Principais bancos estão contribuindo com US$ 395 bilhões para o colapso da biodiversidade desde o Acordo de Paris 

Novos relatórios revelam o financiamento crescente a setores destrutivos e destacam a necessidade urgente de regulamentações para que o setor financeiro contribua com as Metas Globais de Biodiversidade. Brasil lidera em financiamentos a setores com risco de desmatamento São Francisco (USA), 16 de outubro de 2024 – Com a aproximação da 16ª Conferência das Partes (COP16) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), novos dados e análises divulgados hoje pela Coalizão Florestas e Finanças — um grupo de dez organizações internacionais da sociedade civil — revelam que os maiores bancos do mundo destinaram mais de US$ 395 bilhões em crédito a setores que impulsionam a destruição das florestas e violações de direitos humanos em florestas tropicais desde a adoção do Acordo de Paris.  Somente no período mais recente de análise, janeiro de 2023 a junho de 2024, foram US$ 77 bilhões em crédito. A pesquisa destaca que os governos têm pautado a omissão em conter essa tendência, apesar de terem adotado o Marco Global de Biodiversidade (GBF) há quase dois anos. Os resultados evidenciam a necessidade urgente de medidas regulatórias robustas para alinhar as práticas financeiras com as metas globais de biodiversidade. O relatório “Financiando o Colapso da Biodiversidade” é a análise mais abrangente sobre o papel das finanças globais na destruição das florestas tropicais —  um estudo inicial publicado em dezembro de 2023. O relatório deste ano examina bancos e investidores que financiam 300 empresas operando em seis setores de commodities de alto risco — carne bovina, óleo de palma, celulose e papel, borracha, soja e madeira — de desmatamento, perda de biodiversidade e violações de direitos humanos no Sudeste Asiático, América Latina e África Central e Ocidental. Lançado em conjunto, o relatório “Regulamentação Financeira para a Biodiversidade” revela, juntamente com o estudo principal, que a maior parte do financiamento vem do Brasil, China, Indonésia, União Europeia e Estados Unidos. O Brasil, em particular, ocupa um papel central no financiamento desses setores destrutivos, sendo responsável por 72% de todo o crédito mundial destinado à produção e ao processamento primário das seis commodities com risco de desmatamento dos biomas brasileiros. “O setor financeiro precisa avançar na transparência de seus negócios, para que suas políticas corporativas de sustentabilidade sejam de fato escrutinadas por órgãos reguladores e a sociedade civil. Do ponto de vista da política pública, precisamos de marcos legais nacionais e internacionais mais fortes, evitando o financiamento de projetos predatórios. A governança das cadeias produtivas de commodities ainda é muito frágil. Sem mudanças, violações de direitos e a destruição de biomas continuarão a ocorrer”, afirma Marcel Gomes, secretário executivo da ONG Repórter Brasil, membro da Coalizão. Entre 2016 e junho de 2024, bancos brasileiros destinaram US$ 188 bilhões a essas empresas de risco à biodiversidade. No período mais recente de 18 meses (janeiro de 2023 a junho de 2024), apenas os três maiores bancos do país – Banco do Brasil, Bradesco e Itaú Unibanco – forneceram US$ 35 bilhões, principalmente para os setores de soja e carne bovina. “Os governos estão inertes enquanto os bancos continuam a financiar a destruição das florestas e violações de direitos humanos, sem qualquer restrição ou consequência”, afirma Tom Picken, diretor da campanha Florestas e Finanças da organização Rainforest Action Network (RAN), membro da Coalizão. “Com a COP16 se aproximando, é o momento de uma ação transformadora. A verdadeira ‘lacuna de financiamento’ para a conservação é, na verdade, uma lacuna regulatória para impedir que bancos e investidores continuem alimentando a crise de biodiversidade.” Brasil: epicentro do financiamento para setores que destroem a biodiversidade O programa de Crédito Rural do Brasil desempenhou um papel importante no crescimento desses setores, com um aumento de US$ 10,7 bilhões para o setor de soja e US$ 9,8 bilhões para o setor de carne bovina entre 2016 e 2023.  