G20 | T20 – A construção da ponte até a sustentabilidade é feita tijolo por tijolo forjados na ciência, no diálogo e na pressão

Organizado pelo BRICS Policy Center/Instituto de Relações Internacionais – PUC-Rio, pelo GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental, pelo Derecho, Ambiente y Recursos Naturales (DAR-Peru) e pela Cátedra Josué de Castro/IEE/USP em parceria com o T20/G20, o webinar “Infraestruturas Sustentáveis em Regiões Ambientalmente Sensíveis” trouxe para a sociedade o policy brief “Oportunidades e Desafios para Promover Infraestrutura Sustentável, Resiliente e Inclusiva em Regiões Ambientalmente Sensíveis” no âmbito do subgrupo de trabalho TF02 do T20, vinculado ao G20. O policy brief pode ser acessado nesse link. Como muitos sabem este ano a presidência do grupo que integra as 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia está sob a direção do Brasil. O que poucos sabem é que o governo brasileiro optou por formar grupos de trabalho temáticos e as forças-tarefa oficiais envolvendo os diferentes setores da sociedade na elaboração de propostas e os grupos de engajamento, como o T20 e o C20, que auxiliam no processo de cumprimento da missão do G20 de construir um mundo mais justo e sustentável. Se quiser saber mais sobre o funcionamento do G20 dê uma olhada aqui. O T20, reúne os Think Tanks mundiais, organizações dedicadas à ciência e que promovem estudos sobre a mais variada gama de assuntos. O webinar apresentou um novo conceito de infraestrutura que vem sendo estudado e costurado entre os saberes ditos científicos e os saberes tradicionais ou empíricos. O professor Ricardo Abramovay (USP) falou da infraestrutura da natureza, da economia do cuidado, da importância que o governo e a iniciativa privada vem dedicando à bioeconomia e como isso dialoga com a infraestrutura que deve ser pensada levando em conta a sociobiodiversidade. Abramovay fez uma crítica em relação às propostas da bioeconomia que não tem a mínima chance de dar certo enquanto dominar o modelo convencional de megaobras voltadas à exportação de commodities do agronegócio, advindos de monoculturas de larga escala, com alta pegada socioambiental. Para o professor, “as infraestruturas de transporte rodoviário, ferroviário e hidroviário trazem custos gigantescos para a floresta. Elas agravam as emissões de gases de efeito estufa e deixam rastros destrutivos em aglomerações urbanas”. Abramovay produziu com o GT Infraestrutura o livro “Infraestrutura para o desenvolvimento sustentável da Amazônia” que traz esse novo paradigma para o tema. Foram apresentadas ações nos âmbitos locais, regionais, nacionais e transfronteiriças e alguns elementos, caros ao GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental, precisam ganhar o necessário destaque. “Precisamos aperfeiçoar o planejamento setorial da infraestrutura fazendo as análises prévias de alternativas e a inclusão dos custos socioambientais antes do anúncio das obras” explicou Brent Millikan (Secretaria Executiva do GT Infra) repercutindo a fala do André Ferreira (IEMA) , porque o mero anúncio de possíveis projetos já começa a causar pressões nos territórios. Precisamos trazer a sociobiodiversidade para o centro dos debates, a opinião e as necessidades daqueles que vivem e produzem na Amazônia. Não é possível continuarmos a ignorar a Convenção 169 da OIT que estabelece a consulta livre, prévia e informada. Não é possível que novas obras de infraestrutura repitam Tucuruí como bem lembrou Caetano Scannavino (PSA) ao citar que há 26 anos as comunidades do entorno da usina aguardam a energia elétrica chegar até eles e o que lhes coube foi o ônus das obras e seus efeitos sobre a biodiversidade e sobre os recursos hídricos locais. Aliás, o projeto de implantação de energia, telecomunicação, água tratada e saúde que tem no Projeto Saúde e Alegria (PSA) um grande parceiro segue dando exemplo no processo de formação e capacitação das comunidades de maneira que aos poucos nos tornamos inúteis, segundo Caetano, “não queremos formar pessoas ong-dependentes, pelo contrário”. Outras experiências como o Plano BR-163 Sustentável[1] que produziram uma grande quantidade de informação e poderiam contribuir com a governança e a transparência nas ações