Projeto apresenta falhas que destacam desafios estruturais sobre grandes infraestruturas na Amazônia
Por Luna Galera | Um Só Planeta
A Amazônia tem sido cenário de grandes investimentos em obras de infraestrutura, sobretudo quando se trata de mineração, energia e agronegócio. Em teoria, a expectativa desses projetos é trazer melhorias logísticas para o avanço socioeconômico do Brasil. Mas, a pergunta que fica é: a que custo isso deve acontecer? Pois, na prática, eles estão dissociados do contexto local, sendo planejados muito distantes dos interesses e necessidades das comunidades locais. A execução desses projetos conta com problemas estruturais, como retornos sociais baixos e falhas na governança de gestão, fomentando atrasos e gastos excessivos. Trata-se de um ciclo de erros constantemente cometidos e reproduzidos em prol de estratégias equivocadas. O caso da Ferrogrão é uma prova disso.
O projeto da Ferrogrão visa consolidar o novo corredor ferroviário de exportação do país pelo Arco Norte. Ele prevê a construção de uma linha férrea, com extensão de 976 km, que começa em Sinop, no Mato Grosso, maior região nacional produtora de grãos, e termina no Porto de Miritituba, em Itaituba, no Pará. Seu objetivo, além de ser uma alternativa à rodovia BR-163, é se consolidar um corredor logístico e diminuir os custos de quem paga para exportar produtos, como soja e milho. Porém, a fragilidade do planejamento, a baixa qualidade do projeto, a governança ineficaz na implementação e ausência de avaliações rigorosas de impacto transformam a Ferrogrão em um verdadeiro colapso.
O STF suspendeu as obras desde 2021 por conta de que o traçado cruza uma unidade de proteção integral, mais especificamente áreas do Parque Nacional do Jamanxim, no Pará. Apesar dos esforços para contornar a situação, questionamentos sobre a sustentabilidade do projeto e sua possibilidade de futuro ainda persistem.
Segundo o estudo “Ferrogrão (EF-170): Lições para o Planejamento de Infraestrutura na Amazônia”, produzido por Claudio R. Frischtak em parceria com o projeto Amazônia 2030, há três principais áreas problemáticas relacionadas à Ferrogrão: viabilidade econômico-financeira, cenário realista e impactos na tarifa.
O contexto utilizado para embasar o projeto não condiz com a realidade atual, principalmente no que diz respeito aos orçamentos. Os números originais apresentados ao Tribunal de Contas da União (TCU) em 2020 já não cabem mais, visto que, hoje, estimativas indicam que o retorno financeiro baseado em premissas realistas é sete vezes menor do que o previsto inicialmente. Atualizado para junho deste ano, o custo de capital do projeto está por volta de R$11,45 bilhões, com prazo de execução de nove anos e uma tarifa de R$110,05/mil toneladas por quilômetro útil (TKU). Toda essa estrutura levaria a um rendimento insuficiente para garantir a viabilidade do empreendimento.
Desde a sua apresentação à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) até a suspensão de sua execução pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o projeto é alvo controvérsias, incluindo subestimação de custos e prazos, sem contar as dúvidas sobre sua viabilidade ambiental e jurídica.
Levando em consideração projetos semelhantes, como a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste, a Taxa Interna de Retorno (TIR) para a Ferrogrão seria de apenas 1,6%. Perante a um panorama realista, isso resulta de uma despesa de capital total de R$36,86 bilhões, incluindo os obstáculos impostos pela topografia e geologia da Amazônia, além de riscos sociais e ambientais. Vale destacar também que o prazo de conclusão seria mais do que o dobro já previsto – 22 anos em vez de nove. As estatísticas alertam sobre a necessidade de rever a gestão adotada pelo país em grandes projetos de infraestrutura para que não se transformem em fardos.
Esses são apenas os principais desafios dentre tantos outros enfrentados pela Ferrogrão – mas não somente por ela. Os desafios são inerentes ao histórico de obstáculos na execução de grandes projetos de infraestrutura na Amazônia. Por isso, uma avaliação mais rigorosa dos investimentos públicos é o primeiro passo a ser dado rumo a um futuro mais sustentável. Dessa forma, progresso social e econômico caminharão juntos.
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