Ato marcou o 7º Grito Ancestral do povo Tupinambá realizado no último sábado (16) na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns (PA).
Crédito das imagens: Leonardo Milan | Texto: Daleth Oliveira/Amazon Watch e Aliança Contra a Ferrogrão.
Cerca de 400 pessoas paralisaram o transporte de cargas no rio Tapajós no sábado (16). “Não deixe a Ferrogrão destruir o Tapajós”, dizia o mega-cartaz colocado nas balsas durante a intervenção realizada pelos povos impactados pelo projeto da Ferrogrão e hidrovia do Tapajós. O ato marcou o 7º Grito Ancestral do povo Tupinambá realizado no Território Tupinambá do Baixo Tapajós, Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns (PA), a 8 horas de barco de Santarém, no oeste paraense.
Entre as 9h e 15h, os manifestantes ocuparam o rio com 5 barcos, 15 bajaras, denunciando os impactos do corredor logístico do Arco Norte, cujos comboios de balsas, portos e terminais afetam negativamente o rio e os habitantes da região. Estavam presentes representantes dos povos Tupinambá, Munduruku, Arapiun, Kumaruara, Jaraqui, Tapajó, Tapuia, Apiaka, Kayapó, e de comunidades ribeirinhas do baixo Tapajós e de Montanha e Mangabal.
Em um ato pacifico, indígenas subiram nas balsas e comboios, divulgando a petição pelo fim do projeto da Ferrogrão. A Aliança contra a o projeto já reúne 39 movimentos e organizações da sociedade civil.
“Estão nos impedindo de pescar e matando o Rio Tapajós para exportar soja para a China e para a Europa. Se a Ferrogrão for construída, a situação vai piorar ainda mais”, explica Raquel Tupinambá, coordenadora do Conselho Indígena Tupinambá do baixo Tapajós Amazônia (CITUPI).
As ações de protesto no Tapajós ocorreram simultaneamente à COP 29, a Conferência da ONU sobre o Clima, no Azerbaijão.
Segundo Pedro Charbel, coordenador de campanhas da Amazon Watch, é fundamental chamar a atenção do mundo à ameaça que a expansão da soja e Ferrogrão representam. “Nosso país será sede da COP no ano que vem e os olhos do mundo estão voltados para o Pará. Não podemos ceder aos interesses da Cargill e outras grandes empresas, temos que cancelar o projeto da Ferrogrão pelo bem do futuro do planeta”, afirma.
Ao final da programação, os indígenas lançaram um manifesto do rio Tapajós, denunciando crimes ambientais:
“Minhas águas já mudaram de cor por causa do garimpo e estou cheio de mercúrio que envenena os peixes e os humanos que se alimentam do que eu ofereço. Minha querida Praia da Vera Paz, espaço sagrado dos meus povos originários e lugar de lazer de tantos santarenos, foi destruída pelo ferro e cimento dos silos de soja do porto da Cargill. Construído há 21 anos, sem licença e sem consulta, esse porto marca o início de um ciclo de destruição”, diz trecho.
Ferrogrão e os impactos no Rio Tapajós
Desenvolvido por demanda da Cargill e outras grandes tradings do agronegócio, o projeto da Ferrogrão (EF-170) visa aumentar e escoar a produção de soja e milho do centro-oeste do Brasil através do Rio Tapajós. De acordo com estudos preliminares apresentados pelo Ministério dos Transportes, os quase mil quilômetros de trilhos entre Sinop (MT) e Miritituba (PA) aumentariam o volume de exportação de grãos pelo rio em mais de 6 vezes até 2049.
Raquel Tupinambá teme que para aumentar o trânsito e navegabilidade de balsas no rio sejam feitas obras de dragagem e explosão dos pedrais que são sagrados para os povos indígenas.
“A Ferrogrão vai aumentar o desmatamento para produzir mais soja e vai também aumentar a destruição do rio porque querem escavar o seu leito e explodir os pedrais, que são espaços importantíssimos para nós. A ferrovia vai aumentar os impactos do corredor logístico que já nos afeta, e até agora não fomos consultados”, denuncia.
Karanhin Metuktire, liderança Kayapó e representante do Instituto Raoni (MT), reforça a necessidade de respeitar os direitos dos povos indígenas.
“O projeto da Ferrogrão ser prioridade de setores do Governo Federal é um exemplo de como nossos direitos continuam sendo ignorados. Querem construir essa ferrovia sem respeitar a nossa existência e os protocolos de consulta de cada povo, como manda a Convenção 169 da OIT. Cada território tem suas próprias regras e formas de decidir, e isso precisa ser respeitado”, declara.
Para a advogada Bruna Balbi, da organização Terra de Direitos, o Governo precisa realizar a consulta prévia com urgência e analisar os impactos da Ferrogrão de modo relacionado com os demais empreendimentos do corredor logístico do Arco Norte.
“Esse corredor envolve mais de 40 portos de transporte de carga, a hidrovia do Rio Tapajós e os passivos da BR-163. É urgente analisar os impactos cumulativos e sinérgicos dessa rede logística na região e, acima de tudo, respeitar o direito à consulta de todas as comunidades e povos afetados, conforme estipula a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho ”, explica Balbi.
➡️ Em 2021, em entrevista ao podcast do GT Infraestrutura, André Luís Ferreira, diretor-executivo do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) falou sobre a necessidade de cenários alternativos de infraestrutura no Brasil. Ouça aqui o episódio “Ferrogrão e a busca por modelos de logística no Arco Norte”.
Veja mais fotos da manifestação no rio Tapajós: