Hora de abandonar as grandes hidrelétricas
Por Sérgio Guimarães / Joílson Costa Nas últimas semanas, autoridades do Ministério de Minas e Energia declararam que o governo brasileiro estaria abdicando da construção de grandes hidrelétricas. Aparentemente, eles estão reconhecendo uma situação de fato. Num cenário de Eletrobras privatizada, ficaria difícil mobilizar recursos para empreendimentos economicamente inviáveis. Às vésperas do carnaval, no entanto, foi divulgado um controverso acórdão em que o TCU, mesmo levantando alguns pontos importantes, entrou na contramão ao manifestar uma visão desatualizada, que considera a energia hídrica como a única alternativa razoável para o Brasil. Mas a realidade é que há fatores que abrem uma janela de oportunidade incontestável para o país enterrar de vez as grandes hidrelétricas e seus inaceitáveis impactos sociais e ambientais. O principal é o aumento da competitividade das renováveis. Há forte queda de preços de energia eólica e solar frente à hidrelétrica desde 2011. Preços que continuarão caindo à medida que elas incorporarem mais tecnologia. Já hidrelétricas ainda são feitas como na época dos generais: concreto, aço, atrasos e sobrepreço. Seu custo é artificialmente competitivo por condições de financiamento vantajosas e pela subestimação de seus impactos socioambientais. Além disso, as grandes hidrelétricas, cujo potencial restante está concentrado na Amazônia, tendem a deixar o Sistema Interligado Nacional mais inseguro, seja pela distância da carga até os centros de consumo, seja pela vulnerabilidade climática crescente dos reservatórios. A proposta de abandonar as grandes barragens é realista. Mas, para isso, o governo deverá adotar ações concretas: como, por exemplo, um decreto presidencial que realinhe o Plano Nacional de Energia (PNE) e a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) do Brasil no acordo global do clima, ainda montados sobre forte expansão hidrelétrica. É preciso reverter decisões que impactam comunidades na Amazônia, como o decreto presidencial de 2010 que reduziu mais de 75 mil hectares de áreas protegidas para reservatórios então previstos no Tapajós. Também são urgentes a demarcação da terra indígena Sawre Muybu, dos índios munduruku, e o registro da Kayabi, no Rio Teles Pires. Sem novas grandes hidrelétricas, mas com soluções adequadas — como eficiência energética, ampliação da escala da energia solar e eólica, aumento da geração distribuída e redes inteligentes, além de térmicas a biomassa e alguma a gás natural no período de transição — , viabiliza-se a segurança do sistema e a modicidade tarifária. Trilhando um novo caminho energético, promoveremos a evolução tecnológica com a criação de empregos de qualidade de que o Brasil tanto precisa. Não há mais espaço para novas aventuras amazônicas. Sérgio Guimarães é coordenador do GT Infraestrutura, e Joílson Costa é coordenador executivo da Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil
Organizações pleiteiam maior participação da sociedade civil no planejamento energético nacional
A Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil e o GT Infraestrutura – duas redes de organizações da sociedade civil, elaboraram uma contribuição conjunta à Consulta Pública nº 65/2018 do Ministério de Minas e Energia (MME), que trata do processo de elaboração do Plano Nacional de Energia – PNE 2050, instrumento de planejamento energético de longo prazo no país. Entre as várias sugestões apresentadas, as redes ressaltaram a importância de criação e formalização de mecanismos e processos voltados para garantir a transparência e a participação da sociedade civil em todo processo de elaboração do plano, inclusive com a realização pelo MME de uma Conferência Nacional de Energia, seguindo o exemplo de outros ministérios, a fim de possibilitar uma participação mais ampla. Já como aspectos fundamentais a serem levados em consideração no PNE 2050, a contribuição conjunta cita a necessidade da efetiva incorporação dos direitos humanos, considerando o marco legal nacional e os acordos internacionais dos quais o Brasil faz parte; e a integração de aspectos socioambientais e territoriais, a exemplo da gestão de bacias hidrográficas, com o uso sustentável dos recursos hídricos, e os direitos territoriais de povos indígenas e outras populações tradicionais. Para o coordenador do GT Infraestrutura, Sérgio Guimarães, “é fundamental que a sociedade civil participe ativamente do planejamento energético nacional, pois é ela quem pode garantir o equilíbrio das soluções e evitar o prevalecimento de interesses de grupos econômicos e de práticas de corrupção envolvendo agentes do estado.” Em sua opinião, a participação da sociedade pode ajudar a prevenir os impactos sociais e ambientais negativos de grandes obras sobre as populações locais. Para o especialista em energia e sustentabilidade do Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), Clauber Braga, que participou da elaboração da proposta, a participação social é exercício de cidadania e, portanto, uma oportunidade da sociedade dizer que modelo de desenvolvimento ela deseja. Para o especialista “a expectativa é que essas contribuições sejam analisadas e levadas em consideração no momento de se tomar a decisão de qual caminho o Brasil irá seguir, que esperamos que seja um modelo mais sustentável, de menor impacto e que custo menos ao consumidor”. Outro colaborador na elaboração do documento conjunto, o engenheiro eletricista e coordenador executivo da Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil, Joilson Costa, considera que a iniciativa da consulta pública é louvável e que a contribuição das duas redes é uma clara manifestação de que a sociedade civil tem plenas condições de opinar, inclusive tecnicamente, sobre um tema complexo, porém essencial para a qualidade de vida dos brasileiros. Confira a íntegra do documento do GT Infraestrutura e da Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil e no site do Ministério de Minas e Energia todas as contribuições à referida consulta pública.