Ciclo WebGTInfra - Capítulo 5

Plano Nacional de Energia 2050

Diretrizes e princípios para uma transição energética justa, inclusiva e de baixo carbono

O Ministério de Minas e Energia (MME) em parceria com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), lançou, em dezembro de 2020, o Plano Nacional de Energia – PNE 2050. O projeto busca modelar e analisar o impacto a longo prazo de diferentes escolhas da política energética. Para discutir suas diretrizes e princípios, o GT Infra realizou (antes do plano entrar em vigor) o webinar “Plano Nacional de Energia 2050: apontamentos para o desenvolvimento energético regional.”

Considerado o principal documento para o planejamento energético do país, o Plano pode servir como um instrumento vivo e como norte para a crise atual. “O mais importante é o debate e o processo de reflexão sobre as condicionantes da política energética e a equação de custos e benefícios de médio e longo prazo”, afirmou Alessandra, na abertura do evento.

Moderadora

Alessandra Mathyas

Representante do WWF-BRASIL

Convidado

Thiago Barral

Presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE)

Convidado

Armin Feiden

Membro do Comitê Hidrológico Paraná III e representante da sociedade civil na Unioeste

convidada

Josefa de Oliveira Câmara da Silva

Ativista do Movimento Xingu Vivo e do Conselho Ribeirinho de Belo Monte

Convidado

Cleo Francelino Aquino

Integrante do Conselho Ribeirinho de Belo Monte

Ideias-chave

  • O Plano Nacional de Energia 2050 pretende atender demandas futuras do setor de modo a “evitar arrependimentos e escolhas equivocadas que possam custar caro para a sociedade brasileira”, como disse Barral.
  • Para Feiden, é necessário um acompanhamento da sociedade civil e das entidades para fiscalização do PNE 2050. “O risco é que sejam feitas apenas grandes obras e que as pequenas comunidades sejam atingidas.”
  • Josefa acredita que o modelo adotado pelo governo não serve para as populações ribeirinhas, porque “além de não trazer a energia para a região, ele usa as comunidades, destrói, mata as espécies e traz fome e miséria para toda a população.”
O PNE 2050
Segundo o presidente da EPE, Thiago Barral, fazer planejamento no setor de infraestrutura é cada vez mais desafiador. “Embora tenha o nome de plano, ele é muito mais uma estratégia, para que a gente possa se guiar com um olhar a longo prazo. E muito mais sobre o que nós precisamos fazer agora.” O profissional explicou que o trabalho de elaboração do documento vem sendo feito há mais de três anos, com a participação de mais de 250 profissionais do setor público e privado de áreas como educação, agricultura, demografia, mobilidade e infraestrutura urbana.

A seguir, seu depoimento sobre o cone de incertezas, eixo central de elaboração do plano:

O grande eixo de elaboração do plano, foi essa estratégia do cone de incertezas. O que é um cone de incertezas? É justamente quando nós delimitamos dois grandes cenários, ou seja, duas grandes histórias que podem acontecer no futuro, de evolução no tempo, e nós procuramos dois cenários relativamente distintos e opostos, como uma forma de ter referências distintas para que a gente possa justamente evitar aqueles arrependimentos, de apostar num determinado ritmo de crescimento, tomar decisões e depois se arrepender ou vice-versa.
Então, esses dois grandes cenários são o que a gente chamou de Desafio da Expansão, que é um cenário de crescimento da economia de forma sustentada e relativamente acelerada ao longo dos próximos trinta anos e isso puxando o crescimento da demanda de energia e de infraestrutura de energia e um cenário de estagnação, em que a demanda, o consumo de energia no Brasil, fica estagnado por esses trinta anos, tá? O que, obviamente, o desafio da expansão implica pensar a ampliação da infraestrutura, né? Novas obras, novas linhas de transmissão, novas usinas. Enquanto o cenário estagnação, ele tem um olhar que é muito mais no sentido de como que eu modernizo a infraestrutura que eu tenho, como que eu transformo essa infraestrutura para torná-la mais eficiente e mais sustentável, com aquilo que eu já tenho, como que eu cuido do que eu já tenho.
Então, esses cenários permitem a gente explorar um pouco essas duas possibilidades aí. E obviamente que a gente talvez não caminhe dento. O futuro não vai ser nem um, nem outro, vai ser alguma coisa no meio, tem hora que vai estar mais próximo de um, de um extremo, de outro, mas isso é um exercício que nos ajudou muito a construir as diretrizes para o setor de energia nos próximos trinta anos.
Barral acrescentou que a estratégia foi mapeada em cima de quatro grandes objetivos: a gestão dos impactos ambientais (alinhamento aos esforços de combate às mudanças climáticas e preservação ambiental), o desenvolvimento socioeconômico (energia como fator fundamental para o desenvolvimento socioeconômico e equidade), a segurança energética (Brasil deve gerenciar o nível de exposição a riscos de suprimento de energia) e a competitividade (o custo da energia é um fator de inserção econômica internacional do Brasil). “Esses quatro objetivos são sinérgicos, interdependentes, e se complementam. Portanto não existe uma hierarquia.”
Para a construção do plano, houve a identificação dos condicionantes internos e externos (como o crescimento da demanda energética e a meta de redução da pegada de carbono) e o mapeamento de forças e vulnerabilidades do Brasil (uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, mas com uma revolução digital atrasada) no cenário energético. “O trabalho reflete a perspectiva do governo, mas reconhecemos que o papel da sociedade e das empresas é determinante para o sucesso da estratégia”, completou Barral, durante a apresentação.
Um plano inclusivo
Entre as especificidades regionais, que deveriam ser consideradas no plano, o professor Armin Feiden citou a região oeste do Paraná, onde há grandes reservas de água e uma intensa produção animal. “A contaminação desses recursos é um risco que nós corremos. Várias pequenas hidrelétricas enfrentam sérios problemas na seca.”
Outra questão local é a suinocultura, responsável por uma alta produção de dejetos de animais, capaz de produzir biogás. “Os produtores estão dispersos nas comunidades e fica impossível vender essa energia. O que nós vemos é um abandono de biodigestores (equipamento utilizado para acelerar o processo de decomposição da matéria orgânica através da ausência de oxigênio) e o metano é jogado no espaço.”

