“Projeto de Lei da Devastação” fragiliza licenciamento de infraestrutura e aumenta riscos socioambientais

O Projeto de Lei nº 2159/21, aprovado no Senado Federal na noite de quarta-feira (21), representa um dos maiores retrocessos na política ambiental brasileira em décadas e deve impactar o licenciamento de projetos de infraestrutura gerando alto risco socioambiental. A proposta enfraquece o licenciamento ambiental e ameaça comprometer tanto a proteção dos ecossistemas quanto os direitos das populações mais vulneráveis.

O texto do PL prioriza a isenção e o autolicenciamento em diversos tipos de empreendimentos, ignorando os riscos climáticos, os efeitos sobre os modos de vida tradicionais e a necessidade de avaliação séria dos impactos sobre água, solo, ar e biodiversidade. Com essa fragilização, o licenciamento ambiental deixaria de ser uma etapa técnica e preventiva para se tornar um procedimento simbólico e ineficaz. A proposta flexibiliza estudos, condicionantes ambientais e monitoramento, sequer menciona a crise climática, e torna meramente formal a manifestação das autoridades envolvidas como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e outros, para o resultado de processos de licenciamento. 

O parecer sobre o PL da Devastação, elaborado pelo GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental (acesse aqui em PDF) analisa os impactos do PL em obras de infraestrutura, especialmente no setor de transportes. O documento destaca quatro eixos centrais de preocupação. O primeiro é o autolicenciamento, que representa uma desestruturação profunda do licenciamento ambiental sob o argumento de simplificação e agilidade. O segundo eixo aborda a definição de quais empreendimentos precisarão de licença, desconsiderando o local onde serão implementados, o que enfraquece a análise dos impactos ambientais em áreas sensíveis. O terceiro ponto é a limitação da responsabilização aos impactos “diretos”, ignorando os efeitos cumulativos e indiretos que grandes obras frequentemente geram nos territórios. Por fim, o quarto eixo alerta para violações de direitos socioambientais.

Pesquisadores e membros do GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental alertam para os impactos irreversíveis que ele pode gerar, tanto do ponto de vista ambiental quanto social:

“O licenciamento ambiental é essencial para evitar desastres e colapsos ambientais e respeitar modos de vida locais. Analisar a viabilidade ambiental de uma obra envolve entender as características das tipologias (rodovia, mineração, etc.) e suas atividades que modificam o ambiente, mas também analisar a extensão dos efeitos, e as características locais específicas de onde essa obra quer chegar. O PL 2159 sob discurso de ‘agilizar’, na verdade quer facilitar a aprovação via autolicenciamento, acabar com análises de órgãos ambientais e de outros importantes como a FUNAI, e diminuir as responsabilidades dos empreendedores. Quando pensamos em um bioma sociobiodiverso e tão estratégico para a meta climática, como é a Amazônia, liberar tais ações sem análise e diminuir responsabilidades de empreendedores é legalizar o desmatamento, a grilagem, e outras ilegalidades que violam direitos socioambientais e irão levar mais rapidamente ao colapso climático e ambiental.” Renata Utsunomiya, GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental (GT Infra).

“Um dos pontos mais problemáticos do PL 2.159 é a dispensa do licenciamento ambiental para casos de “melhoramento da infraestrutura em instalações preexistentes”. A redação abre uma brecha para eliminar o licenciamento de grandes projetos de alto risco socioambiental como a pavimentação da BR-319 entre Porto Velho e Manaus, numa região de baixa governança territorial, com enorme potencial para aumentar as taxas de desmatamento e os conflitos pela terra e outros recursos naturais”. Brent Millikan, GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental (GT Infra).

“Apesar de longo período de tramitação no Congresso Nacional, os parlamentares não foram capazes de viabilizar um diálogo aprofundado com organizações da sociedade civil, a comunidade científica e o próprio Ministério do Meio Ambiente, para se chegar num texto equilibrado que integrasse os legítimos interesses sociais, ambientais e econômicos da sociedade brasileira, no marco da Constituição de 1988.” Brent Millikan, GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental (GT Infra).

“O PL do licenciamento compromete as atuais e futuras gerações, empurrando a Amazônia para um cenário de convulsão social e ambiental. Projetos como a BR-319 e a Transamazônica rumo a Lábrea já atuam como vetores de desmatamento, e mesmo antes de qualquer licença, o simples anúncio do asfaltamento já impacta fortemente as populações locais. Se a legislação for flexibilizada, abriremos espaço para ainda mais conflitos sociais e ambientais.” Iremar Antonio Ferreira, Instituto Madeira Vivo (IMV).

“Na bacia do Madeira, estamos à beira da retomada de grandes obras, como as hidrelétricas Cachoeira do Ribeirão e Iata II, no complexo hidroelétrico do Madeira. Com um licenciamento mais frouxo, instrumentos fundamentais como os protocolos de consulta ou leis que reconhecem rios como sujeitos de direito, como o caso do Rio Lajeado em Guajará Mirim, serão enfraquecidos. Isso nos deixará sem mecanismos jurídicos eficazes para defender direitos coletivos, individuais e difusos.” Iremar Antonio Ferreira, Instituto Madeira Vivo (IMV).

“Caso esse retrocesso no licenciamento ambiental venha a ocorrer, a incorporação de riscos sociais e ambientais no planejamento setorial de infraestrutura, atualmente já necessária, será imprescindível. Boas práticas de processo decisório de seleção de  investimentos em infraestrutura adotam critérios e mecanismos que permitem a identificação e o descarte de projetos com elevado potencial de impactos antes mesmo de sua inclusão no orçamento público ou nos leilões para concessão à iniciativa privada. Em termos práticos, tais projetos devem ser descartados bem antes do processo de licenciamento ambiental.” André Luis Ferreira, diretor-executivo do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA)

 

Após a aprovação no Senado, por 54 votos a 13, o texto do PL retornará para votação na Câmara. Com isso, a mobilização da sociedade civil, que já foi fundamental para chamar atenção para os riscos do projeto, será ainda mais necessária para juntar esforços no sentido de evitar mudanças danosas na legislação. Para mais informações sobre os riscos do PL 1259/21, acesse https://pldadevastacao.org/.

Veja análises sobre o PL da Devastação:

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