tenham a obrigação de assumir compromissos e mecanismos robustos a respeito dos direitos humanos, da proteção ambiental e da construção de uma economia sustentável.
  • Incentivar atividades econômicas que priorizem as pessoas e a manutenção da floresta e dos rios. Usar o BNDES e outros recursos para apoiar pequenos produtores numa economia da sociobiodiversidade.

De forma geral, retomar e fortalecer iniciativas bem-sucedidas entre políticas públicas, garantindo transparência e participação efetiva em nível federal, estadual e municipal, e valorizando a diversidade socioambiental, a sabedoria e o protagonismo das comunidades amazônicas. A continuidade da Amazônia e de seus povos é premente e possível!

Foto: Rodrigo Vargas – ICV

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