Documento alerta para risco de contradições internas e pede que o Brasil lidere na COP 30 defendendo planos de transição energética justa em todos os países.
Mais de 50 redes e organizações da sociedade civil divulgaram nesta terça-feira (23) a Carta Aberta “Transição Energética Justa e Popular: A presidência brasileira na COP 30 e a necessidade de liderar pelo exemplo”. O documento, enviado a ministros e autoridades brasileiras, alerta para o risco do país chegar à conferência do clima da ONU em Belém, que acontece em dois meses, sem corresponder às expectativas de liderança na transição energética, e também aponta caminhos concretos para que o Brasil exerça protagonismo e lidere pelo exemplo.
A Carta reconhece o esforço do governo em incluir a transição energética justa entre as prioridades da COP 30 e defende que o Brasil proponha que todos os países adotem planos de transição vinculados às suas NDCs (Contribuição Nacionalmente Determinada), elaborados com governança democrática, transparência e participação social efetiva em todas as etapas, evitando o velho modelo autoritário de planejamento. O texto ressalta a necessidade de metas ambiciosas para redução de emissões e a substituição do uso de combustíveis fósseis, junto com a democratização do acesso e geração de energia, e a aplicação de rigorosas salvaguardas socioambientais para novos empreendimentos do setor, com respeito ao Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI). Cobra o desenvolvimento de ressalvas específicas para a exploração de minerais utilizados em estratégias de transição energética, assegurando proteção ambiental e respeito aos territórios, além da construção de mecanismos de financiamento inovadores, que estimulem alternativas sustentáveis, em vez de apostar, por exemplo, na contradição de financiar a transição com a própria expansão do petróleo.
Mas, para que esse papel de liderança seja crível, o Brasil precisa começar pelo exemplo dentro de casa, alertaram as redes e organizações. Apesar de esforços recentes, como a criação da Política Nacional de Transição Energética (PONTE), do Plano (PLANTE) e do Fórum Nacional de Transição Energética (FONTE), concebidos também como espaço de participação social, os avanços ainda não são concretos. O FONTE sequer se reuniu e o PLANTE segue sendo elaborado de forma centralizada pelo Ministério de Minas e Energia (MME), sem transparência metodológica e sem participação efetiva da sociedade.
Enquanto isso, o governo anunciou medidas contraditórias, como a exploração de petróleo na Margem Equatorial, na foz do rio Amazonas, interesse na indústria nuclear, inclusive com a hipótese de reatores flutuantes na Amazônia; a proposta de uma nova hidrelétrica de grande porte na fronteira de Rondônia com a Bolívia, repetindo problemas já documentados nas hidrelétricas de Santo Antônio, Jirau (RO) e Belo Monte (PA); além da expansão de eólicas e solares no Nordeste, sem salvaguardas socioambientais, acumulam impactos e pressionam comunidades.
As organizações concluem que o Brasil só poderá exercer liderança na COP 30 se conduzir uma transição energética justa e popular com transparência, participação social e respeito aos direitos humanos e aos territórios.
A Carta é co-assinada pelas seguintes redes da sociedade civil: GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental, GT Clima e Energia / Observatório do Clima, Frente por uma Nova Política Energética – FNPE, Coalizão Energia Limpa, Coletivo Nordeste Potência, Coletivo Ativista, Comitê de Defesa da Vida Amazônica na bacia do Rio Madeira- COMVIDA, Comitê de Energia Renovável do Semi-Árido (CERSA), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Articulação Antinuclear Brasileira, Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental – FMCJS, Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas – FONASC, Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais – FBOMS, Teia Carta da Terra Brasil, Rede Convergência pelo Clima – Bahia, Coalizão pelos Rios, Coletivo Ativista, Grupo de Trabalho Amazônico – GTA, Mulheres Unidas Com o Brasil – MUCB, Rede Brasileira de Justiça Ambiental – RBJA, Rede Mata Atlântica, Rede Pantanal, Rede Pampa e Rede Ambiental do Piauí
Também subscrevem a carta aberta as seguintes organizações: 350.org Brasil, Associação Alternativa Terrazul, Associação Mineira de Defesa do Ambiente – Amda, Associação Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania, ASIBAMA-RS, Associação Mulheres na Comunicação – AMC, Centro de Estudos Ambientais- RS, Centro Palmares de Estudos e Assessoria por Direitos, ClimaInfo, Conectas Direitos Humanos, Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras, ECOA – Ecologia e Ação, FASE – Solidariedade e Educação, Fundação Ecológica Cristalino – FEC, Fundação Grupo Esquel Brasil – FGEB, Greenpeace Brasil, Grupo Ambientalista da Bahia – GAMBÁ, Grupo de Estudos em Educação e Meio Ambiente – GEEMA, Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Água – GENÁGUA, Instituto de Energia e Meio Ambiente – IEMA, Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC, Instituto Floresta Viva, Instituto Madeira Vivo- IMV, Instituto Socioambiental – ISA, Instituto Zé Claudio e Maria, International Rivers, Laboratório de Pesquisa em Política Ambiental e Justiça – LAPAJ, Projeto Saúde e Alegria, SOS Chapada dos Veadeiros e Transparência Internacional – Brasil
Leia a carta aberta na íntegra aqui:
https://gt-infra.org.br/wp-content/uploads/2025/09/Carta-Aberta_-TEJPI-e-COP-30_220925.-pdf.pdf
ASPAS DE PARCEIROS:
“O Brasil deu um passo importante ao ser o primeiro país do mundo a falar a sério sobre transição energética e fim dos combustíveis fósseis na NDC, a meta climática que submeteu à ONU no ano passado. Só que, dentro de casa, estamos fazendo o exato oposto do que prometemos fazer fora: dobrando a aposta em energia suja que cria riscos climáticos, sociais e econômicos intoleráveis. Isso compromete nossa liderança na COP30. Cadê o plano de transição energética? E cadê a participação da sociedade em sua elaboração?” – Claudio Angelo, coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima
“Precisamos urgentemente de um mundo com menos carbono. As energias renováveis são fundamentais, mas também sua expansão de forma justa e respeitosa com quem vive nos territórios onde as usinas são instaladas, para não aprofundar as desigualdades e criar outros problemas ambientais. Isso significa uma transição justa, e esperamos que o governo brasileiro lidere esse movimento.”
