Ciclo WebGTInfra - Capítulo 4

Planejamento para a infraestrutura

O modelo ideal do processo decisório e o que tem sido feito

Obras de infraestrutura de transportes carregam consigo ameaças ao modo de vida local, altamente ligado à natureza. Surge a necessidade de um estudo de diversos fatores por parte do poder estatal e privado antes de se iniciar uma obra, para que não haja embate com as comunidades. No entanto, a realidade é que, em muitos casos, os povos tomam conhecimento da realização de um novo projeto quando ele já se encontra nos estágios finais do processo decisório de sua implantação, ou seja, durante o licenciamento ambiental da obra. Esse dilema foi o tema do webinar “Infraestrutura de logística e transportes: oportunidades de incidência na política e no planejamento durante o processo decisório.”

MODERADORA

Isis Nóbile Diniz

Jornalista do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA)

Convidado

André Luis Ferreira

Diretor-presidente do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA)

Convidado

Bernardo Figueiredo

Consultor, ex-diretor geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e ex-presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL)

Ideias-chave

  • O processo decisório não tem levado em consideração riscos sociais e ambientais, gerando conflitos e embates entre comunidades vulneráveis e os arranjos de poder estatais e privados na Amazônia, por exemplo.
  • Planos governamentais têm falhado ainda em analisar e selecionar projetos de infraestrutura nos âmbitos técnico e econômico.
  • O planejamento deve não apenas considerar as necessidades dos povos indígenas e da natureza, mas também examinar quais pontos críticos podem ser solucionados no projeto para a instalação da infraestrutura.
O que tem sido feito
Ferreira falou sobre a análise feita pelo IEMA de projetos no pipeline do governo orientados para o território da Amazônia Legal e de outros que ainda não chegaram a essa etapa, mas já foram identificados em uma série de documentos privados. “Percebemos que todos os projetos estavam em preparação técnica, o que significa que o projeto já está com o estudo em andamento. Muita água já rolou e há muita possibilidade de gerar um conflito”, afirmou.
O diretor-presidente comentou sobre um mapeamento de processos decisórios na etapa de política e planejamento feito pelo instituto. A pesquisa descobriu que riscos sociais e ambientais não são levados em conta e só surgem na equação quando o projeto já está definido. “O problema do planejamento não é apenas esse. Ele, na verdade, é bem mal feito. Vários projetos apresentariam dificuldades de se viabilizarem técnica e economicamente se passassem por um processo de discussão dentro das melhores práticas do planejamento de transportes.”
Segundo Ferreira, documentos do próprio governo reconhecem que uma das áreas mais deficitárias é a avaliação e seleção de projetos. “Não se sabe de onde vêm esses projetos [de infraestrutura] nem como eles são criados, se não por uma dinâmica e política de planejamento.” O profissional ainda citou sobre os planos de logística existentes, mas que também têm falhas: eles não estão fundamentados em obrigação legal, apresentam baixa conexão com a etapa de planejamento e não necessariamente orientam os projetos que aparecem no Plano Plurianual (PPA) e no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI).
O consultor Bernardo Figueiredo acrescentou que o crescimento de projetos pela iniciativa privada mostra a falta de planejamento e de critérios para o desenvolvimento pelo Estado. “Nem o governo acredita ser capaz de fazer alguma coisa. Por isso joga para a iniciativa privada”, disse.
Segundo o especialista, não há de fato um enunciado que sirva de padrão para os projetos na área. “O Plano Nacional de Logística só tem informações genéricas. Isso tira a perspectiva de ter uma logística boa e serve só para falar que há uma política pública. Não soluciona o problema de ninguém”, pontuou.
O modelo ideal para o processo decisório
De acordo com Figueiredo, o processo decisório se retroalimenta. “É pensar aonde quer chegar, ver o que tem que fazer para isso, preparar, mobilizar recurso, organizar e depois avaliar se aquilo que fez realmente chegou aonde queria chegar e rever objetivo ou caminho.”
O IEMA e o GT Infra têm advogado pela incorporação de riscos sociais e ambientais durante o processo de planejamento, antes dos projetos serem definidos, para que alternativas possam ser discutidas em diálogo com as comunidades locais.
Veja a seguir o passo a passo de um modelo ideal para o planejamento, segundo Ferreira:
  1. Identificação dos pontos críticos da rede de transporte no futuro (onde vai ter fila, fluxo, armazenagem, etc);
  2. Hierarquização de problemas logísticos que serão resolvidos, com critérios a serem levados em consideração;
  3. Seleção das alternativas existentes para resolver os problemas logísticos considerados prioritários (que projetos podem ser feitos para resolver o problema logístico);
  4. Preparação técnica e licenciamento ambiental (medição dos impactos futuros do problema logístico).
Com isso, é possível concluir que a análise de riscos envolve uma dimensão moral. “Isso acontece na medida em que ela pretende sujeitar os outros [comunidades locais] a riscos”, completou o diretor-presidente do IEMA.