Pedral do Lourenção: Justiça suspende início do derrocamento a pedido do MPF/PA

Estão impedidos todos os atos relacionados à obra, construção e instalação capazes de gerar risco de dano irreversível à área A Justiça Federal acolheu pedido do Ministério Público Federal (MPF) e proibiu o início da obra de explosão de rochas – o chamado derrocamento – no Rio Tocantins, na área conhecida como Pedral do Lourenção, no Pará. A decisão, desta quarta-feira (25), impede a realização de qualquer ato prático, em campo, pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O projeto da construção da hidrovia Araguaia-Tocantins prevê o tráfego de grandes embarcações e comboios de barcaças pelo trecho durante o ano inteiro. Para que ele se torne navegável por todo esse período, o Dnit pretende criar um canal de navegação por meio da derrocagem, quando as rochas que ficam abaixo da água são destruídas com explosivos. A proibição é necessária, segundo a Justiça Federal, para evitar riscos irreparáveis. A medida busca preservar a efetividade da decisão judicial final, considerando a alta relevância socioambiental da área. A ordem de suspensão vale até que a Justiça delibere sobre o pedido principal do MPF, que é a suspensão da licença que autoriza as obras de explosão, a chamada Licença de Instalação (LI), emitida pelo Ibama em maio. Segundo o MPF, a emissão da licença representa o risco de agravamento e consolidação de uma série de ilegalidades e falhas no processo de licenciamento ambiental da hidrovia Araguaia-Tocantins. Ilegalidades em série – A decisão, do juiz federal André Luís Cavalcanti Silva, ocorre em uma ação civil pública movida pelo MPF na qual o órgão aponta uma série de irregularidades no licenciamento das obras da hidrovia. Entre elas, estão: • ausência de Consultas Prévias, Livres e Informadas (CPLIs) às comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas e de pescadores artesanais impactadas; • emissão da LI sem cumprimento de pendências judiciais e administrativas, incluindo medidas não atendidas ou parcialmente atendidas pelo Dnit, o que é insuficiente para prevenir danos; • falta de estudos de impactos na fauna aquática e na pesca, essencial para a subsistência das comunidades tradicionais; • desrespeito à jurisprudência e normas jurídicas, incluindo casos em que o Brasil foi condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por violações semelhantes; • minimização de impactos, com a falta de definição sobre o tamanho da obra, o que subestima os impactos e as compensações necessárias. Inspeção judicial – O juiz federal determinou a realização de uma inspeção judicial para “observar pessoalmente fatos e circunstâncias relevantes à causa”. As partes do processo terão dez dias para indicar locais a serem visitados. A data da inspeção será definida posteriormente. Acesse aqui a decisão na íntegra: 10359248720244013900_2193921514_Decisao.pdf Leia mais: MPF pede suspensão imediata da licença para explosão do Pedral do Lourenção Pedral do Lourenção: audiência de conciliação define inspeção judicial e escuta às comunidades no rio Tocantins Hidrovia Araguaia-Tocantins ameaça subsistência de comunidades ribeirinhas, pesqueiras, quilombolas e indígenas
MPF pede suspensão imediata da licença para explosão do Pedral do Lourenção

A emissão da licença afronta normas jurídicas e jurisprudência e configura risco ao resultado do processo judicial, alerta MPF O Ministério Público Federal (MPF) pediu à Justiça Federal a suspensão imediata da licença para obras de explosão de rochas – o chamado derrocamento – no Rio Tocantins, na área conhecida como Pedral do Lourenção, com 35 km de extensão. Segundo o MPF, a emissão da licença representa o risco de agravamento e consolidação de uma série de ilegalidades e falhas no processo de licenciamento ambiental da hidrovia Araguaia-Tocantins. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) emitiu a licença em maio deste ano, mesmo sem terem sido atendidas pendências judiciais e administrativas relativas à viabilidade ambiental da obra e sem terem sido realizadas Consultas Prévias, Livres e Informadas (CPLIs) aos povos e comunidades tradicionais impactados. A Licença de Instalação (LI) reconhece que ainda há medidas não atendidas ou apenas parcialmente atendidas pelo empreendedor da obra, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). “A emissão da licença condicionada a atendimento futuro de recomendações técnicas é insuficiente para garantir a prevenção de danos”, alerta o MPF, que também reforçou pedido para que a Justiça anule – ou, pelo menos, suspenda – a licença anterior, a chamada Licença Prévia (LP), que fundamenta todo o projeto. Ausência de CPLIs – Uma das principais ilegalidades apontadas pelo MPF é a ausência de CPLIs às comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas e de pescadores artesanais que serão diretamente afetadas pelas obras. Segundo o procurador da República Rafael Martins da Silva, o direito à CPLI, previsto na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, foi ignorado. “A omissão do Estado em realizar a consulta prévia significa submeter as comunidades a um projeto que impactará de forma permanente suas vidas e seu território sem que lhes seja dado o poder de participar da decisão sobre seu próprio futuro”, afirma o membro do MPF no pedido à Justiça. Além disso, a petição ressalta que essa