nos territórios foram lembrados como um desperdício de conhecimento, pois os impactos gerados poderiam ser consideravelmente reduzidos. A participação do Peru, com Cesar Gamboa (DAR), da Colômbia com Maryi Serrano (FCDS-Colômbia) e Daniela Nieto (WWF-Colômbia), bem como a participação do prof Anthony Bebbington da Clark University (USA) e de Mahmoud I Mahmoud – Africa Policy Research Institute (APRI) ampliaram as perspectivas do tema integrando os aspectos regionais e os cenários de enfrentamento que precisam ser considerados inclusive do ponto de vista político. A última a falar dos palestrantes foi a Tatiana Schor que está na unidade intitulada Amazon Unit, do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID. Tatiana falou do processo de ‘amazonizar’ as iniciativas do BID, reconhecendo a necessidade de entender melhor as populações e as suas demandas, bem como trabalhar de forma articulada com outros bancos públicos e de financiamento para ampliar a transparência e a participação no processo de governança e aplicação dos recursos. Hoje o BID vem fomentando o aperfeiçoamento do processo de planejamento e atuando com combos, nos dizeres da Schor, para contemplar os diferentes aspectos do investimento em infraestrutura. Tatiana fez uma sinalização interessante no sentido de aproveitar iniciativas como a LIVV da Colômbia como uma referência para estratégias em outros países amazônicos, o que deveria envolver, em tese, a iniciativa Rotas de Integração Sul-Americana, lançada pelo MPO e que o BID está apoiando, junto com outros bancos como o BNDES, a CAF, o FONPLATA, etc. [1] A construção do Plano, entre 2003 e 2005, foi inovadora, como exemplo de colaboração entre governo e sociedade civil organizada, mas faltou a implementação, como foi abandonado com o lançado do PAC no início de 2007.

Infraestrutura, Desmatamento e Ações Necessárias

Consequências e Causas do desmatamento. São amplamente conhecidas as consequências diretas e indiretas do desmatamento da Amazônia; sobre a floresta, suas comunidades e o clima regional e global. Está evidenciado também, segundo a quase unanimidade dos cientistas, que a continuidade dessa dinâmica levará a floresta ao ponto de “não retorno”, a partir do qual pode se desencadear processos irreversíveis de degradação,  perdendo a capacidade de se regenerar por si mesma. O que na prática pode significar o fim da floresta enquanto bioma capaz de contribuir para a estabilidade do clima, agravando de forma dramática e até mesmo imprevisível situações climáticas extremas já vivenciadas em todo Brasil, como fortes secas e inundações. Contexto em que se tornarão inócuos todos os esforços que estão sendo feitos pelo Brasil e outros países para reverter a situação. Por isso mesmo, existe um consenso entre cientistas, setores do governo e importantes segmentos da sociedade, especialmente as comunidades da região, que é urgente reduzir e zerar o desmatamento na Amazônia. Nesse sentido, o Brasil tem compromissos internos e internacionais bem claros de desmatamento zero até 2030 – sem esquecer a necessidade de investir forte em restauração florestal. Na Cop26 em Glasgow, por exemplo, o país se comprometeu a zerar o desmatamento ilegal até 2028 e neutralizar as emissões de carbono até 2050.[1] Grandes obras de infraestrutura são historicamente e continuam sendo, um dos principais vetores de desmatamento; rodovias, ferrovias e hidrelétricas têm se constituído ao longo dos anos, mesmo com medidas compensatórias estabelecidas (nem sempre cumpridas), em uma das causas fundamentais de desmatamento na região amazônica; pois viabilizam a ocupação do território e a expansão da agropecuária que impõem mudanças de uso do solo na região, principalmente considerando as condições de governança territorial. Desde a BR 364, que impulsionou a ocupação de Rondônia, (iniciada no governo de Juscelino Kubitscheck e concluída a ligação entre Cuiabá e Porto Velho, em 1966), a BR  230, conhecida como Transamazônica, até a BR 163 (Cuiabá – Santarém), todas se constituíram no fator decisivo do processo de devastação na região. A BR-163 por exemplo continua sendo o principal vetor do desmatamento em toda sua área de influência  e causando enormes danos.