Por que precisamos ouvir os indígenas na COP26

Os povos originários são nossa melhor aposta para conservar 80% da biodiversidade que o planeta ainda tem Quem esteve de olho no noticiário nos últimos meses viu que voltou à pauta do Supremo Tribunal Federal a discussão do Marco Temporal Indígena, julgamento que é central para o futuro dos povos originários no Brasil porque legisla sobre o direito mais fundamental: a terra. Mulheres indígenas de 150 etnias organizaram protestos em Brasília contra o projeto e a COP26, que acontece em Glasgow, está recebendo a maior delegação de lideranças brasileiras da história da conferência. Eles estão lá para pautar a demarcação de terras indígenas e a importância dos povos tradicionais para criar e promover soluções climáticas efetivas baseadas na natureza e nas comunidades que vivem em harmonia com ela há séculos. Precisamos reconhecer a contribuição desses povos para a preservação ambiental e para isso é fundamental demarcar seus territórios. “Nos colocamos contra falsas soluções baseadas em inovações tecnológicas elaboradas a partir da mesma lógica desenvolvimentista e produtivista que provoca as mudanças climáticas. Criticamos soluções que não reconheçam os povos indígenas e comunidades locais como o ponto central na defesa das florestas, da diminuição do desmatamento e das queimadas, e como essenciais para a garantir que a meta declarada de manter o aquecimento global abaixo de 1,5 graus Celsius”, destaca trecho da mensagem da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) aos líderes mundiais, empresários, gestores públicos e organizações da COP26. Sônia Guajajara, destacada líder indigena brasileira, conhecida no Brasil e em todo o mundo e coordenadora da APIB, está em Glasgow, numa delegação coordenada pelos assessores estratégicos internacionais, Marcus Vinicius Ribeiro & Zachary Kuipers, do 4H5H MEDIA. “Não há solução para a crise climática sem a demarcação dos nossos territórios”, destaca, lembrando que, comparados às demais terras públicas, os territórios indígenas são os que mais contribuem para o equilíbrio climático. “Então nós precisamos que o mundo inteiro escute o que os povos indígenas têm a dizer”, completa, em entrevista para o novo episódio do podcast Infraestrutura Sustentável. Os povos indígenas são um exemplo de convivência e de relação de respeito com a floresta e uma riqueza cultural maior que qualquer minério ou produto que podemos extrair das regiões onde vivem. “Preservar os seus direitos é mais importante que qualquer grande obra”, ressalta Sérgio Guimarães, secretário executivo do GT Infraestrutura, uma rede de 40 organizações unidas para debater modelos sustentáveis de desenvolvimento baseados na justiça socioambiental. Ele explica que a floresta é a principal infraestrutura da Amazônia: faz chover na maior parte do Brasil, estabiliza o clima, abriga enorme biodiversidade, garante a sobrevivência dos povos originários e é base para o desenvolvimento do Brasil. Demarcar os territórios indígenas é importante, mas não basta. “É preciso respeitar o modo de vida dos povos indígenas porque é exatamente ele que garante essa preservação que a gente tanto fala. Se hoje nós indígenas somos 5% da população mundial e conseguimos preservar 82% da biodiversidade que ainda resta no planeta é porque nós temos muito a ensinar. E a sociedade inteira precisa entender, respeitar e se reconectar com a Mãe Terra”. Se queremos continuar vivendo neste planeta, deveríamos aprender com quem faz isso desde sempre. Por sorte, essas pessoas estão dispostas a compartilhar esse conhecimento com o mundo. Se os líderes da COP26 derem a seus representantes o destaque que merecem, todo o planeta ganha. Este artigo foi escrito por Alexandre Mansur e Angélica Queiroz e publicado, originalmente, na Exame. Foto: Sonia Guajajara com Principe Charles (APIB/Divulgação)
Para dentro da sala

Governos, empresas, fundos privados e bancos anunciam bilhões em investimento em florestas na COP26. Indígenas pedem mudança de tratamento nas negociações sobre clima Andreia Fanzeres/Operação Amazônia Nativa (OPAN) Na manhã desta terça-feira, a presidência da COP26 promoveu um evento sobre florestas e uso do solo, um tema estratégico para enfrentar o aquecimento do planeta. Falaram muitos chefes de Estado, recepcionados pelo primeiro ministro britânico Boris Johnson, como o presidente da Colômbia, Iván Duque Márquez, o presidente da Indonésia, Joko Widodo, da República Democrática do Congo, Félix Tshisekedi, entre outros líderes de nações que detém importantes extensões de florestas tropicais e experiência em políticas ligadas à sua gestão e manejo. A ausência do Brasil, por todos os avanços que fez historicamente nessa área, foi gritante e incômoda. A participação do Brasil se restringiu à brevíssima aparição de Jair Bolsonaro em um vídeo exibido no intervalo com falas gravadas por alguns dos 105 líderes mundiais signatários da “Declaração de Glasgow sobre Florestas e Uso do Solo”, em que se disse comprometido com o fim do desmatamento ilegal até 2030. A mensagem do presidente brasileiro apareceu após outras, como a do russo Vladmir Putin, também curta e pouco empolgante. Pelo sofrível desempenho ambiental