ilegalidade espelha violações pelas quais o Brasil já foi condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). São casos em que comunidades tradicionais com forte vínculo com o território e forma de vida específica são afetadas por um projeto estatal, com falhas no licenciamento e impactos diretos na subsistência e na cultura, e a ação estatal perpetua uma situação de vulnerabilidade. ‘Esse rio é nosso’ – O MPF contesta a alegação de que não existem comunidades tradicionais no trecho do Pedral do Lourenção, apontando que documentos do próprio empreendedor, o Dnit, reconhecem a existência de pelo menos dez comunidades ribeirinhas na área de impacto direto e citam a Vila Santa Terezinha do Tauiri como local de apoio às obras. “A hidrovia é um projeto de morte, pois isso vai destruir a vida do nosso rio, afetando a nossa cultura, a nossa identidade. Parem com esse projeto de morte, porque isso não vai nos beneficiar de nenhuma forma. Esse rio é nosso, não é de vocês”, reivindicou a criança quilombola Yasmin Souza, durante audiência pública sobre o tema realizada pelo MPF em 2023. O manifesto da criança foi destacado no pedido feito pelo MPF no último dia 18. Impactos ignorados – Além da falta de CPLI, o MPF aponta que a LI foi concedida sem o cumprimento de obrigações que haviam sido impostas na fase da LP. De acordo com o pedido do MPF, estudos fundamentais sobre os impactos na fauna aquática e na atividade pesqueira, cruciais para a subsistência de povos e comunidades tradicionais, foram classificados como não atendidos ou parcialmente atendidos. A manifestação destaca que a remoção do pedral afetará habitats de espécies ameaçadas, como o boto-do-Araguaia e a tartaruga-da-Amazônia, além de peixes considerados criticamente em perigo. Para o MPF, emitir uma licença de instalação nessas condições subverte a lógica do processo de licenciamento, transformando uma etapa de autorização para obras em uma permissão condicionada à apresentação futura de dados que deveriam ter sido analisados previamente. O MPF alerta que a situação é semelhante ao ocorrido no licenciamento da usina hidrelétrica de Belo Monte: a falta de dados adequados sobre a pesca antes do empreendimento e a reparação tardia levaram a uma “multiplicação de pedidos de indenização, enquanto pescadores seguem sem reparação. O caso, hoje, abarrota o Judiciário de ações indenizatórias”. O MPF também acusa o Dnit de usar uma dualidade conceitual: ora apresenta o projeto como uma mega-hidrovia, ora o descreve como “pequenas intervenções”, uma estratégia para minimizar as compensações referentes à interação e consequente potencialização dos múltiplos impactos. Processo nº 1035924-87.2024.4.01.3900 Veja aqui a íntegra do pedido do MPF Acesse aqui para fazer a consulta processual
Devastação legislativa: desmonte das regras do licenciamento ameaça florestas, povos e o futuro do país

Os que sabem das consequências e se omitem têm a mesma responsabilidade dos que, por ganância ou ignorância estão forçando uma decisão catastrófica para o país Por Sérgio Guimarães | Artigo publicado em Um Só Planeta. “Na área ambiental, os ganhos são provisórios, e as perdas são definitivas” — José Lutzenberger As agressões sofridas pela Ministra do Meio Ambiente Marina Silva no Senado Federal no final de maio, escancaram mais uma vez para a sociedade brasileira, não só o baixo nível de civilidade de parte de senadores, mas também e principalmente dos argumentos que têm embasado suas decisões. Além da inaceitável ofensa pessoal à Ministra, trata-se de um ataque à política socioambiental brasileira que Marina representa e defende há décadas, com reconhecimento nacional e internacional. Os ataques são apenas uma face de um problema mais profundo: a ofensiva legislativa em curso contra a proteção ambiental no país. Recentemente aprovado no Senado, o Projeto de Lei 2.159/2021, apelidado de “PL da devastação”, propõe o desmonte das regras do licenciamento ambiental no país; o que na prática autoriza a ampliação da devastação ambiental do Brasil com suas graves consequências sociais e econômicas. Representa um retrocesso sem precedentes na legislação ambiental do país e, como afirmou Marina, “quando o Congresso legisla contra a proteção ao meio ambiente, quem mais perde é a sociedade”. O licenciamento ambiental é um instrumento essencial de proteção social e ambiental. Ele garante que empreendimentos potencialmente danosos sejam avaliados antes de sua implantação, estabelecendo medidas mitigadoras e compensatórias. Enfraquecer esse processo é colocar em risco a população, especialmente os mais vulneráveis – os quais o governo diz ter o compromisso de proteger. Um dos dispositivos mais perigosos do PL aprovado é a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que permite a autorização de empreendimentos apenas mediante uma autodeclaração, sem necessidade de anuência de órgãos estaduais ou do IBAMA – o que significa que eles não mais precisarão realizar estudos de impacto ambiental, nem tampouco definir medidas compensatórias, caso a atividade cause danos ambientais. Segundo Suely Araújo, ex-presidente do IBAMA e atual coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, cerca de 90% dos licenciamentos seriam enquadrados nessa nova modalidade, incluindo a maioria das licenças de mineração, como, por exemplo, as das barragens de rejeitos de Brumadinho e