Mais uma vitória: governo exclui UHE Castanheira do Plano Decenal de Energia

Após anos de mobilização, o projeto saiu oficialmente do planejamento energético do país

Texto: Operação Amazônia Nativa (Opan)

O governo federal, em seus planos de expansão energética para os próximos 10 anos, deixou de fora a construção da Usina Hidrelétrica (UHE) Castanheira, no rio Arinos, afluente do Juruena, em Mato Grosso. Isso significa que, pelo período de 2025 a 2034, não há previsão para essa obra, que interromperia o curso desse importante rio e impactaria os povos indígenas e as comunidades rurais do município de Juara, em especial de Pedreira e Palmital.
A construção da UHE constava na versão anterior do Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE), mas foi excluída do documento elaborado neste ano após uma longa batalha liderada pela Rede Juruena Vivo. O PDE 2034, que define as diretrizes para o setor energético, está em fase final e após um processo de consulta pública será publicado ainda neste ano.

Essa é a segunda vitória da Rede Juruena Vivo neste processo. A primeira foi o arquivamento do licenciamento ambiental da UHE Castanheira pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (SEMA-MT), em 18 de março deste ano.

Os estudos para construção da usina foram conduzidos pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e mostraram que a UHE ia gerar menos de 100 MW de energia firme, apesar da previsão do alagamento de 94,7 km2.

Desde então, o projeto enfrentou forte oposição da comunidade local devido aos seus potenciais impactos ambientais, culturais e socioeconômicos. Estudos mostraram que a construção da usina afetaria cinco diferentes povos indígenas: Rikbaktsa, Munduruku, Apiaká, Kawaiwete e Tapayuna, que não foram consultados de forma livre, prévia e informada, como manda a legislação. Uma nota multidisciplinar feita pelos parceiros da Rede Juruena Vivo forneceu as principais bases técnicas e jurídicas para a identificação de irregularidades neste empreendimento.

Além disso, os Tapayuna nunca foram chamados para a discussão sobre o empreendimento, que se localiza em seu território de ocupação tradicional. Os danos nos ecossistemas do rio Arinos, vital para a sobrevivência dessas comunidades, geraram preocupação quanto à reprodução física e cultural de suas populações.

A construção da usina hidrelétrica, além de afetar diretamente as comunidades indígenas, gerou preocupação entre os produtores rurais de Pedreira e Palmital. O temor era pelo alagamento de suas terras, o que poderia comprometer ou até mesmo inviabilizar suas atividades agrícolas. A viabilidade econômica do projeto também foi questionada considerando o elevado custo de implantação e a limitada capacidade de geração de energia.

Vitória coletiva

O coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens de Mato Grosso (MAB-MT), Jefferson Nascimento, celebra a notícia da exclusão da construção da UHE de Castanheira e avalia como fruto de anos de trabalho coletivo e da persistência da organização, mobilização e luta de diversas comunidades e organizações.

“Sabemos que isso é muito da luta das comunidades, dos povos e das organizações. Caso contrário acho que essa hidrelétrica já estaria operando. Então, essa notícia nos anima cada vez mais a acreditar e dizer que é através da luta coletiva, da mobilização, da organização que a gente consegue ter frutos, seja para impedir as construções, seja para avançar em várias outras pautas”, disse Nascimento, que também representa a microrregião Arinos dentro da Rede Juruena Vivo.

Em maio deste ano, representantes da Rede Juruena Vivo apresentaram um documento durante reunião com o Ministério de Minas e Energia (MME) e solicitaram a retirada do projeto da UHE Castanheira do PDE, destacando a necessidade de respeito aos direitos indígenas, à proteção ambiental e à consulta prévia, livre e informada das comunidades afetadas.

Diante dos argumentos apresentados, Thiago Vasconcellos Barral Ferreira, secretário nacional de transição energética e planejamento do MME, informou na época que a UHE Castanheira seria excluída do PDE 2024-2034.

Jefferson Nascimento também vê a conquista como um exemplo inspirador para outras comunidades e movimentos sociais que enfrentam ameaças semelhantes, quando a união de diferentes atores sociais foi fundamental para reverter um projeto que parecia certo.

Apesar da vitória, o coordenador alerta para a necessidade de manter a vigilância e continuar a luta, pois a ameaça de novos projetos pode surgir a qualquer momento. “Saiu do plano decenal, mas o plano decenal é feito anualmente. Nada nos garante que talvez, para os próximos anos, Castanheira volte a aparecer. Então, a luta é eterna, a mobilização é permanente”.

Luta contínua 

Apesar do arquivamento da UHE de Castanheira, um relatório da Operação Amazônia Nativa (OPAN) identificou 180 aproveitamentos hidrelétricos na bacia do Juruena, até 31 de janeiro de 2024.

Cerca de 46% desses empreendimentos correspondem a centrais geradoras hidrelétricas (CGHs), enquanto 40% são pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). Os projetos de grande porte (UHEs) representam 14% do total.

Os dados fazem parte do “Boletim de Pressões e Ameaças às Terras Indígenas na Bacia do Rio Juruena”, que fornece informações sobre o planejamento energético e minerário da região para identificar seus potenciais impactos na vida dos povos indígenas, comunidades tradicionais e outros grupos sociais que vivem na bacia do rio Juruena.

Imagem mostra rio Arinos, em Mato Grosso. Foto: Pablo Albarenga/OPAN

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