Josefa de Oliveira, do Movimento Xingu Vivo, falou sobre sua vivência na região de Altamira, norte do Pará. Veja a seguir:

O tema é bastante relevante para nós que vivemos aqui nessa região que foi escolhida pelo Estado para receber essa obra dita de desenvolvimento, mas que para nós trouxe grandes impactos na nossa vida e dos ribeirinhos, pescadores indígenas e moradores também da cidade. A Usina Hidrelétrica de Belo Monte, desde sua instalação aqui em 2011 e inauguração em 2016, desde o início trouxe grandes entraves aqui na nossa região. E as populações tradicionais, ribeirinhos, indígenas, pescadores, eles tiveram seu envolvimento a partir do momento que começou a se falar em barragem aqui na região do Xingu. Inicialmente, tinha mais barragem prevista, que seria a barragem de Cararaó e outras acima, que foi a luta dos indígenas para que não houvesse esses alagamentos das terras indígenas aqui na região, que teve o grande encontro dos povos indígenas do Xingu, que trouxe grandes comunidades indígenas aqui da nossa região. E esse enfrentamento de várias organizações nacionais e internacionais. Então, os ribeirinhos do Xingu têm essa luta constituída não somente pelos ribeirinhos, mas também com outros povos. E com a chegada da obra aqui em Altamira, os ribeirinhos passaram a não ser ouvidos, nem os indígenas e nem os pescadores. Então, nós não fomos ouvidos, o que seria a nossa opinião sobre um modelo energético para a nossa região. Então, eles vieram, fizeram e não nos ouviram.
Um problema relatado por Josefa é a falta de eletricidade, mesmo com a proximidade da Usina de Belo Monte. “A gente está aqui do lado da Usina de Belo Monte e a gente não tem energia elétrica. A energia que nós temos é de Tucuruí”, contou. “Que modelo de desenvolvimento é esse, que leva a energia para outros estados do país e para a população local sobra apenas a destruição? Eles estão usando nossos recursos hídricos e matando nossa fauna e flora.”
Na comunidade de Cleo Francelino Aquino, integrante do Conselho Ribeirinho de Belo Monte, outro prejuízo foi a fonte de renda das comunidades, pautada pela pesca. Os povos ribeirinhos tiveram de encontrar alternativas de sobrevivência e moradia, pois as áreas foram alagadas com a construção da usina. “Nós não fomos consultados. Nossa vida era pegar, fazer nossa pescaria, levar para a rua, vender e voltar”, descreveu Aquino.
Há ainda o problema do inchaço populacional gerado pela migração dos povos. “Foi um desastre. Altamira se tornou uma das cidades mais violentas do mundo logo depois da barragem. E quem mora na cidade também paga a energia mais cara do Brasil”, explicou o integrante do Conselho Ribeirinho de Belo Monte. “A gente submeteu diversos pedidos de socorro, escrevendo sobre a alternativa da energia solar na região, mas recebemos negativas”, comentou Josefa.