Mariana – cujas tragédias e os prejuízos que causaram são bem conhecidas do país, especialmente das populações e das regiões diretamente atingidas; que ainda hoje buscam reparação. Mas ao abrirem a porta para a devastação ambiental, os senadores dizem estar promovendo o progresso – ou o que entendem que seja progresso. Davi Alcolumbre, presidente da casa, classificou a aprovação do PL como “uma das maiores conquistas para o Brasil, uma lei fundamental para o desenvolvimento equilibrado no nosso país”. Outros senadores foram pelo mesmo caminho. Na verdade, são discursos que mascaram os verdadeiros riscos envolvidos, pois desconsideram os enormes prejuízos ambientais, sociais e econômicos provocados pela degradação ambiental – hoje amplificados pela crise climática em curso que intensifica inundações, incêndios, secas severas e perdas de biodiversidade. Suas graves consequências para as populações locais e o país são apenas alguns dos sinais de alerta. Para que se tenha uma dimensão dos gigantescos prejuízos que podem ser causados pela devastação do PL aprovado no Senado, basta olhar para o projeto de asfaltamento do “trecho do meio” da BR-319, entre Manaus (AM) e Porto Velho (RO). Estudos da Iniciativa de Política Climática (CPI) da (PUC-RJ), indicam que o projeto pode causar impactos em cerca de 300 mil km² – uma área maior que todo o estado de São Paulo, que tem cerca de 248 mil km². Sua área de influência abriga nada menos que 49 Terras Indígenas, 49 Unidades de Conservação e 140 mil km² de florestas públicas não destinadas. Um cenário altamente propício para atuação de grileiros e desmatadores e outros criminosos que, diante da ausência do estado e da total falta de governança territorial, teriam acesso facilitado à essa região por meio da BR-319 asfaltada. Isso em uma região altamente preservada no coração da Amazônia. Ou seja, uma catástrofe anunciada, com um potencial de prejuízos, literalmente incalculável. Esse é apenas um exemplo entre tantos. Projetos como a Ferrovia Ferrogrão as concessões de hidrovias nos rios Madeira e Tocantins e as Rotas de Integração Sul-americanas, entre outros, que também possuem alto potencial de impacto. Facilitar a implantação desse tipo de projeto, sem uma avaliação criteriosa de seus impactos, é incentivar o aumento da devastação, é repetir erros do passado; onde a implantação de megaprojetos na região levou ao aumento de pobreza, de violência e de doenças, que, muitas vezes, empurraram comunidades inteiras — antes autônomas e integradas à floresta — para situações de vulnerabilidade nas periferias urbanas. Diante das dimensões da devastação “contratada” pelo PL aprovado no Senado, diversos setores da sociedade têm reagido de forma contundente. Entidades técnicas, científicas e ambientalistas produziram notas técnicas e manifestos. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e outras entidades científicas, ex-ministros do Meio Ambiente, além de centenas de organizações, estão criticando o projeto por reduzir mecanismos de proteção ambiental, aumentar riscos jurídicos e enfraquecer a participação popular na tomada de decisão sobre grandes empreendimentos. As reações ultrapassaram fronteiras: especialistas da ONU também se manifestaram, expressando suas preocupações ao Governo Brasileiro e alertando para violações de direitos humanos e danos irreversíveis ao meio ambiente. Comunidades indígenas, quilombolas e populações rurais estão entre os mais ameaçados. O Brasil está diante de uma encruzilhada histórica. De um lado as fortes pressões de setores econômicos e de seus representantes travestidos de políticos no parlamento. Do outro está a responsabilidade com o futuro de parte da sociedade que alerta para uma conta – literalmente incalculável – que será paga por toda a sociedade, principalmente pelas populações vulneráveis, caso o projeto de lei não seja revertido. Há momentos na história em que o tempo se estreita e a vida pede respostas claras e imediatas. A atual crise climática é um desses momentos, onde cada decisão conta e cada erro custa caro
Primeira temporada do podcast “Diálogos para o Desenvolvimento e a Infraestrutura que Queremos” discute impactos e alternativas para grandes obras no Brasil

Temporada traz 10 episódios sobre planejamento de infraestrutura de transportes, impactos na Amazônia e caminhos para maior participação social nos projetos. Ouça todos os episódios clicando aqui no Youtube ou no Spotify. Já está disponível na íntegra a primeira temporada do podcast Diálogos para o Desenvolvimento e a Infraestrutura que Queremos, que propõe uma reflexão crítica sobre como o Brasil planeja, decide e executa grandes obras de infraestrutura de transportes de cargas, especialmente em regiões sensíveis como a Amazônia. Com 10 episódios publicados semanalmente, a série aborda temas como planejamento estratégico, impactos socioambientais, transparência pública, direitos territoriais e participação social, reunindo especialistas, lideranças comunitárias e representantes de organizações da sociedade civil. “O transporte é uma bússola para o desenvolvimento. Precisamos pensar no planejamento de transporte levando em conta a realidade local. Qual a infraestrutura necessária para a Amazônia, em especial? Que tipo de atividades queremos incentivar na região? O que a população precisa? Ouvindo as pessoas da região, estudiosos e agentes políticos