[2] Da mesma forma, grandes hidrelétricas como Tucuruí no rio Tocantins, Belo Monte no rio Xingu, Santo Antônio e Jirau no rio Madeira e quatro barragens construídas simultaneamente no  rio Teles Pires (afluente do Tapajós) além dos impactos diretos na floresta, na fauna aquática, no regime hídrico de grandes rios e nas comunidades ribeirinhas, também contribuem para o desmatamento, emissões de metano e outros gases de efeito estufa e a ocupação desordenada da região, incentivando a migração para cidades da região que já padecem de enormes déficits de infraestruturas básicas. A perspectiva de um grande número de novos empreendimentos de infraestrutura[3] nos setores de transporte e energia, anunciadas em diferentes programas governamentais, têm um gigantesco potencial de impacto. Na grande maioria dos casos, os estudos realizados subestimam os riscos socioambientais, os impactos cumulativos entre diversos projetos no mesmo território e, sequer, avaliam alternativas. A título de exemplo, estudo realizado pelo CPI, centro de pesquisa ligado à PUC/RJ, mostra que somente a pavimentação da BR 319 tem uma área de influência de 300 mil Km² com enorme potencial de desmatamento. Para se ter uma ideia da dimensão desse território, o Estado de São Paulo  tem 248 mil Km² de superfície.[4] Grandes projetos têm sido apresentados sem estudos suficientes para uma tomada de decisão com base técnica. Em sua maioria têm sido definidos a partir de interesses políticos e de setores econômicos diretamente envolvidos e que aprofundam o modelo de desenvolvimento que tem causado todo o processo de desmatamento na região.  Citamos aqui a Ferrogrão (um projeto de ferrovia de 933 km² de extensão, entre Sinop (MT) e Santarém (PA) passando por áreas extremamente sensíveis),[5] hidrelétricas no Rio Madeira, hidrovia no Tocantins e mais recentemente a proposta de Corredores de Integração Sul Americana.[6] Esse conjunto de empreendimentos, se implementados nas atuais condições de governança territorial, agravarão ainda mais os impactos sobre a floresta, suas comunidades e o clima regional e global e certamente, contribuirão para inviabilizar o alcance das metas de redução do desmatamento previstas, tanto internamente, (sintetizadas no PPCDAm)[7], bem como, o cumprimento dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil[8] em relação às emissões de gases GEE. Acordos que estabelecem uma redução de 48,4% em relação às emissões de 2005, já em 2025, e de 53,1% em 2030. O aumento vertiginoso de eventos extremos no Brasil e em todo o mundo não deixa dúvidas da necessidade de cumprimento dessas metas. A urgência de combater e zerar o desmatamento – o que é preciso ser feito Importantes esforços estão sendo desenvolvidos nessa agenda, tanto por organizações da sociedade, com a realização de estudos e ações de incidência; quanto pelo próprio governo, com a implementação do PPCDAm[9] e em alguns casos, alcançando resultados significativos[10], porém ainda, largamente insuficientes diante da magnitude dos desafios. Portanto, é urgente ampliar e fortalecer as diversas frentes de ação para reduzir os riscos socioambientais e econômicos de grandes obras de infraestrutura. Uma estratégia de atuação efetiva deve ter como meta principal a proteção da floresta, dos sistemas hídricos e ao mesmo tempo respeitar as comunidades e beneficiar a economia regional e a vida no planeta como um todo, especialmente, em termos de biodiversidade, e equilíbrio climático. Deve estabelecer espaços de diálogo entre o poder público, organizações da sociedade, movimentos sociais e seus aliados, assim como de outros stakeholders-chaves; tanto para tratar de casos emblemáticos nos territórios, quanto para estabelecer mecanismos que fortaleçam as políticas públicas e os processos de tomada de decisão. Para superar problemas crônicos, sobretudo, relacionados aos riscos socioambientais e ao desrespeito de direitos de comunidades locais, é preciso que a participação ocorra desde o início do processo decisório dos grandes empreendimentos. É fundamental garantir o direito à Consulta Livre, Prévia e Informada das comunidades potencialmente atingidas. A falta de transparência e participação da sociedade contribuem para a escolha de mega-projetos que atendem principalmente os interesses de