Em preparação para a V Cúpula de Presidentes dos países amazônicos, a ser realizada na Colômbia neste mês, sociedade civil cobra ações para fortalecer a participação social e alternativas que priorizem a qualidade de vida de comunidades e cuidados com a natureza; documento com demandas foi enviado ao governo brasileiro e à OTCA.
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Belém (PA) – Movimentos sociais, entidades socioambientais e redes da sociedade civil, em conjunto com representantes do Poder Público, realizaram na última terça-feira (29), no campus da Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém a etapa brasileira dos Diálogos Amazônicos 2025, com a finalidade de discutir propostas para a V Cúpula da Amazônia, evento que reunirá chefes de Estado dos países amazônicos no dia 22 de agosto em Bogotá, Colômbia.
Pelo Governo Federal, o encontro contou com a participação da Secretaria Geral da Presidência da República (co-organizadora do evento) e representantes dos ministérios de relações exteriores (Itamaraty), meio ambiente e mudança do clima, povos indígenas, e direitos humanos e cidadania. Participou ainda a Vanessa Grazziotin, Secretária Executiva da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) e o Deputado Federal Airton Faleiro, da Frente Parlamentar da Amazônia.
Com cerca de 300 participantes nos formatos presencial e online, o encontro fez um balanço sobre implementação da Declaração de Belém, acordo multilateral assinado durante reunião de presidentes de oito países amazônicos em agosto de 2023, que foi antecedida por dois dias de Diálogos Amazônicos com a participação de mais de 12 mil pessoas, como espaço de colheita de contribuições da sociedade civil para o evento oficial. Assista um vídeo sobre a Cúpula de Belém em 2023 disponível aqui.
Na sexta-feira (1), redes da sociedade civil e movimentos sociais que participaram ativamente na realização do encontro nacional – como o Fórum Social Panamazônico (FOSPA) a Rede Eclesiática Panamazônica (REPAM) e o Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) – enviaram um documento síntese das principais propostas do Encontro Nacional para a Secretaria-Geral da Presidência (SG/PR), Itamaraty, OTCA e a Chancelaria do Governo da Colômbia, como anfitrião da Cúpula da Amazônia em 2025.
Veja a íntegra do documento síntese do Encontro Nacional dos Diálogos Amazônicos 2025, realizado em Belém aqui.
As principais propostas das organizações da sociedade civil destacam como necessidades urgentes: 1) ampliar a participação social na tomada de decisões governamentais sobre assuntos estratégicos para a Panamazônia, 2) assegurar o respeito aos direitos territoriais e direitos a consulta prévia de comunidades tradicionais, como guardiões das florestas e rios da Amazônia, 3) priorizar o fomento a atividades produtivas em base comunitária voltadas à segurança e soberania alimentar e cadeias da sociobiodiversidade, respeitando os conhecimentos tradicionais, 4) combater as diversas formas de discriminação por raça, genero, etnia e orientação sexual, e 5) enfrentar o desmatamento e conflitos socioambientais associados à expansão desenfreada do agronegocio, crimes ambientais e megaprojetos, como grandes hidrelétricas, corredores de exportação de commodities e a exploração de petróleo.
Uma proposta de destaque da sociedade civil foi a criação da “OTCA Social” como mecanismo de participação permanente de povos indígenas, comunidades locais, academia e movimentos na governança pan-amazônica. A proposta surgiu inicialmente nos Diálogos Amazônicos de Belém em 2023, em resposta à demanda de redes como FOSPA, REPAM e GTA (Grupo de Trabalho Amazônico). “É preciso que os amazônidas deixem de ser apenas convidados e passem a ter lugar institucionalizado nas instâncias de decisão”, afirmou Joana Menezes, da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM).
Etapa brasileira dos Diálogos Amazônicos
No encontro nacional dos Diálogos Amazônicos 2025 realizado na semana passada em Belém, foram organizados painéis de debate sobre os temas “Participação Social e Tomada de decisão na cooperação Pan-Amazônica”, “Direitos dos povos amazônicos, gênero, raça e territorialidades”, “Proteger a Amazônia do Ponto de não Retorno” e “Alternativas desde os Territórios e Mecanismos de Financiamento”.
João Pedro Ramalho, do Coletivo Pororoka e da Assembleia Mundial pela Amazônia (AMA), destacou que a ausência de mecanismos formais de escuta e diálogo impede que as políticas regionais considerem os verdadeiros impactos e alternativas nos territórios. “Participação Social efetiva é contribuir na elaboração das políticas públicas nacionais e regionais, monitorar a execução e realizar também a avaliação. Por isso os movimentos sociais e as organizações da sociedade civil Pan-Amazônica propõe para a V Cúpula dos Presidentes o mecanismo de participação social chamado de OTCA Social, que formalizará essa integração democrática entre governos amazônicos e sociedade civil”, disse.
Pela manhã, um primeiro painel discutiu os direitos dos povos amazônicos, com foco na proteção de defensoras e defensores ambientais, na adesão ao Acordo de Escazú pelo Brasil e no combate à violência contra lideranças — com recorte de gênero e raça. “Defendemos nossos territórios com a própria vida. O Estado precisa garantir nossa segurança e nossa existência”, declarou Vanuza do Abacatal, liderança quilombola em Ananindeua.