procuramos criar pontes para o aperfeiçoamento da política pública abrindo caminhos para a inclusão e a justiça socioambiental”, aponta Claudio de Oliveira, jornalista e integrante da Secretaria Executiva do GT Infraestrutura. Entre os destaques da temporada estão episódios sobre o Plano Nacional de Logística 2050, os mecanismos de Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI), a análise de obras com graves falhas de planejamento como a Ferrogrão e Belo Monte, além de experiências positivas como os protocolos de consulta na BR-242. Também foram debatidos os desafios da bioeconomia, da infraestrutura climática e da incidência jurídica em projetos que afetam territórios indígenas e comunidades tradicionais. A série integra o projeto do GT Infraestrutura, voltado a implementar boas práticas de planejamento em obras públicas, com base em critérios socioambientais que respeitem a biodiversidade e as culturas locais. “Falar de boas práticas para o setor de infraestrutura e logística na Amazônia, em especial no Tapajós, é dar voz aos Amazônidas, pensando numa lógica distinta do que o Norte Global quer e até mesmo do sul e sudeste brasileiro necessita. Não queremos ser apenas uma rota para escoamento ou um território para o plantio de commodities, ou extração mineral, queremos infraestrutura para o Bem Viver.”, avalia Johnson Portela, militante do Movimento Tapajós Vivo e integrante do GT – Infra. Os episódios estão disponíveis gratuitamente no Spotify (clique aqui para ouvir todos os episódios) e no Youtube (clique aqui para ouvir todos os episódios) Ep 1 – O planejamento de infraestrutura de transportes de cargas no Brasil (clique aqui para ouvir no Spotify ou aqui para acessar no Youtube). A transparência e a participação social são essenciais no planejamento da infraestrutura de transportes, mas como esses processos acontecem no Brasil? Neste episódio, discutimos como as decisões são tomadas e os impactos da falta de um planejamento com critérios claros, participação e análise de alternativas. O jornalista Cláudio de Oliveira conversa com André Luís Ferreira, diretor-executivo do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), sobre os reflexos dessa estrutura pouco democrática e os desafios para mudar esse cenário. Ep 2 – As boas práticas no planejamento (clique aqui para ouvir no Spotify ou aqui para acessar no Youtube) Depois de entender os desafios da infraestrutura de transportes de cargas no Brasil, chegou a hora de falar sobre boas práticas de planejamento. Quais são as etapas essenciais para garantir que os investimentos atendam às reais necessidades do país? Como evitar projetos com consequências danosas às comunidades e ao meio ambiente? Neste episódio, o jornalista Cláudio de Oliveira recebe André Luís Ferreira, diretor-executivo do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), para falar sobre um passo a passo de práticas no planejamento de infraestrutura: desde a identificação de problemas até a criação de um portfólio de projetos. Ep 3 – A importância da transparência e da participação social (clique aqui para ouvir no Spotify ou aqui para acessar no Youtube) A transparência no planejamento e execução de obras de infraestrutura de transportes de cargas no Brasil ainda é um grande desafio. A falta de participação social e de prestação de contas abre espaço para desperdício de recursos, impactos ambientais graves e a aprovação de projetos que beneficiam poucos, em vez da população como um todo. Neste episódio, o jornalista Cláudio Oliveira conversa com Amanda Faria Lima e Olivia Ainbinder, da Transparência Internacional Brasil, sobre como a transparência (ou a falta dela) afeta diretamente as políticas públicas, os investimentos e a governança das grandes obras. Como podemos fortalecer os mecanismos de transparência e garantir uma infraestrutura mais eficiente e justa? Ep 4 – O impacto de obras mal planejadas (clique aqui para ouvir no Spotify ou aqui para acessar no Youtube) Muitos projetos de infraestrutura no Brasil são aprovados e executados sem planejamento adequado, transparência e participação social. O resultado? Obras que não entregam o que prometem, geram impactos socioambientais irreversíveis e atendem mais aos interesses de grupos de poder do que ao desenvolvimento do país. Neste episódio, o jornalista Cláudio Oliveira conversa com Brent Millikan, membro da Secretaria Executiva do GT Infra, para analisar como esses projetos são escolhidos, os lobbies envolvidos e os impactos negativos que causam. Casos como Belo Monte, Ferrogrão e Hidrovia Araguaia-Tocantins são discutidos como exemplos concretos dos desafios enfrentados. Ep 5 – Caminhos possíveis: o planejamento com participação (clique aqui para ouvir no Spotify ou aqui para acessar no Youtube) No episódio anterior, falamos sobre os impactos negativos que a falta de planejamento causa no meio ambiente, nas comunidades locais, nos recursos públicos e no desenvolvimento do país. Mas será que existe um caminho diferente? Neste episódio, o jornalista Cláudio Oliveira conversa com Adriana Ramos, especialista em políticas ambientais e secretária executiva do Instituto Socioambiental (ISA), para analisar exemplos de projetos que buscaram maior participação social, como o protocolo de consulta da BR-242. Além disso, há a participação de Ewésh Yawalapiti Waurá, diretor-executivo da Associação Terra Indígena Xingu, que fala sobre a experiência no protocolo de consulta da BR-242 e como os povos indígenas estão se organizando para garantir seus direitos. Ep
