Ciclo WebGTInfra - Capítulo 3

Saúde, saneamento e políticas sociais

A importância da infraestrutura para a garantia do direito básico

A saúde é um direito de todos e, como a própria Constituição diz, ela deve ser assegurada pelo Estado. Na discussão sobre o desenvolvimento regional, esse é um tópico a ser levado em consideração, principalmente quando se trata de zonas afastadas, que exigem mais infraestrutura. No Amazonas, por exemplo, há um grande abismo infraestrutural. As causas e soluções para esse problema foram o foco do debate online “Sem social não tem ambiental: Saúde, Saneamento e as Políticas Sociais para o Desenvolvimento Regional”.

MODERADORA

Cristina Caetano

Cantora e ativista do Tapajós

Convidado

Eugênio Scannavino

Médico e fundador do Projeto Saúde e Alegria (PSA)

Convidado

Marcos Boulos

Professor Sênior da Faculdade de Medicina da Universidade de São paulo (USP)

Ideias-chave

  • A saúde e o saneamento sofrem um impacto direto da (falta de) infraestrutura, ainda mais quando se trata de regiões afastadas das grandes metrópoles, como as ribeirinhas.
  • A pandemia escancarou a importância da saúde e do SUS para a economia e o desenvolvimento do país e a necessidade de se rever o modelo de políticas sociais.
  • Para solucionar a situação precária do sistema de saúde em locais isolados, Scannavino enxerga uma oportunidade: “estamos num momento propício para políticas estruturantes de saúde, tanto para atualizar tecnologicamente o serviço como também de engajamento da sociedade. Precisamos aproveitar o momento para construir uma política de saúde mais permanente.”
A infraestrutura da saúde na pandemia
“Eu sempre disse que o apocalipse contemporâneo seria a pandemia. Nós estamos gerando pandemias”, afirmou Eugênio Scannavino, referindo-se à infraestrutura mundial. Segundo ele, a própria pandemia é consequência da forma como criamos animais e utilizamos agrotóxicos. “Nós estamos brincando de deus e de industrializar a natureza de uma maneira arrogante e prepotente, que a gente chama de desenvolvimento”.

No vídeo a seguir, entenda sobre a experiência do profissional no Projeto Saúde e Alegria:

Finalmente teve que ter uma pandemia para as pessoas descobrirem que saúde é floresta. Sem saúde não tem floresta. O PSA sempre foi acusado por ambientalista de ser da área social, e por social de ser da área ambientalista. A gente não conseguia verba de instituto nenhum. As pessoas entenderam que saúde, preservar os povos da floresta é preservar quem defende os guardiões da floresta. Então esses povos são brasileiros e merecem cidadania e todo o apoio, não só de saúde, como de educação, capacitação, internet, comunicação, ter voz ativa e tecnologia para desenvolver dentro do território deles e da cultura deles de maneira competitiva, digna e cidadã.
O professor Marcos Boulos complementou a fala de Scannavino destacando que as pandemias surgem da natureza. Vírus e bactérias circulam em ecossistemas fechados de forma controlada e equilibrada, no entanto, “o homem sempre invade a casa que não é dele e entra em contato com vírus, que sofrem mutações dentro de cada um de nós, se adaptam e causam doenças”, disse o especialista.
Boulos ainda criticou a falta de isolamento no Brasil: “O lockdown era fundamental para controlarmos a epidemia, o que não aconteceu e prolongou o problema”. O professor, que trabalha na Amazônia desde a década de 1970, reforçou a importância do Sistema Único de Saúde nesse contexto:
Nós temos um problema enorme e também foi escancarado as eficiências do nosso SUS. O SUS mostrou a importância, porque sem ele não enfrentaríamos a pandemia aqui no Brasil. Ele mostrou as eficiências porque teve que haver esforço enorme para atualizar o que tinham de serviços públicos que estavam deteriorando, com falta de recursos e material. Às vezes, nós infectologistas gostamos de epidemia, não para dar mais problema, mas porque os governos, obrigatoriamente, tem que atualizar o parque tecnológico para salvar vidas. Isso tem acontecido de maneira gritante agora.
De acordo com o professor, a pandemia foi controlada de forma mais adequada em lugares com uma política pública centralizada, como China e Singapura. “A saúde sempre esteve no centro do desenvolvimento regional. Essa epidemia mostrou claramente que se você não investe em saúde, você acaba com tudo. Se você não tem indivíduos saudáveis para trabalhar, você vai ter uma economia doente.”
Caminhos para a solução
Eugênio Scannavino lembrou que existem outras alternativas de produção, como a agrofloresta, que respeita a natureza em seus processos. Para ele, a pandemia foi um alerta para que o modelo de desenvolvimento fosse revisto. A seguir, seu depoimento sobre o trabalho da PSA na Amazônia, evidenciando a falta de infraestrutura:
Eu vou dizer mais ou menos o que o Saúde e Alegria fez. A gente quando iniciou, em dezembro, a gente sabia que ia chegar esse quadro, que iria se interiorizar e que iria bater na Amazônia e nas comunidades. A gente montou então um grande projeto cooperativo, com instituições, comitês de crise, universidades e secretarias de saúde para a saúde ribeirinha. Por quê? Porque as comunidades são as mais frágeis. Lá, além de as pessoas terem menos acesso à informação, elas têm menos acesso a produtos, têm que vir na cidade para fazer compras, têm que pegar barco lotado para ir ao supermercado. Para conseguir o benefício, são obrigados a ir na fila do banco.
A prefeitura fez uma testagem drive-thru muito legal, mas ninguém tinha carro. Então todo mundo que estava com sintoma gripal pegou ônibus para ir lá na prefeitura fazer testagem na porta da secretaria. Então era aquela fila de Covid, desembarcando ônibus e mais ônibus porque ninguém tem carro. Então a gente entrou com uma campanha grande, muitos patrocinadores da área de economia da floresta perceberam a emergência de saúde e nos deram fundos para esse momento de crise.
Então a gente percebe, primeiro, que a saúde é muito importante na Amazônia, emergência crônica. A primeira coisa foi montar uma rede de costureiras em Alter do Chão para fazer máscaras cirúrgicas para as unidades de saúde, porque elas tinham acabado. Fizemos cerca de 7 mil a cada 10 dias. Conseguimos doações de máscaras face-shield e distribuímos para 10 municípios, conseguimos mais de 4 mil máscaras. Foi para bombeiro, polícia da rua, Detran, todos os profissionais, de todos os hospitais.
Conseguimos também a máscara full-face, que é aquela máscara de mergulho, que foram adaptadas por ONG para concentrar oxigênio e fazer pressão positiva na respiração, o que economiza 40% no uso de UTIs. Conseguimos recursos para o colocar o barco Abaré, o barco hospital, para fazer atendimento voltado para Covid, como unidade de sapude. Rodando, fazendo atendimento dos casos não dentro da embarcação, para não contaminar, mas nas escolas, fazendo identificação dos casos e tratamento. Mesmo assim, na última viagem, entrou profissional contaminado, que trouxe da área urbana, contaminou equipe inteira, o barco teve que parar, ficar em isolamento e abortar a viagem. Mas, enfim, isso do campo de vista de apoiar política pública.
Ainda foram distribuídos kits de higiene e proteção para os trabalhadores nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e para a população local. Segundo o fundador do PSA, o trabalho teve como foco o apoio ao serviço público e aos profissionais na linha de frente. Ele acrescentou que a doença chegou a áreas afastadas das grandes cidades e, por isso, é também preciso realizar uma campanha educativa para os povos.