Precisamos conter a economia da destruição e iniciar a devida transição ecológica
Danicley de Aguiar*
Basta uma passada rápida pelo noticiário para que qualquer um perceba que a Amazônia passa por um momento difícil e está gravemente ameaçada. Mas, mais que falar de todos os problemas, precisamos começar a apontar caminhos de para onde a gente quer ir. Como vamos construir uma economia capaz de conviver com a floresta? A resposta é complexa mas, ao mesmo tempo, simples: substituir esse modelo de desenvolvimento econômico que temos na Amazônia hoje. Um modelo que impõe à Amazônia a condição de província, mineral, energética ou agropecuária. É urgente rompermos com a lógica que há mais de quatro séculos condiciona o desenvolvimento regional a uma matriz extrativista que aprisiona a Amazônia aos interesses externos e condena sua população a conviver com os piores índices sociais do país, subjugando gerações a uma eterna espera pelo desenvolvimento.
Entre os muitos desafios postos, um deles tem ganhado notória atenção da mídia recentemente e está intimamente ligado a todos os demais: a mineração. Em franco processo de expansão na Amazônia, a matriz mineral precisa ser superada e substituída por outros vetores econômicos capazes de promover o desenvolvimento de uma matriz econômica fundada no convívio com a floresta, no respeito aos direitos e na superação da pobreza. Não será com o aprofundamento da mineração que libertaremos a Amazônia da lógica que aprisiona ao eterno subdesenvolvimento que alimenta a destruição das florestas e dos muitos modos de vida que sustentam a convivência dos povos e comunidades tradicionais com seus territórios.
Na bacia do Tapajós, já é perceptível que está em curso um processo de territorialização de uma matriz mineral que tende a substituir os garimpos por grandes empreendimentos de mineração, em grande medida financiado com capital internacional que transferem as riquezas minerais para fora da região sem entregar o tão esperado desenvolvimento da região. Para além da transferência da riqueza regional, esse processo ignora os milhares de garimpeiros que em pouco tempo devem se tornar a principal força a pressionar as dezenas de terras indígenas e unidades de conservação que contribuem para a manutenção do equilíbrio ecológico da região e do bioma amazônico.
A questão energética na região da Amazônia como um todo é outro desafio que precisa ser devidamente entendido e equacionado sob a luz dos interesses regionais e da conservação do bioma; não havendo mais espaço para um modelo energético baseado na geração centralizada, que menospreza a diversificação e produz um conjunto amplo de impactos sobre os recursos naturais e viola direitos e garantias fundamentais da população local.
Romper com a economia da destruição que se baseia no monocultivo de soja e na pecuária extensiva também está entre os desafios que demandam nossa atenção máxima, haja vista que a infraestrutura imposta para viabilizar tal economia, segue aprofundando as desigualdades e reproduzindo o subdesenvolvimento que se alimenta da concentração de renda e terra.
Se ainda não carecemos de um debate regional para definir os passos para transição ecológica da atual ordem econômica que nos aprisiona nessa espiral de destruição, já passa da hora de exigirmos que o poder público assuma compromissos concretos com a contenção dessa matriz econômica extrativa, e inicie o caminho que rompa com o aprofundamento dessa matriz e de toda infraestrutura que a sustenta.
Por último, é chegada a hora da sociedade brasileira exigir um debate nacional capaz de ressignificar o papel da Amazônia para o desenvolvimento nacional e exigir que o processo de construção de soluções para a Amazônia se dê em profundo diálogo com a sociedade regional e rompa com a lógica histórica de pensar a Amazônia de fora para dentro, sem respeito aos saberes e fazeres de quem aqui aprendeu a conviver com a floresta. Do contrário, seguiremos reproduzindo a lógica que nos aprisiona ao eterno subdesenvolvimento, que segue produzindo infraestrutura na e não para a Amazônia e seus povos.
*Danicley de Aguiar é coordenador de campanhas no Greenpeace Brasil e membro do GT Infraestrutura, uma rede de mais de 40 organizações unidas para debater modelos sustentáveis de desenvolvimento.
Este artigo foi, originalmente, publicado na coluna do O Mundo Que Queremos, no Um Só Planeta.
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