Roda de conversa no IV Fórum Internacional sobre a Amazônia promove debate sobre infraestrutura e justiça socioambiental na região

Encontro reuniu especialistas, organizações da sociedade civil e representantes do poder público para debater os impactos e alternativas às grandes obras na Amazônia. Na última quinta quinta-feira (12), foi realizada a roda de conversa “Infraestrutura, Governança e Justiça Socioambiental na Amazônia: Oportunidades, Ameaças e Desafios”, no Anfiteatro 09 do ICC Sul (Minhocão), no campus da Universidade de Brasília (UnB). A atividade integrou a programação do IV Fórum Internacional sobre a Amazônia (FIA) e foi coorganizada pelo Grupo de Trabalho Infraestrutura e Justiça Socioambiental (GT Infra), Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), Fórum Social Panamazônico (FOSPA) e Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental (FMCJS). O debate foi foi transmitido ao vivo. Veja abaixo: A atividade teve como objetivo qualificar o debate público sobre os desafios e experiências que apontam caminhos para um novo paradigma de infraestrutura sustentável, inclusiva e resiliente na Amazônia. Entre elas, iniciativas como o 6º Plano de Ação da Parceria para Governo Aberto (PGA) e o processo de elaboração do Plano Nacional de Logística (PNL 2050). O evento também abordou os riscos socioambientais decorrentes da manutenção de um modelo baseado em grandes obras de alto impacto, como a Ferrogrão (EF-170), a derrocagem do Pedral do Lourenção, obras de dragagem no rio Tocantins e a possível exploração de petróleo e gás na Foz do Amazonas. No campo legislativo, propostas como o Projeto de Lei nº 2.159/2021, conhecido como “PL da Devastação”, também foram apontados como ameaças adicionais à integridade socioambiental da região. Realizado de forma híbrida, o evento teve participação à distância, com a exibição de depoimentos. Por razão técnica, a gravação do relato da ativista Kamila Sampaio, do Movimento Tapajós Vivo (MTV), não foi exibido durante o evento. O video está disponível mais abaixo. Inserido na programação do IV Fórum Internacional sobre a Amazônia (FIA), o encontro integrou um esforço coletivo para reunir diferentes perspectivas sobre a realidade amazônica. O FIA visa ampliar o conhecimento científico e valorizar os saberes populares, promovendo o diálogo entre academia, movimentos sociais, poder público e organizações da sociedade civil de diversos estados e países da Pan-Amazônia.
Pedral do Lourenção: audiência de conciliação define inspeção judicial e escuta às comunidades no rio Tocantins

Justiça Federal no Pará reuniu órgãos públicos e partes do processo para discutir os impactos do derrocamento no rio Tocantins. Inspeção técnica no local será realizada como primeiro passo. Foi realizada, nesta terça-feira (10), na sede da Justiça Federal em Belém (PA), uma audiência de conciliação referente à Ação Civil Pública de autoria do Ministério Público Federal (MPF/PA) que contesta o licenciamento das obras de derrocamento do Pedral do Lourenção, em uma extensão de 35 km no rio Tocantins. Entre os principais argumentos do MPF estão a ausência de consulta prévia, livre e informada às populações indígenas, quilombolas e pescadores artesanais potencialmente afetadas, como previsto na Convenção 169 da OIT, falhas no licenciamento da fase de licença prévia, concedida em outubro de 2022, durante o governo Bolsonaro, e fragilidades nos estudos sobre impactos socioambientais, especialmente em relação à pesca artesanal na região. A audiência foi conduzida pela juíza Hind Ghassan Kayath, do sistema de conciliação da Seção Judiciária do Pará (TRF1), com a presença do juiz André Luís Cavalcanti Silva, titular da 9ª Vara Federal Ambiental, onde tramita o caso. Estiveram presentes representantes do Ministério Público Federal (MPF), DNIT, Ibama, Incra e Funai. Estavam habilitados na audiência o Instituto Zé Cláudio e Maria (IZM) e representantes de algumas associações locais de pescadores. Como encaminhamento, ficou acordada a realização de uma inspeção judicial técnica na região do Pedral do Lourenção, em data ainda a ser definida. Segundo o juiz André Luís, a visita técnica “permitirá um acesso mais direto à realidade e aos impactos concretos”. A juíza Hind Ghassan Kayath destacou que o encontro resultou em um “primeiro ponto de convergência”, com o objetivo de “olhar a realidade local e ouvir também a comunidade”. A audiência foi sigilosa e restrita às partes formais da ação civil pública movida pelo MPF. Comunidades de pescadores e representantes da sociedade civil, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a organização Terra de Direitos (TDD) estiveram na sede da Justiça Federal, mas não puderam acompanhar os debates por não integrarem formalmente o processo. A ação civil pública (processo nº 1035924-87.2024.4.01.3900) movida pelo MPF desde agosto de 2024 pede a anulação de licença prévia concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), apontando uma série de ilegalidades no processo. Em nota pública divulgada no último dia 26, o MPF reafirmou que a Licença de Instalação concedida neste dia pelo Ibama para o derrocamento do Pedral do Lourenção e dragagem no rio Tocantins, num trecho de 35 