em seus países, os dois não inspiraram nenhuma credibilidade. Apesar de ter sido um encontro de líderes, com a participação anfitriã do Príncipe Charles, além de CEOs das empresas multinacionais mais ricas do mundo e de banqueiros com discurso e comprometido com a luta pelo equilíbrio climático, quem brilhou foram os povos indígenas. O reconhecimento de seu papel para o enfrentamento das mudanças climáticas por meio da preservação de seus territórios, sua cultura e respeito aos seus direitos se expressou pela menção inescapável nas falas de cada um dos líderes dos países. “Eu sou uma mulher indígena que vê as florestas como lar e não como commodity. Demoramos 25 COPs para os países entenderem que os povos indígenas têm um papel chave no enfrentamento das mudanças climáticas”, discursou Hindou Ibrahim, ativista ambiental feminina do Chad, e atual co-presidente indígena do Grupo de Trabalho Facilitador da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas da UNFCCC. Ela subiu ao palco sozinha para dizer, de modo gracioso, verdades inconvenientes. “Alguns governos e empresas nesta sala são responsáveis pelo desmatamento que estamos prometendo acabar”, disse. “Hoje, neste evento, os povos indígenas trazem algo especial para a mesa. Nós temos PhD em manejo sustentável das florestas. Somos campeões do clima, vemos a natureza como medicina, como conhecimento. Temos o mapa, sabemos para onde estamos indo, sabemos como dirgir, então, girem a chave”, pediu Hindou. Ambição anunciada Como resposta à provocação de Hindou, durante o evento ocorreram diversos anúncios importantes de países, empresas, bancos e fundações. Política, a “Declaração de Glasgow sobre Florestas e Uso do Solo”, enfatiza o papel das florestas, da biodiversidade e do uso sustentável do solo para o alcance das metas climáticas firmadas no Acordo de Paris, reafirma o compromisso dos países, reconhece que tanto global como nacionalmente serão necessárias ações transformadoras ligadas à produção, consumo, infraestrutura, comércio, financiamento e o apoio a povos indígenas e comunidades tradicionais que têm um papel chave na defesa das florestas. Outras foram mais objetivas. O presidente colombiano afirmou que até o ano que vem vai assegurar como área protegida 30% de seu território, mesmo sendo responsável por bem menos de 1% das emissões mundiais. E anunciou, ainda, aumento da punição a crimes ambientais. Ali Bongo, presidente do Gabão, fez um apelo para a preservação da bacia do rio Congo. “Ela é o coração e os pulmões da África. Não podemos vencer as mudanças climáticas a menos que mantenhamos nossa região viva”, disse. Ursula Gertrud von der Leyen, atual presidente da Comissão Europeia, destacou o investimento de um bilhão de euros para proteção, restauração e manejo sustentável de florestas em cinco anos. Jeff Bezos, fundador da Amazon, prometeu 2 bilhões de dólares para apoiar sistemas alimentares e restauração florestal pelo mundo e, junto com Alan Jope, CEO da Unilever, representaram a LEAF Coalition (Lowering Emissions by Accelerating forest Finance – Diminuindo Emissões por meio da Aceleração de financiamento florestal – tradução livre), uma coalizão de companhias e governos que mobilizou um bilhão de dólares para apoiar países engajados na redução do desmatamento e na proteção de florestas tropicais e sub-tropicais. Segundo a coalizão, os governos do Acre, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Amazonas e Tocantins já se inscreveram para acessar esses fundos. Além disso, diretores de mais de 30 instituições financeiras com ativos que somam mais de 8.7 trilhões de dólares se comprometeram a eliminar o investimento em atividades ligadas ao mercado de commodities agrícolas que provocam desmatamento. “Nós continuaremos a nos envolver de forma significativa com as comunidades tradicionais e indígenas como especialistas em proteção e gestão da biodiversidade e dos recursos naturais, ao mesmo tempo em que respeitamos seus direitos às suas terras, cultura e espiritualidade”, afirma o documento. Ainda, 10 das maiores empresas do agronegócio no mundo, incluindo AMaggi, Bunge, Cargil e JBS, anunciaram seu compromisso de evitar perda de biodiversidade em processos ligados às suas atividades. Outro anúncio importante foi o aporte de 1.7 bilhão de dólares para apoiar ações ligadas à adaptação e mitigação de comunidades locais e povos indígenas, proveniente dos governos do Reino Unido, Alemanha, Estados Unidos e Holanda, além de 17 fundos privados. Esta, sem dúvida, foi uma sinalização positiva dos países frente a anos de pleitos indígenas por financiamento. “Este é um dia histórico, mas não só por este anúncio dos USD 1.7 bilhão, mas porque os povos indígenas falaram nesta sala, sentaram na mesa junto com os líderes mundiais dos países”, lembrou Darren Walker, presidente da Fundação Ford, um dos doadores, referindo-se à participação do líder indígena equatoriano Tuntiak Katan, que, como Hindou, também discursou no evento junto com os chefes de Estado e empresários. “Temos que garantir que políticas sejam centradas na liderança, na capacitação e no poder dos líderes indígenas. Eles não vão ficar mais la fora da sala pedindo pra entrar”, comemorou Walker.
