Ciclo WebGTInfra - Capítulo 7

Programa Mais Luz para a Amazônia

Desafios para a eletricidade em regiões de comunidades tradicionais

Segundo um estudo feito pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), quase um milhão de pessoas não têm acesso à energia elétrica, sendo a maioria delas moradoras de comunidades isoladas na Amazônia. Os caminhos para fazer a eletricidade chegar a todos e criar condições para o desenvolvimento dos povos foram o tema do webinar “Programa Mais Luz para a Amazônia – O que esperam os beneficiários e o que a política pode dar”.

MODERADORA

Alessandra Mathyas

Representante do Coletivo Rede Energia e Comunidades

Convidada

Ivaneide Cardozo

Representante da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé

Convidada

Dávila Suelen Souza Corrêa

Diretora de Manejo e Desenvolvimento Social do Instituto Mamirauá

Ideias-chave

  • A falta de eletricidade dificulta inúmeros aspectos do desenvolvimento socioeconômico de comunidades tradicionais em regiões isoladas.
  • Os programas de universalização da eletricidade não foram plenamente efetivos, incluindo o programa Mais Luz para a Amazônia, pois não há diálogo com os povos ribeirinhos.
  • “A principal demanda é por uma vida digna, do básico ao necessário”, finalizou Dávila Suelen Souza Corrêa.
O valor da eletricidade
Ter eletricidade é muito mais do que uma questão de comodidade, energia limpa e acessível faz parte dos objetivos do desenvolvimento sustentável da ONU e impacta em várias outras áreas, serviços e na saúde. Saneamento básico e boas práticas de higiene são fundamentais para o controle e a erradicação das principais doenças. Mas, como lavar as mãos se nem água encanada chega em casa? Distanciamento social nem sempre é possível quando se vive em comunidade. E se você precisa ir até o banco, essa energia ajuda na comunicação entre comunidades e profissionais de saúde, garante alimentos, medicação e vacinas resfriadas. Permite acessar sua conta sem precisar ir a um banco e traz água limpa para todas as casas. O desafio é garantir que todos tenham acesso a esses recursos, a energia limpa garante a saúde da comunidade.
Histórico dos programas de universalização
Alessandra analisou que os programas de universalização de energia já colocados em prática no Brasil produziram resultados importantes, mas ainda insuficientes. “Apesar de se intitularem programas de desenvolvimento regional, não conseguiram passar da eletrificação rural básica. Eletrificação nem sempre é sinônimo de desenvolvimento”, explicou a representante do coletivo Rede Energia e Comunidades.
A profissional ainda destacou que os programas federais e estaduais não costumam levar em conta as demandas reais das populações que habitam os territórios aos quais eles pretendem chegar, sendo muitas vezes elaborados por pessoas que nunca foram a essas regiões. Para ela, o protagonismo local é essencial para que os povos possam se desenvolver social e economicamente e proteger os recursos naturais da floresta. “Nosso desafio é incorporar, de fato, demandas dos territórios no desenho dos projetos”, sugeriu.
Mais Luz para a Amazônia: teoria e prática
Lançado em fevereiro de 2020, o Programa Mais Luz para a Amazônia (MLA) foi criado com o intuito de levar energia limpa e renovável a 300 mil pessoas que vivem em áreas remotas da Amazônia Legal. No entanto, ele apresenta falhas, segundo Ivaneide Cardozo, pois não houve uma discussão mais aprofundada com as comunidades que vivem na floresta.

A seguir, seu depoimento sobre o panorama geral da situação energética nas comunidades:

O que chegou foi a construção de elefantes brancos dentro das aldeias, que não têm muito uso. Porque não adianta tu construir escola se tu não tiver professor, não adianta tu construir posto de saúde se tu não tiver profissional de saúde. E, além do impacto das hidrelétricas, você tem ainda o impacto da linha de transmissão. Por quê? Porque as linhas de transmissão passam por dentro da terra indígena, provocam um desmatamento enorme e os indígenas ainda pagam pela energia. É muito louco, porque no caso do Uru-Eu-Wau-Wau e de Karipuna, que tem um impacto mais direto em Karitiana, eles pagam a energia e nem sempre os indígenas têm o dinheiro para pagar, mesmo sendo um custo baixo. Aí tu tem um impacto na biodiversidade, tu tem o impacto social, tu tem o impacto na segurança alimentar. Em nenhum momento, o Estado brasileiro para para pensar numa energia alternativa. E se tu pensa hoje no Estado, tu tem reservas extrativistas que não tem energia que precisa ser levada para lá. Precisa ter energia. E quando o governo atual propõe o programa Mais Luz para a Amazônia, a gente fica muito preocupado com todo o desmando que esse governo está fazendo na questão ambiental. Que tipo de mais luz para a Amazônia é esse, certo?
Ivaneide ainda destacou a importância de um olhar voltado também para as pequenas centrais hidrelétricas e não só para as grandes obras. “Enquanto os empresários enriquecem, os indígenas sofrem os impactos e pagam por uma energia cara dentro de sua própria terra”, afirmou. “Não há incentivo para modelos de energia que não causem tanto impacto dentro das unidades. Temos que pensar em saídas e nos adiantar ao que o Estado propõe, porque senão se torna uma luta desigual.”
Desafios a serem superados
Sobre as dificuldades de levar energia à região da Amazônia, Dávila Suelen Souza Corrêa citou o baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e a falta de acesso ao tratamento e distribuição de água, além do alto custo de combustível, como o óleo diesel, que move os geradores ainda muito utilizados na região. Mesmo nos locais onde há energia elétrica, a diretora de manejo e desenvolvimento social do Instituto Mamirauá relatou que a intermitência é um problema comum e que o restabelecimento pode levar dias em várias ocasiões. “Ao longo de um ano, essas pessoas ficam cerca de 30 dias sem energia”, observou.
Para minimizar essas carências básicas, o Instituto Mamirauá tem implementado alguns projetos que possam melhorar esse acesso, no ambiente doméstico, em frente de casa e para lazer em ambientes externos, por exemplo. Isso sem falar em energia para educação, saúde, comunicação, infraestrutura para cadeias produtivas e para a internet.
Uma outra demanda, que as comunidades e a gente vêm experimentando, implementando, é energia para subsidiar demanda por acesso à internet. Então, uma experiência que a gente vem dialogando aqui é a Associação de Mulheres Teçume da Amazônia, que trabalha com artesanato e que precisa se articular e ficar mais próximo de quem pode ser o consumidor da sua produção. Então, a internet vem também para subsidiar essa necessidade de conexão entre comunidade, mulheres e população. E quem, evidentemente, tem interesse por acesso a esse tipo de produto.