km, é ilegal e desrespeita decisão judicial anterior. Segundo o órgão, a autorização ignora condicionantes da fase prévia do licenciamento e não assegura os direitos das populações que dependem do rio. “Temos uma preocupação muito grande com a pesca, porque não foi demonstrado que as comunidades ribeirinhas poderão manter essa atividade durante e após a instalação do empreendimento”, afirmou procurador federal Rafael Martins da Silva, um dos autores da ação civil pública, após a audiência de conciliação. Ele também destacou que pareceres técnicos internos do Ibama foram ignorados ou modificados, o que, na avaliação do MPF, compromete a legalidade de todo o processo de licenciamento. Segundo o MAB, a concessão da licença representa uma ameaça concreta à subsistência de famílias que vivem do rio Tocantins. O MAB alerta para possíveis danos irreversíveis, como a redução de espécies de peixes, contaminação da água e desequilíbrios nos ecossistemas locais — impactos que, segundo a organização, não foram devidamente considerados nos estudos apresentados. Também critica a ausência de medidas efetivas de reparação, lembrando que muitas comunidades da região ainda convivem com os efeitos da construção da hidrelétrica de Tucuruí, durante a ditadura militar. O derrocamento do Pedral do Lourenção faz parte de um projeto muito maior de implantação da Hidrovia Araguaia-Tocantins, ao longo de 1.731km entre Belém (PA) e Peixe (TO) que prevê o escoamento de grãos e minérios por meio de transporte fluvial, ligando regiões produtoras do Centro-Oeste aos portos do Norte. O projeto é considerado estratégico pelo governo federal e está incluído na carteira de investimentos do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), com previsão de ser incluído num programa de concessões de hidrovias ao setor privado. Entretanto, ainda não existem estudos sobre a viabilidade econômica e socioambiental do projeto amplo da hidrovia do Tocantins. A realização da inspeção técnica foi o único encaminhamento consensual da audiência e representa um passo necessário diante das lacunas apontadas no processo de licenciamento. A expectativa é que a visita ao local permita uma avaliação mais precisa dos impactos socioambientais da obra e das condições reais da região, contribuindo para decisões que considerem os direitos das populações atingidas — inclusive a possibilidade de que o empreendimento não avance, diante dos riscos e questionamentos apresentados. “Hoje nós tivemos uma super conquista não só para nós da sociedade civil, filhos e filhas desse rio, do rio Tocantins, dessa região, mas como como pessoas que se importam com o meio ambiente, que lutam pelo meio ambiente, junto com comunidades que serão afetadas diretamente por esse mega empreendimento”, disse Claudelice Santos, coordenadora do Instituto Zé Cláudio e Maria. “Consideramos um avanço, porque durante todo esse tempo, de processo sobre a situação da hidrovia, ser ouvido era um desejo das comunidades – e ainda não tinha acontecido”, frisou também Claudelice. “A gente ainda tá de pé respirando, o rio ainda tá fluindo e é possível. É possível a gente conseguir justiça. Justiça pro Rio Tocantins, justiça pro povo pros povos e comunidades que vivem ao longo desse rio.”
Sociobiodiversidade: Grupo focal discute logística de produtos e mobilidade de pessoas no Plano Nacional de Logística 2050

Representantes da sociedade civil e do governo debateram sobre as necessidades logísticas das cadeias produtivas da sociobiodiversidade. Encontro contribuiu para a fase de diagnóstico do PNL 2050, trazendo informações fundamentais para o planejamento de infraestrutura. Na quarta-feira (4), um encontro realizado na Controladoria-Geral da União (CGU), em Brasília, discutiu temas essenciais para a construção do Plano Nacional de Logística (PNL 2050), com foco na logística das cadeias produtivas da sociobiodiversidade e na mobilidade e abastecimento de povos e comunidades tradicionais. A reunião, convocada pelo Ministério dos Transportes (MT) e organizações da sociedade civil, teve como objetivo aprimorar o diagnóstico atual do sistema de transportes do Brasil e evidenciar as realidades locais que impactam diretamente as comunidades mais isoladas, colaborando para o desenvolvimento do PNL 2050. Durante o encontro, os participantes apresentaram os desafios enfrentados por comunidades tradicionais na Amazônia, no Cerrado e na Mata Atlântica, e como o Estado pode contribuir para a inclusão dessas populações no planejamento de infraestrutura de transportes, essencial para a logística dos produtos da cadeia da sociobiodiversidade, como açaí, castanha de baru, castanha-da-Amazônia, e a pesca do pirarucu, bem como para superar desafios no acesso ao transporte e mobilidade, direito social garantido na Constituição Federal. O evento, que contou com três mesas de debate e uma oficina temática, foi organizado com a colaboração do Ministério dos Transportes (MT), do Instituto Socioambiental (ISA), Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), Grupo de Trabalho Infraestrutura e Justiça Socioambiental (GT Infra), Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas (Ibraop) e da Transparência Internacional Brasil (TI Brasil), que uniram esforços para promover o debate sobre a logística e infraestrutura para as comunidades tradicionais e a sociobiodiversidade no Brasil. As duas primeiras