Além disso, os investimentos no setor aumentaram bastante por meio de instrumentos financeiros como Fiagros, CRAs, e LCAs. As regulamentações sobre esses produtos de investimento, vendidos a investidores privados, praticamente não possuem critérios socioambientais associados. Esses produtos são amplamente utilizados para financiar o setor agrícola e se tornaram uma fonte de capital fundamental para a expansão das atividades. Dados governamentais mostram que, em julho de 2024, o valor total dos instrumentos financeiros destinados ao setor agrícola brasileiro alcançou US$ 187 bilhões. “Sem mudanças regulatórias que imponham requisitos socioambientais mais rígidos e a responsabilização dos financiadores, o setor financeiro brasileiro continuará impulsionando a destruição das florestas e colocando em risco as metas de biodiversidade” disse Tarcísio Feitosa – articulador da Coalizão Florestas e Finanças para o Brasil. Enquanto incêndios florestais devastam a Amazônia durante uma das piores temporadas de queimadas já registradas, o relatório “Financiando o Colapso da Biodiversidade” detalha como a JBS, a maior empresa de processamento de carne do mundo, tem contribuído para a destruição de terras indígenas na Amazônia, apoiada por US$ 1,1 bilhão em crédito de grandes instituições financeiras. Apesar dos compromissos para práticas éticas, a JBS continua perpetuando o desmatamento e as violações de direitos humanos. Além disso, os relatórios apontam que as iniciativas voluntárias de sustentabilidade dos bancos estão falhando. Mais da metade dos 30 maiores bancos com risco de desmatamento florestal do mundo são membros de pelo menos uma iniciativa de sustentabilidade, como os Princípios para a Responsiabilidade Bancária (UNPRB), a Aliança Bancária por Zero Emissões Líquidas (NZBA) e a Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas à Natureza (TNFD). No entanto, tais compromissos não impediram a continuidade do financiamento para a destruição das florestas e as violações de direitos humanos. Sistemas de certificação como o Forest Stewardship Council (FSC) e a Mesa Redonda sobre Óleo de Palma Sustentável (RSPO) também não conseguiram evitar o desmatamento nem proteger os direitos humanos. “Bancos e investidores que dependem de esquemas de certificação falhos, como o FSC e a RSPO, são cúmplices do greenwashing e contribuem para as crises climática, de biodiversidade e de direitos humanos. As instituições financeiras devem assumir a responsabilidade pelos impactos de seus financiamentos e conduzir rigorosa diligência e verificação independente do cumprimento das políticas ambientais e sociais de seus clientes”, disse Jeff

Mais de 50 organizações pedem boicote ao edital da Fundação Cargill

Foto: Yuri Rodrigues/FASE Organizações da sociedade civil e movimentos sociais estão boicotando o edital “Semeia Fundação Cargill 2024”, lançado pela americana Cargill, líder do setor de agronegócio no Brasil, no dia 16 de fevereiro. Um manifesto lançado nesta quarta-feira, 3, foi assinado por mais de 50 entidades, incluindo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Associação Indígena Pariri, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Instituto Raoni e Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Mato Grosso (FEPOIMT). Para os indígenas, quilombolas, extrativistas, pescadores e demais comunidades tradicionais da Amazônia e Cerrado, trata-se de uma “tentativa da Cargill de limpar a sua imagem através do financiamento a projetos socioambientais comunitários e a supostos negócios de impacto” e “a única coisa que a Cargill semeia é a violação de direitos e a morte”. “Essa mobilização é necessária, porque não podemos aceitar que empresas que destroem a floresta e ignoram a nossa existência se vendam como amigas do meio ambiente. Eles oferecem dinheiro a projetos socioambientais, enquanto por trás  impulsionam projetos que podem destruir a Amazônia, como a Ferrogrão”, declara Alessandra Korap, liderança indígena do povo Munduruku no Pará e presidenta da Associação Indígena Pariri. As organizações denunciam ainda que a gigante do agronegócio faz lobby pela Ferrogrão: o projeto da ferrovia que está no PAC 3 do governo Lula, que, se tirada do papel, vai cortar 933 km de Floresta Amazônica ao meio para aumentar e escoar a produção, já recordista, de soja e milho no Mato Grosso e no Pará. Segundo Sérgio Guimarães, secretário executivo do GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental (GT Infra), “a Ferrogrão, é um projeto mal feito, que sequer considera alternativas e que se implantado, causaria fortes impactos na floresta e em todas as comunidades indígenas da região e que só se viabilizaria pela expansão da área plantada