O procurador regional da República Felício Pontes apontou que a plena implementação da Declaração de Belém depende da garantia de três direitos fundamentais: à terra, à autodeterminação e à consulta livre, prévia e informada. “É fundamental para impedir que novas Belo Monte sejam construídas, e que outros grandes projetos como o asfaltamento da BR-319 sejam implementados sem respeito à garantia de direitos básicos dos povos tradicionais”.
“O Pará é o estado com o maior número de lideranças socioambientais ameaçadas incluídas no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDH), com 161 pessoas cadastradas — sem contar as subnotificações e aqueles ainda em processo de inclusão”, afirmou Max Costa, da Unipop, reforçando a necessidade de ações efetivas. Ele alertou para o agravamento da situação: “Ao mesmo tempo, temos se avizinhando vários projetos que ampliam os conflitos socioambientais na região. Mais do que declarações, precisamos agora de ações efetivas”.
O debate evidenciou como a violência contra defensoras e defensores socioambientais está conectada a desigualdades estruturais de gênero, raça e sexualidade, com necessidades específicas de proteção para mulheres, população negra, indígenas e LGBTQIAPN+, reforçando a urgência da adesão ao Acordo de Escazú, assinado até então por apenas quatro dos oito países que compõem a OTCA.
A pauta das mulheres e meninas amazônicas foi destacada como eixo transversal das lutas por justiça climática, segurança alimentar e garantia de direitos na região. Durante o Painel 1, Eunice Guedes, da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB) lembrou que mais de 70% da população em situação de pobreza no mundo são mulheres — em sua maioria negras, indígenas e periféricas — e que os piores indicadores de insegurança alimentar no Brasil estão concentrados na Região Norte. Ela reforçou a urgência da adoção de um plano estratégico de gênero na OTCA, conforme compromisso da Declaração de Belém, e alertou para a ausência de ações concretas dos Estados para enfrentar as múltiplas violências que atingem mulheres amazônicas. “A crise climática, a insegurança alimentar e a pobreza são questões políticas, mais do que técnicas”, reforçou. “É urgente garantir a efetivação do plano estratégico de gênero para mulheres e meninas e a ratificação do Acordo de Escazú, como parte das propostas levadas à V Cúpula”, afirmou durante sua intervenção no painel.
À tarde, o Painel 2 abordou o tema “Proteger a Amazônia do ponto de não-retorno”, com debates sobre mudanças climáticas, megaprojetos e o papel do Congresso Nacional e do Ministério do Meio Ambiente. O debate abordou a necessidade de uma transição justa, o enfrentamento ao colonialismo interno, os impactos da mineração e dos combustíveis fósseis, e a urgência de garantir justiça social e climática na região.
Durante o painel, Iremar Ferreira, do GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental e Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental (FMCJS), apresentou uma proposta de resolução ministerial dos países amazônicos para a criação de um Plano Estratégico de Infraestrutura Sustentável, Inclusiva e Resiliente para a Pan-Amazônia, a ser elaborado por um grupo de trabalho integrado por representantes de países membros, com a facilitação da Secretaria-Geral da OTCA, contando com a participação permanente da comunidade científica e de organizações da sociedade civil, inclusive representantes de povos indígenas, movimentos sociais, e comunidades tradicionais. A ideia é fortalecer a cooperação entre os países amazônicos, especialmente em áreas transfronteiriças, em torno de um novo paradigma de infraestrutura, com ações concretas que priorizem melhorias na qualidade de vida das populações amazônicas, com os devidos cuidados com a natureza, que representa a maior ‘infraestrutura da vida’. “O que está em jogo é a escolha entre um modelo de desenvolvimento que aprofunda desigualdades ou um projeto que fortaleça territórios e promova justiça socioambiental”, destacou Iremar Ferreira.
Padre Dário Bossi, da Rede Igrejas e Mineração, defendeu o reconhecimento da natureza como sujeito de direitos e alertou para a legitimação da mineração e do agronegócio como novos vetores de destruição da floresta. “Não há enfrentamento possível sem dizer não à mineração e ao petróleo”, afirmou, reforçando a proposta de criação de territórios livres da mineração e a urgência de alternativas econômicas comunitárias.
O terceiro painel discutiu caminhos de financiamento que fortaleçam alternativas construídas nos territórios, com protagonismo das comunidades locais, evitando o greenwashing e o financiamento para corporações criminosas. A experiência da Rede de Fundos Comunitários da Amazônia, com instrumentos como o Fundo Dema, foi apresentada como exemplo concreto de governança comunitária eficaz, capaz de fazer os recursos chegarem na ponta. Para os movimentos sociais, o desafio central é garantir que os recursos cheguem de fato à base e sejam geridos por quem vive e protege os territórios, condição essencial para uma transição justa na Amazônia.
Segundo as organizações da sociedade civil, a expectativa agora é que as propostas da etapa brasileira dos Diálogos Amazônicos, consolidadas no documento síntese encaminhado para a Secretaria-Geral da Presidência da República, Itamaraty, Secretaria-Geral da OTCA e Chancelaria do Governo da Colômbia, contribuam para a construção da Declaração de Bogotá e resoluções ministeriais, contando com forte protagonismo do Governo Brasileiro.
A atividade reafirmou o papel estratégico da sociedade civil na definição dos rumos da Pan-amazônia, a urgência de frear o avanço de projetos que ameaçam os direitos e o ambiente, e a necessidade de uma governança que coloque os povos no centro das decisões. O encontro também serviu de preparação para a COP 30 em Belém, que será um dos principais pontos de pauta na Cúpula dos Presidentes em Bogotá.