mesas abordaram as cadeias produtivas da sociobiodiversidade, com a participação de representantes do Observatório Castanha-da-Amazônia (OCA), Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (Ósociobio), Instituto Mamirauá (IDSM), Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), Coletivo Pirarucu, Diálogos Pró-Açaí, Memorial Chico Mendes, Cooperativa Regional de Base na Agricultura Familiar e Extrativismo Ltda (Coopabase), Cooperativa dos Pescadores Artesanais (COOPERPESCA) e Rede Agroecológica de Mulheres Agricultoras (RAMA/CONAQ, Cooperativa Mista da Floresta Nacional do Tapajós (COOMFLONA) e União Nacional das Cooperativas de Agricultura Familiar e Economia Solidária Unicafes). Foram apresentados dados sobre as cadeias da sociobiodiversidade. Vinícius Oliveira da Silva, especialista do IEMA, destacou que 63% dos produtos da sociobiodiversidade são comercializados, enquanto 37% são de autoconsumo. Ana Claudia Torres, do Instituto Mamirauá, enfatizou a importância da logística para fortalecer iniciativas que gerem renda e protejam os territórios. Já Juliana Maroccolo, do Observatório da Castanha-da-Amazônia (OCA), trouxe o dado de que 90% da castanha brasileira vem do extrativismo, atividade que está presente em quase 30% da Amazônia, destacando a relevância dessa atividade para a economia local, e de como a cadeia da castanha necessita de uma combinação de instrumentos regulatórios e políticas públicas adequadas às suas especificidades. Na terceira mesa, representantes dos ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Desenvolvimento Social (MDS), Desenvolvimento Agrário (MDA), Companhia Nacional do Abastecimento (Conab) e Ministério do Desenvolvimento e Indústria (MDIC) apresentaram um panorama geral de políticas públicas no âmbito da sociobiodiversidade que estão sendo tocadas pelo governo federal, fora da questão específica de transportes, mas que dependem da logística para plena execução. No fim do encontro, os participantes se dividiram em grupos para uma oficina temática, na qual discutiram as necessidades de transporte tanto para as cadeias produtivas quanto para a mobilidade de povos e comunidades tradicionais. Foi ressaltado que, apesar de sua relevância para a alimentação e geração de renda, a produção da sociobiodiversidade e a mobilidade das pessoas envolvidas nessas cadeias continuam a ser invisíveis. Essa invisibilidade frequentemente resulta em sua exclusão dos processos de planejamento e infraestrutura, limitando o potencial de desenvolvimento dessas áreas. “Essas precariedades de transporte impactam diretamente na produção e automaticamente no faturamento dessas comunidades, porque elas poderiam estar utilizando mais do recurso, dinamizando a geração de renda e diversificando a produção. Mas elas ficam limitadas a uma quantidade produtiva por conta das condições de acesso aos lagos e o escoamento da produção. O encarecimento dos insumos também tem contribuído para isso, e isso impacta diretamente na renda”, destacou Ana Claudia Torres, do Instituto Mamirauá. Gabriela Avelino, subsecretária de Fomento e Planejamento no Ministério dos Transportes, destacou a importância do debate para o aprimoramento do PNL 2050. Ela comentou que a reunião permitiu identificar dados e especificidades até então desconhecidos pelo MT, fundamentais para melhorar as estratégias de logística do PNL 2050 e garantir que as necessidades das comunidades tradicionais e outros setores da sociedade sejam atendidas de forma integrada. “Sai claro deste encontro como a infraestrutura de transportes é viabilizadora de várias outras políticas públicas. Ou seja, ela é uma política pública em si mesma, mas é uma política pública meio, acima de tudo, e várias iniciativas voltadas para a sociobiodiversidade dependem do que o Ministério dos Transportes e do que o PNL 2050 pode oferecer”, disse Avelino. “Os dados trazidos serão coletados e considerados para ajustar nossas bases de análise e permitir que o PNL veja certas coisas que historicamente ele não via, por falta desse diálogo”, completou. LEIA MAIS: Sociedade pode influenciar o planejamento da infraestrutura de transportes do Brasil até 2050 O PNL 2050, com com previsão de entrega até dezembro deste ano, está inserido no contexto do Planejamento Integrado de Transportes (PIT), regulamentado pelo Decreto 12.022/24, que estabelece um sistema de planejamento encadeado para orientar as decisões sobre o futuro da infraestrutura viária brasileira, visando aprimorar a governança e o planejamento de longo prazo. A fase de diagnóstico, que vai até 13 de julho, busca identificar as principais deficiências no sistema de transportes do país. Para organizações ou pessoas que tiverem interesse em colaborar, o Ministério dos Transportes, em parceria com a Fundação Dom Cabral, está com uma pesquisa qualitativa on-line aberta como parte do processo de construção do diagnóstico do PNL 2050. A participação busca identificar, com base na experiência direta dos usuários, os principais gargalos, deficiências e entraves enfrentados no transporte
Projeto abre caminho para devastação sem limite