ao longo do trajeto causando desmatamento e inúmeros conflitos socioambientais”. Pedro Charbel, assessor de campanhas da Amazon Watch – organização participante do movimento de boicote – afirma que não há propaganda capaz de lavar a imagem da Cargill de suas violações diárias dos direitos dos povos e comunidades da Amazônia e do Cerrado. “A Cargill é um dos principais elos da cadeia de destruição desses biomas e, se depender de sua vontade de mais e mais lucro, projetos como a Ferrogrão agravarão ainda mais esse quadro”, defende. Violações da Cargill “A Cargill que alega preocupação com o meio ambiente, alimentação saudável e os direitos humanos é a mesma que impede pessoas de pescarem nas proximidades dos seus terminais portuários, que polui rios com suas barcas de soja, e modifica ecossistemas e modos de vida por seu desejo de lucro.  Ao afirmar que a sua missão é ‘promover a prosperidade das comunidades fortalecendo sistemas alimentares seguros, sustentáveis e acessíveis’, a Fundação Cargill tenta enganar consumidores do mundo todo e construir uma falsa imagem de empresa sustentável e ‘verde’ diante do mercado internacional”, diz o manifesto.  O documento ainda pontua que o edital Semeia quer esconder que a Cargill “estimula o desmatamento, a grilagem de terras, a perda de biodiversidade, e a utilização de cada vez mais agrotóxicos ao promover uma cadeia de monocultura predatória e ilegal, opera portos irregulares em Santarém e Itaituba, e assedia territórios quilombolas em Abaetetuba”. Por fim, as entidades convidam a população brasileira a se juntar ao movimento e não se inscrever no edital. “Se a Cargill quer de fato “apoiar histórias”, “cultivar vínculos” e “transformar o futuro”, que comece respeitando a legislação brasileira e internacional, os direitos dos povos e comunidades que habitam a Amazônia e o Cerrado, e interrompa  suas atividades de destruição nesses biomas”, finaliza a nota pública. Confira a nota pública na íntegra: Nós, organizações da sociedade civil, movimentos sociais e associações populares abaixo assinadas, denunciamos o  edital “Semeia Fundação Cargill 2024” e a tentativa da Cargill de limpar a sua imagem através do financiamento a projetos socioambientais comunitários e a supostos negócios de impacto. Para os povos indígenas, ribeirinhos, pescadores artesanais, quilombolas, camponeses e comunidades tradicionais diversas da Amazônia e do Cerrado, a única coisa que a Cargill semeia é a violação de direitos e a morte: a empresa atua  impulsionando a destruição desses biomas e favorece o complexo  global da soja e do milho, violando diretamente os direitos e modos de vida dessas pessoas através de suas infraestruturas e operações  logísticas. A verdadeira Cargill, considerada a segunda maior empresa de capital fechado do mundo, não defende a natureza nem as comunidades locais, mas sim projetos de destruição como a Ferrogrão: uma ferrovia de 933 km que cortaria a floresta amazônica ao meio para aumentar ainda mais a produção, já recordista, de soja e milho no Mato Grosso e no Pará. Proposta e defendida pela Cargill, ADM, Bunge, Louis Dreyfus e Amaggi, a Ferrogrão resultaria em mais desmatamento, mais emissões de gases de efeito estufa, e ainda mais violações na região do corredor logístico Tapajós-Xingu – cujos portos, hidrovias, e rodovias já acumulam impactos socioambientais profundamente negativos. Com estudos falhos e ignorando alternativas, o projeto viola a constituição ao ameaçar diminuir o Parque Nacional do Jamanxim e desrespeita o direito à consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas e comunidades tradicionais da região. A Cargill que alega preocupação com o meio ambiente, alimentação saudável e os direitos humanos é a mesma que impede pessoas de pescarem nas proximidades dos seus terminais portuários, que polui rios com suas barcas de soja, e modifica ecossistemas e modos de vida por seu desejo de lucro. Ao afirmar que a sua missão é “promover a prosperidade das comunidades fortalecendo sistemas alimentares seguros, sustentáveis e acessíveis”, a Fundação Cargill engana consumidores do mundo todo e constrói uma falsa imagem de empresa sustentável e “verde” diante do mercado internacional. A Cargill que o edital Semeia quer esconder estimula o desmatamento, a grilagem de terras, a perda de biodiversidade, e a utilização de cada vez mais agrotóxicos ao promover uma cadeia de monocultura predatória e ilegal, opera portos irregulares