Nós sabemos como preservar a Amazônia

Décadas de experimentação na floresta já mostraram como promover desenvolvimento sustentável. Agora, o mundo todo está disposto a nos apoiar Em tempos de COP26, está todo mundo mais de olho ainda na Amazônia. O motivo? As consequências do desmatamento e das queimadas na maior floresta tropical do planeta não são apenas dos países onde ela está situada, mas de todo o planeta, que depende dela. As atuais crises hídrica e energética no Brasil são apenas uma prévia do que a destruição do bioma pode causar e, apesar de não faltarem alertas, segundo dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, apenas em setembro, a floresta perdeu, por dia, uma área maior que 4 mil campos de futebol. Ainda não conseguimos chegar num ponto de inflexão onde paramos a destruição e começamos a regeneração de fato, mas precisamos caminhar para lá. Por sorte, temos bons trabalhos que nos apontam caminhos. Um grupo de mais de 200 cientistas entregou à ONU um alerta, com importantes recomendações para parar o desmatamento. A diretora de ciências do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Ane Alencar, faz parte desse grupo de pesquisadores e explica que o documento é um relatório completo que traz, entre outras coisas, algumas proposições sobre para onde podemos ir para garantir o futuro da floresta, baseadas em três grandes pilares. O primeiro é voltado para a conservação, restauração e remediação de ecossistemas terrestres e aquáticos. Já o segundo diz respeito ao desenvolvimento de políticas de bioeconomia que sejam inovadoras e inclusivas, enquanto o terceiro olha para o fortalecimento da governança e das populações locais. É uma receita completa para o sucesso de um conceito que os pesquisadores chamam de “Amazônia Viva”. “Precisamos entender que as atividades humanas fazem parte de um processo vivo da floresta, ou seja, não têm valor apenas as atividades econômicas e a geração de riqueza e renda, mas o todo”, afirma Ane Alencar, em entrevista para o novo episódio do podcast Infraestrutura Sustentável, que tratou do assunto. Ela explica que a Amazônia é um bioma único, formado durante centenas de milhares de anos, e isso em si tem um valor. “A floresta deve ser reconhecida e valorizada por prestar serviços ecossistêmicos, não só para o país ou o continente, mas para o mundo. As atividades econômicas desenvolvidas lá devem apoiar a manutenção da floresta em pé”, detalha. Ane lembra que a governança precisa favorecer um sistema de participação mais equitativo e diverso para que o conhecimento, seja ele científico ou tradicional, seja valorizado em todos os processos. Fortalecer a relação entre o rural vivo e o urbano também é fundamental, já que grande parte da população da Amazônia hoje vive em centros urbanos. “Por último, reconhecer que a Amazônia é uma meca da diversidade cultural e isso em si tem muito valor”, completa Ane. Essas são boas bases para a criação de um novo modelo de desenvolvimento, mais sustentável. Qual é o primeiro passo? A sociedade precisa reconhecer que a floresta vale mais em pé do que transformada em pasto. “Eu começo pela sociedade porque é ela quem pode cobrar tanto dos governantes tanto das empresas, setores que precisam estar engajados para viabilizar as mudanças necessárias”, afirma Ane. As pesquisas sobre o assunto já mostram que essa percepção vem crescendo, mas esses resultados ainda não se transformaram num engajamento efetivo. Esse é o nosso desafio, mas Ane é otimista. “O mundo voltou para um trilho interessante e esse novo rumo, que pensa na redução de emissões (de gases do efeito estufa), vai ajudar a puxar a Amazônia para o caminho da floresta viva”. A floresta, com sua sabedoria de milhões e milhões de anos, também pode nos ensinar sobre sua própria preservação. Para Ane, uma dessas lições é a de que a diversidade gera riqueza, é ela que move tudo para frente. Outro ensinamento é que cada um tem uma função. Árvores menores, por exemplo, têm um enraizamento mais profundo e acabam trazendo água para outras cujas raízes chegam menos fundo. É assim que precisamos agir, cada ator com suas potencialidades, mas em prol de um objetivo comum. “Se a gente transforma tudo em uma paisagem de monocultura, perde muito, inclusive a capacidade de resiliência e outras possibilidades de reagir.” Comecemos olhando para a floresta com outros olhos, então. Falamos muito em soluções baseadas na natureza, mas precisamos começar a falar também em estratégias baseadas na natureza. Para manter a floresta viva, não temos que inventar a roda, só olhar para o que ela já construiu e aprender com isso. Nós sabemos como preservar a Amazônia | Invest | Exame. <em>Foto: Amazônia: bioma vira foco de discussões sobre o clima (Andre Deak/Flickr)</em>
