O verdadeiro desafio estratégico do Brasil não é explorar mais petróleo, é liderar a transição energética e a economia do futuro.
Por Sérgio Guimarães, Secretário Executivo do Grupo de Trabalho Infraestrutura e Justiça Socioambiental
Às vésperas da COP 30, que ocorrerá na Amazônia, quando o mundo se reúne em busca de saídas para a emergência climática, o Brasil caminha na direção oposta. Sob forte pressão da indústria do petróleo e de políticos da região, o governo autorizou pesquisas para exploração de petróleo na Foz do Amazonas e na Margem Equatorial, ignorando os altos riscos ambientais e as evidências do agravamento do caos climático.
Os argumentos a favor da exploração são poderosos e sedutores: promessas de arrecadação bilionária; de investimentos e geração de empregos – especialmente em regiões historicamente mais pobres do país – e de recursos para financiar a própria transição energética. Mas tais justificativas não resistem a análises mais consistentes. Ignoram os altos custos e os elevados riscos da opção (ambientais, sociais, reputacionais e climáticos); além da perda de oportunidade de posicionar o Brasil como líder da economia verde global.
Todos sabem que, por mais rígidas que sejam as salvaguardas, o risco de vazamentos e acidentes em plataformas de alto-mar é alto — e os danos, muitas vezes, irreversíveis. E não estamos falando de qualquer região, mas da sensível Foz do Amazonas, um ecossistema vital para o equilíbrio climático e biológico do planeta.
A decisão contém um paradoxo evidente: quanto mais o país investe em novas fronteiras fósseis, mais se prende a um modelo econômico em declínio. Ao criar dependência de receitas futuras baseadas em recursos poluentes e voláteis, o Brasil está comprometendo sua autonomia estratégica e se afastando da liderança efetiva da transição energética — o que certamente traria vantagens comparativas e abriria caminhos para uma economia mais estável, inovadora e justa.
Cada investimento em petróleo é um passo atrás na corrida pelo protagonismo na economia verde, que já move trilhões de dólares e redefine a economia mundial. Persistir na lógica fóssil significa abdicar da chance histórica de o Brasil liderar um novo ciclo de prosperidade — fundado em energia limpa, inovação tecnológica e valorização de seus imensos ativos naturais. Apostar na transição não é renunciar ao desenvolvimento; é assumir o comando do próprio destino num mundo que muda depressa demais.
Por outro lado, as reservas de petróleo já existentes são suficientes para sustentar o consumo interno e garantir arrecadação por décadas — sem necessidade de abrir novas frentes de risco. Diante disso, a pergunta é inevitável: faz sentido abrir uma nova fronteira petrolífera justamente quando o planeta corre para se libertar dos combustíveis fósseis — os principais causadores da tragédia climática?
Do ponto de vista técnico e econômico, a resposta é clara: não faz sentido. A exploração em águas profundas é cara, demorada e incerta. Mesmo que as licenças fossem concedidas hoje, a produção comercial só começaria entre 2035 e 2040 — justamente quando as projeções indicam que a demanda global estará em declínio. Quando o óleo da Margem Equatorial estiver pronto para ser extraído, talvez não haja mais mercado nem preço que justifique o investimento
Como alertou recentemente António Guterres, secretário-geral da ONU: “Estamos vendo uma revolução nas energias renováveis; a transição se acelerará e a humanidade não conseguirá usar todo o petróleo e gás já descobertos.” Nesse caso, novos campos estariam, na prática, condenados à depreciação precoce.
Oportunidades e caminhos
Além dos enormes investimentos exigidos — que poderiam ser destinados a setores sustentáveis — e dos riscos ambientais e reputacionais, o Brasil perde a oportunidade histórica de liderar a economia do futuro e melhorar de forma duradoura as condições de vida de sua população.
Mais estratégico é o país investir com vigor no Plano de Transição Ecológica, proposto pelo Ministério da Fazenda, que orienta o país rumo a um modelo de desenvolvimento descarbonizado e resiliente, que prioriza a transição energética e a promoção de fontes renováveis, com potencial de gerar milhões de empregos permanentes, atrair investimentos internacionais e integrar o Brasil de forma plena à economia verde global — que já movimenta trilhões de dólares e cresce mais rápido que o PIB mundial.
Nessa mesma direção, diversas redes e organizações da sociedade encaminharam amplo um conjunto de contribuições ao governo, onde ressaltam a urgência da ampliação de programas de eficiência energética, desenvolvimento de mecanismos inovadores de financiamento da transição energética e reformas fiscais que substituam subsídios perversos aos combustíveis fósseis por incentivos à inovação sustentável.
O debate essencial não é técnico nem localizado: é civilizatório. O que está em jogo não é apenas o petróleo da Margem Equatorial, mas o próprio rumo do país. Escolher entre expandir a dependência fóssil ou liderar a transição energética, é decidir que tipo de prosperidade o Brasil quer vivenciar — a que se esgota no curto prazo ou a que se renova ao integrar desenvolvimento, dignidade e cuidado com a vida.
Apostar em mais petróleo é insistir em um passado que o planeta já não suporta.
Investir com resolução na transição energética é escolher o único caminho coerente com um futuro capaz de alinhar desenvolvimento, bem-estar e cuidado com a Casa Comum.