– Cristina Amorim, coordenadora da Iniciativa Nordeste Potência
“A transição energética deve ser feita fortemente embasada em princípios como sustentabilidade socioambiental, justiça e inclusão social, respeito aos direitos das populações afetadas por empreendimentos de energia e democratização da energia, que diz respeito não apenas à participação popular nas decisões da política energética nacional, mas significa também a possibilidade que hoje as pessoas possuem de participarem ativamente do aumento da renovabilidade da matriz através da geração descentralizada de energia elétrica.
Por isso, é essencial que o enorme potencial desta modalidade de geração, constituída principalmente de energia solar fotovoltaica, continue sendo aproveitado e seja mais incentivado no país, pois apesar de segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica o Brasil já contar com mais 3,8 milhões de sistemas de geração descentralizada – que beneficiam no total mais de 6,8 milhões de unidades consumidoras e totalizam mais de 43 mil MW de potência instalada, ainda há margem para que muito mais pessoas, famílias e comunidades brasileiras participem de uma transição energética que pode ser considerada justa, popular e inclusiva”.
– Joilson Costa, coordenador executivo da Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil
“Garantir a participação efetiva de povos e comunidades na transição energética não é gentileza, é condição de sucesso. Sem povo na mesa, do desenho à governança, a transição vira promessa vazia, vira corredor de exportação, zonas de sacrifício e conflito. Precisamos de Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI) de verdade, salvaguardas sociais, benefícios locais e prioridade para soluções descentralizadas, tais como como solar comunitária e bioenergia de resíduos que gerem renda comunitária, acesso à energia e proteção de territórios. A Amazônia não é fronteira de exploração, é território de direitos e de inovação. Com as comunidades, fazemos uma transição justa; sem elas, repetimos a velha exploração”
– Adilson Vieira, coordenação de articulação e parcerias do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA)
“O Brasil colocou a transição energética entre as prioridades da COP 30 se propondo, inclusive, a liderar esse processo. Entretanto, na prática, tem caminhado na direção oposta com propostas de ampliação na exploração de petróleo e insistindo na construção de hidrelétricas na região amazônica – desconsiderando as tristes lições dos desastres socioambientais de casos como as UHEs Santo Antônio, Jirau e Belo Monte, entre outros. Essa falta de coerência enfraquece as políticas brasileiras, prejudica a credibilidade internacional e inviabiliza a chance do país de ser líder global em energia limpa. Ainda mais, compromete a possibilidade da COP 30 alcançar resultados mais efetivos, que pode se transformar numa grande perda de oportunidades do mundo caminhar na direção de soluções efetivas para os grandes desafios da emergência climática.
Somente pela coerência entre os “bons propósitos” dos discursos e suas iniciativas concretas, o Brasil só poderá exercer liderança na COP 30 e conduzir uma transição energética justa com participação social e respeito aos direitos das comunidades. O exemplo brasileiro pode ser o fator que definirá se a COP 30 ficará marcada como uma oportunidade perdida ou como o início de uma nova fase: a das ações concretas de transição energética, não apenas das promessas. O tempo pode estar se esgotando.”
– Sérgio Guimarães, secretário executivo do GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental
“Os biomas brasileiros não podem ser o palco de novas rodadas de destruição disfarçadas de desenvolvimento. O Brasil tem diante de si uma escolha histórica: ou segue insistindo no petróleo, enfraquecendo sua autoridade na COP 30, ou assume de vez uma transição energética justa e popular, construída com os povos indígenas, as comunidades tradicionais e toda a sociedade. Essa é a liderança que o mundo precisa e que o Brasil pode oferecer.”
– Ilan Zugman, diretor 350.org América Latina e Caribe