Por Renata Utsunomiya | Artigo publicado em O Globo. Retirar a exigência de licenciamento é abdicar de qualquer compromisso com o futuro da Amazônia e do país O Brasil será sede da Conferência do Clima (COP30), que acontece pela primeira vez na Amazônia, bioma que sofre com extremos climáticos, ao mesmo tempo que a redução do desmatamento é estratégica para as metas assumidas pelo país. É nesse contexto que avança o Projeto de Lei 2159/2021, com legisladores alegando que “agilizará” o licenciamento ambiental. O texto, porém, mostra que o real interesse não é melhorar, mas sim esvaziar sua função essencial: verificar a viabilidade ambiental dos empreendimentos e garantir a execução de obras e atividades com menor potencial de destruição sobre o meio ambiente e as populações locais. A proposta de autolicenciamento, com a Licença de Adesão e Compromisso (LAC), é exemplo da expressão popular “a raposa cuidando do galinheiro”. A experiência da autodeclaração do Cadastro Ambiental Rural, existente desde 2012, é um alerta: a fragilidade do processo acabou facilitando a grilagem e o desmatamento na Amazônia. Aplicar a LAC para obras com “médio potencial de impacto” pode multiplicar obras com potencial de desastres, como Mariana e Brumadinho, que não estarão sujeitas a nenhum tipo de avaliação por órgão ambiental. As propostas da licença de operação com renovação automática, das licenças com menos etapas e do autolicenciamento para aumentar a capacidade de estradas abrem brechas à destruição ambiental. LEIA MAIS: “Projeto de Lei da Devastação” fragiliza licenciamento de infraestrutura e aumenta riscos socioambientais A BR-319 no Amazonas é um exemplo. Seu asfaltamento abriria espaço ao avanço do desmatamento, levando a um ponto de não retorno e colapso climático. O licenciamento tem sido importante para conter o avanço do desmatamento na Amazônia, associado à pecuária extensiva e à agricultura mecanizada. Retirar a exigência de licenciamento para essas atividades, como propõe o PL, é abdicar de qualquer compromisso com o futuro da Amazônia e do país. O discurso dos relatores é padronizar o processo, mas o PL, na prática, quer deixar livre ao órgão licenciador (federal, estadual ou municipal) decidir a lista de projetos que precisam de licença ambiental, o que criaria descompassos nas normas entre regiões. O texto mostra uma tentativa de ignorar as características locais onde o projeto é planejado, como se uma nova estrada tivesse as mesmas consequências se fosse construída em São Paulo ou no Amazonas. O contexto local é essencial para pensar melhores alternativas de traçados e localização de obras. Ao reduzir a distância do alcance dos impactos e conferir a responsabilização apenas pelos impactos “diretos” relacionados ao empreendimento — como se isso fosse algo simples de definir em territórios amazônicos —, o texto desconsidera especificidades e impactos cumulativos de diversas ameaças, como desmatamento, mineração ou grilagem. Ainda mais perverso é considerar apenas como afetadas terras indígenas e quilombolas com demarcação finalizada. Quantos territórios originários e tradicionais serão ignorados? Quantos povos serão violados em seu direito a consulta? Propostas reais para melhorar o licenciamento ambiental seriam a contratação de técnicos e a qualificação dos órgãos ambientais. Boa prática seria realizar análises de impactos também nas políticas públicas e nos planejamentos regionais, com mais transparência e participação social. A trágica ironia é que, com o discurso de “destravar”, o PL facilita o avanço do desmatamento e de grandes projetos de infraestrutura na Amazônia cujo efeito, por fim, afeta o equilíbrio climático e os rios voadores. São eles que abastecem as chuvas da principal região do agronegócio brasileiro. No fim, trata-se de um tiro no pé da bancada ruralista que impulsiona o PL: ao desproteger a floresta, mina-se a base natural que garante a produtividade agrícola e o futuro do país. *Renata Utsunomiya, analista de políticas públicas de transporte na Amazônia no Grupo de Trabalho Infraestrutura e Justiça Socioambiental (GT Infra), é doutora em ciência ambiental e bacharel em engenharia ambiental pela Universidade de São Paulo
Carta aberta às representações diplomáticas dos países membros da comunidade europeia sobre o PL da Devastação

Organizações da sociedade civil, especialistas e representantes da comunidade científica brasileira e internacional divulgaram uma carta aberta à Presidência do Conselho Europeu para expressar preocupação com o Projeto de Lei 2159/2021, atualmente em tramitação no Congresso Nacional. O documento alerta para os graves riscos socioambientais e climáticos associados à proposta, que flexibiliza regras do licenciamento ambiental e pode acelerar a degradação da Amazônia, ameaçar a segurança hídrica e alimentar no continente sul-americano e violar compromissos internacionais firmados pelo Brasil. O Grupo de Trabalho Infraestrutura e Justiça Socioambiental (GT Infra) é uma das organizações signatárias da carta, reafirmando seu compromisso com modelos de desenvolvimento que respeitem os direitos dos povos e territórios, e que estejam alinhados à justiça socioambiental, à transparência e à participação social. Para o GT Infra, o PL 2159/2021 representa um retrocesso histórico na política ambiental brasileira e abre espaço para impactos irreversíveis nos ecossistemas e na governança climática global. Veja aqui nota té 📄 Acesse a carta na íntegra: https://www.idsbrasil.org/noticias/carta-aberta-as-representacoes-diplomaticas-dos-paises-membros-da-comunidade-europeia/ 📑 Leia também a nota técnica do GT Infra sobre o PL 2159/21.