Ciclo WebGTInfra - Capítulo 6

Bancos e outras instituições financeiras

Instituições financeiras precisam melhorar os critérios de salvaguardas e a gestão de impactos, além de melhorar diálogo com comunidades locais

Os bancos desempenham um papel fundamental no processo de recuperação. Por meio de seus recursos financeiros é possível viabilizar estratégias para uma economia alinhada com o desenvolvimento sustentável e os direitos humanos. As tendências de financiamento da infraestrutura foram tema do debate “Renovação Econômica e Responsabilidade Socioambiental de Bancos e outras Instituições Financeiras”, realizado pelo GT Infraestrutura e parceiros.

Moderadora

Livi Gerbase

Assessora Política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC)

Convidado

César Gamboa

Diretor Executivo da Derecho, Ambiente y Recursos Naturales (DAR), do Peru

Convidada

Carolina Juaneda

Coordenadora do Bank Information Center (BIC) na América Latina

Convidada

Paula Nunes

Advogada e Assessora da Conectas Direitos Humanos, e Dion Monteiro, integrante do movimento xingu vivo para sempre

Ideias-chave

  • A relação entre bancos e comunidades tradicionais em projetos de infraestrutura é conflituosa, principalmente devido ao antagonismo dos interesses socioeconômicos e ambientais.
  • Para Paula Nunes, da Conectas, é preciso repensar a estruturação desses projetos e ter um olhar maior para a proteção dos direitos humanos e socioambientais nos países.
  • Um projeto ideal, segundo Dion Monteiro, seria a implementação de linhas de financiamento para atender demandas socioeconômicas das comunidades.
Levantamento do IEMA
O debate destacou as políticas de salvaguardas e gestão de impactos socioambientais, os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) e as estratégias alternativas para construir uma nova economia. “A ideia é que não continuemos simplesmente repetindo os padrões de financiamento que aconteceram no passado”, explicou Livi, abrindo a discussão. Segundo a assessora política, um projeto de infraestrutura precisa fazer sentido para o país onde está sendo executado e, para isso, as populações precisam ser ouvidas. “Para que a salvaguarda seja um plano de mitigação dos efeitos negativos e também para gerar impactos positivos.”
Cada assunto ao longo do webinar foi provocado por uma pergunta. Veja a seguir os principais tópicos:
Como a pandemia tem afetado os planos dos bancos no financiamento de infraestrutura na América Latina?
Segundo Carolina Juaneda, do Bank Information Center, não houve uma grande mudança, e os mesmos desafios continuam existindo em termos sistêmicos e estruturais. A especialista acredita que o grande desafio é conseguir que os projetos tragam resposta às comunidades que vivem naquele local, especialmente os desenvolvidos no contexto da covid-19. “Um bom sistema de salvaguarda não pode tratar somente de normativas, mas também de olhar como ele será implementado em toda a sua transversalidade”, opinou.

Em adição à sua fala, César Gamboa, da DAR, completou:

O que os bancos estão enfrentando aqui, os bancos de financiamento, e os grandes bancos latino-americano e o BID, se trata de um legado de extração de recursos naturais, uma privatização das nossas economias e o caso brasileiro é bastante emblemático nesse sentido. Existe uma nova regulamentação e estamos criando novos parâmetros, e existe também uma criminalização e ataques aos extensores ambientais. É uma coisa que temos visto e também temos um alto grau de corrupção, especialmente no setor de infraestrutura, e é uma coisa que nós todos já conhecemos. A gente talvez não tenha descoberto qual é o impacto total nessas economias, talvez seja só a ponta desse iceberg. Isso acaba vindo, também, com o desmantelamento institucional. Temos, por exemplo, órgãos como, a FUNAI e também no Peru, Ministério do Meio Ambiente, a Colômbia também é afetada, existem muitas questões de licenças ambientais. Então existem as exceções para fazer uma consulta prévia, existem marcos legais ligados à cessão de direitos aos investidores, para que se facilitem os investimentos.
Qual a relação entre os bancos e as comunidades?
Para Paula Nunes, advogada e assessora da Conectas Direitos Humanos, existem vários problemas na forma de estruturação dos projetos de infraestrutura, sendo o principal deles a falta de consulta prévia às comunidades. “Os povos precisam ser respeitados nas suas escolhas e na sua forma de organização. ”Ela destacou que os interesses são, muitas vezes, antagônicos. “É um desenvolvimento predatório e destrutivo para as comunidades tradicionais. Existe um grande problema na forma como os bancos avaliam os projetos.”
Outro dilema citado pela profissional são as limitações das instituições financeiras nos processos de remediação diante dos retrocessos nos sistemas domésticos. “Na prática, o controle dessas instituições é muito pequeno. Existe um grande retrocesso na agenda socioambiental e os bancos nada ou pouco fazem diante disso.”

Apresentando a visão das comunidades indígenas, Dion Monteiro comentou:

Para discutir os principais problemas, a gente parte também de uma pergunta que é: esse financiamento que os bancos fazem é de uma infraestrutura para atender a qual paradigma? A qual modelo? Então muito do que a gente vai conversar, ele pode ser efetivo ou não, dependendo do que esteja posto de antemão. Por exemplo, em Belo Monte, é muito claro, muito óbvio que já havia uma definição do que ocorreria e aí toda a discussão de salvaguarda era inócua, não tinha efeito, porque já estava tudo decidido antes. Então, se o paradigma que o financiamento e a infraestrutura vão atender é um paradigma que mantém a exploração dos bens naturais, a expulsão dos povos e comunidades tradicionais, dos povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas, beiradeiros, com o falso discurso desenvolvimento. Ou seja, tão conceitualmente seria você poder passar de um estágio inferior para um estágio superior, nada disso se apresentou na prática em relação às comunidades, aos pobres e mesmo, em última análise, para o que essa energia de Belo Monte serviria. Ou seja, ela serve para intensificar um modelo de destruição ambiental, de aumento da emissão de gases de efeito estufa, que provocam problemas climáticos e tudo o mais. Ou seja, não adianta o banco adotar cuidados socioambientais se o modelo ao qual ele serve é destruidor, predador, produtivista, consumista. Então, esse é um problema que é de fundo, que antecede a tudo isso. Isso não quer dizer que a gente não vai fazer as intervenções, como no exemplo de Belo Monte, no movimento desenvolvido. Tivemos conquistas e vitórias que diminuíram o desastre, senão ele seria pior. Mas esse elemento do modelo em que essa infraestrutura está inserida é determinante. Se ele vai considerar os seres humanos como únicos beneficiados, e tudo vai estar a serviço dos seres humanos, ou se é um modelo de equilíbrio, um modelo que considere a todos os seres vivos e a natureza. Esse é um debate que a gente tem feito muito, que tem sido muito importante para nós.