Fortalecer a governança, com transparência e participação da sociedade civil, é fundamental para evitar projetos danosos e promover infra estruturas alinhadas com os objetivos de desenvolvimento sustentável
Por Brent Millikan, Maria Elena Rodriguez, Ricardo Abramovay e César Gamboa (*)
Os investimentos em infraestrutura de transportes e energia na Amazônia têm priorizado, nas últimas décadas, megaprojetos como grandes hidrelétricas e corredores de transporte voltados para a exportação de commodities do agronegócio e da mineração industrial. Tipicamente, tais empreendimentos têm provocado graves impactos socioambientais como o desmatamento acelerado, emissões de gases de efeito estufa, perda da biodiversidade e conflitos violentos pela terra, pelas florestas e pelas águas, além do desperdício de dinheiro público.
Enquanto isso, as necessidades básicas de infraestrutura de comunidades rurais e populações urbanas na Amazônia – em áreas como saúde, acesso à água e saneamento, mobilidade, segurança pública, energia e comunicações – têm sido frequentemente menosprezadas ou mesmo ignoradas.
Assim, megaprojetos como o Complexo Hidrelétrico Belo Monte no rio Xingu, além de seus impactos nefastos no meio rural, fizeram explodir migrações para periferias urbanas, já carentes de infraestrutura básica, agravando déficits em serviços de saúde, saneamento, educação e segurança pública.
As graves consequências de megaprojetos estão diretamente ligadas a falhas crônicas entre instrumentos de planejamento e processos de tomada de decisão – ou seja, questões de governança. A falta de transparência e participação da sociedade civil tem facilitado a atuação de lobbies corporativos em prol de ‘elefantes brancos’ e esquemas de corrupção. Em contextos de planejamento autoritário, questões essenciais como a análise comparativa de estratégias alternativas, sob uma ótica de custo-benefício social, econômico e ambiental, têm sido desconsideradas.
É preciso adotar um novo paradigma de infraestrutura na Amazônia, começando com o fortalecimento da governança, garantindo que os processos decisórios estejam baseados em boas práticas de transparência e participação social, desde as fases iniciais do planejamento setorial em áreas como transporte e energia.
Esse novo paradigma deve incluir o reconhecimento de que a proteção da natureza, mantendo a integridade dos ecossistemas, é garantir a maior infraestrutura para a vida. Muito além de focar apenas em megaprojetos, os investimentos em infraestrutura devem priorizar cuidados com a vida das populações locais, especialmente dos grupos mais vulneráveis, em áreas como saúde, acesso à água potável, saneamento, transporte, energia e comunicação, incluindo acesso à internet de alta velocidade.
Na Amazônia, os investimentos em infraestrutura devem priorizar o apoio a atividades produtivas entre comunidades locais que contribuem para segurança e autonomia alimentar, em conjunto com a geração de emprego e renda, fortalecendo cadeias da sociobiodiversidade e valorizando conhecimentos tradicionais, a inovação tecnológica e relações justas de mercado entre comunidades locais e outros atores econômicos.
Antes da tomada de decisões sobre a aprovação de médios e grandes empreendimentos de infraestrutura, é preciso analisar com rigor seus riscos socioambientais, inclusive de impactos cumulativos com outros empreendimentos, à luz das condições locais de governança territorial e estratégias alternativas. Em regiões de fronteira como a Amazônia, marcadas por fenômenos como a grilagem de terras públicas e o crescimento do crime organizado, as consequências socioambientais negativas de um grande empreendimento são muito maiores do que numa consolidada em termos de governança territorial.
Outro elemento fundamental para colocar em prática um novo paradigma de infraestrutura sustentável é garantir o direito dos povos indígenas, quilombolas e de outras comunidades tradicionais à Consulta e Consentimento Livre, Prévio e Informado. Isso significa que as consultas devem ocorrer antes da tomada de decisões políticas e administrativas que possam afetar seus territórios e direitos. Para isso, protocolos autônomos de consulta, desenvolvidos por comunidades e suas organizações, que demonstram como se deve realizar consultas de forma apropriada, respeitando suas culturas e formas de tomada de decisão, devem ser seguidos por governos, instituições financeiras e empreendedores de projetos. Por fim, no caso de empreendimentos aprovados, antes do início das obras, é preciso um conjunto de ações efetivas para prevenir, mitigar e compensar impactos, monitorando cuidadosamente a sua eficácia.
Frente a esses desafios, existem importantes avanços recentes, como o esforço interinstitucional, liderado pela Controladoria Geral da União (CGU), de aprimorar a transparência e participação social em grandes obras de infraestrutura, no âmbito do Plano de Ação 2024-2027 da Parceria de Governo Aberto e a revisão da metodologia de elaboração do Plano Nacional de Logística (PNL 2050) sob a liderança do Ministério dos Transportes.
Na Panamazônia, destacam-se a inclusão de um item sobre Infraestrutura Sustentável com boas práticas na Declaração de Belém, assinada pelos presidentes de oito países amazônicos em agosto de 2023, e na Colômbia, uma parceria inédita entre os ministérios do meio ambiente e transportes, em colaboração com organizações da sociedade civil, que gerou um programa de diretrizes para infraestrutura rodoviária verde (Lineamientos de Infraestructura Verde Vial – LIVV) que já demonstra resultados positivos, podendo servir de referência para outros países amazônicos.
Por outro lado, persistem sinais alarmantes do avanço de megaprojetos com sérias deficiências em seu planejamento, sob a ótica da transparência, participação e gestão de riscos socioambientais – como a proposta de construção da Ferrogrão (EF-170) entre Sinop (MT) e Miritituba (PA) no rio Tapajós, a pavimentação da BR-319 entre Porto Velho e Manaus e corredores logísticos na Amazônia incluídas nas “Rotas de Integração Sul-Americana”, proposta recente do Ministério do Planejamento. A construção do recém-lançado megaporto de Chancay no Peru com forte protagonismo chinês, voltado para a exportação de commodities do agronegocio e da mineração para a Asia, agrava ainda mais este cenario potencializando os impactos ambientais e sociais, incluindo o aumento das migrações na região, do desmatamento, da mineração ilegal e do narcotráfico.
Assim, restam importantes desafios para colocar em prática um novo paradigma de infraestrutura sustentável, inclusiva e resiliente para a Amazônia, pautado em boas práticas com transparência e participação social. Num momento em que a Amazônia se aproxima perigosamente do chamado ‘ponto de não retorno’, em função do avanço de desmatamento e queimadas, e da realização da COP 30 em Belém em 2025 – onde o Brasil precisa liderar pelo bom exemplo – a hora de agir é agora.
(*) Esse artigo foi baseado num ‘Policy Brief’ elaborado pelos co-autores para o T-20 (Think Tanks) um dos espaços de participação social no G20 sob a presidência brasileira em 2024. Veja o texto na íntegra (em português, espanhol e inglês) aqui.
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