Crise hídrica é o preço que pagamos pelo desmatamento

Para especialista do ITA, momento crítico era anunciado. Reverter o problema exige aprender com o passado e pensar em soluções também para o longo prazo Estamos vivendo uma crise hídrica e energética sem precedentes. A bandeira vermelha já virou o “novo normal” e os especialistas não são muito otimistas quanto a possíveis novos aumentos nas contas de luz e racionamentos de água. No entanto, apesar dos constantes alertas sobre a relação inegável dessas crises com o desmatamento, a cada novo levantamento, a área desmatada da Amazônia, maior floresta tropical do mundo, só cresce. Os últimos estudos alertam, inclusive, para o risco de ela virar uma savana. A falta de chuvas é apenas uma consequência disso. “Precisamos lembrar que essa é uma crise anunciada”, afirma o professor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Wilson Cabral, que participou do novo episódio do podcast Infraestrutura Sustentável, que voltou a tratar do assunto. O especialista afirma não ter dúvidas de que esse já é o preço que estamos pagando pelo desmatamento. “Eu não diria só da Amazônia, mas a degradação de ecossistemas de forma generalizada”. Ele lembra que a Amazônia é peculiar, porque quando derrubamos a floresta estamos prejudicando também os rios voadores, cuja umidade é distribuída também para outras regiões. “Isso está relacionado com a agricultura, os níveis dos rios, o abastecimento dos reservatórios das hidrelétricas, precipitações, todos os usos possíveis e imagináveis da água”. A agricultura depende da floresta mas, em muitos casos, tem sido a grande vilã do desmatamento, o que Wilson Cabral descreve como “um ciclo vicioso” ou “uma retroalimentação negativa”. Ele explica que à medida que a agricultura avança e o desmatamento também, a atividade cria dificuldades para ela mesma, além de para toda a sociedade. O que podemos fazer para reverter, ou pelo menos não piorar, essa situação num momento em que as mudanças climáticas estão cada vez mais presentes para cobrar essa conta? Antes de responder a essa pergunta, Wilson Cabral diz que é fundamental lembrarmos porque não fizemos algo antes, o que para ele está relacionado ao fato de que, até muito pouco tempo atrás, não se pensava a longo prazo. Assim, como os efeitos do desmatamento não eram sentidos de forma tão imediata, a sociedade foi investindo em modelos de produção e consumo acelerados que nos trouxeram até aqui. “Agora não temos mais tempo a perder e as ações precisam ser emergenciais”, afirma. “O tempo urge e não há mais esse alongamento entre o tempo da causa e do efeito. Como diz a Greta Thunberg, precisamos lembrar que não há planeta B”, completa. Acontece que o que nós fizermos hoje, para o bem ou para o mal, também vai levar um tempo para gerar resultados. Por isso mesmo, Wilson Cabral acredita que precisamos olhar para o longo prazo. Ele exemplifica: estamos vivendo uma crise hídrica que, pela nossa matriz energética ser muito dependente das hidrelétricas, também significa uma crise energética. Para lidar com o problema, o acionamento de termelétricas tem sido considerado uma boa ideia. Mas essa ação tem um efeito de retroalimentação negativo muito importante, pois aumenta o lançamento de carbono na atmosfera, intensificando o impacto climático que ajudou a gerar esses períodos de seca prolongados, que geraram a crise hídrica. Ou seja, precisamos ser mais inteligentes que isso e pensar em soluções que gerem mais co-benefícios e menos impactos sobre o próprio modelo. A transparência na gestão dessas crises é um fato importante nesse contexto. A sociedade precisa saber a gravidade da situação e tudo o que está sendo feito, pois será ela a principal afetada por qualquer decisão. Wilson Cabral destaca que as previsões de precipitações para os próximos meses não são otimistas e medidas para isso já deveriam estar sendo tomadas agora. “Não campanhas para as pessoas tomarem menos banho, mas medidas concretas, inclusive em termos de eficiência energética e redução de consumo por outros atores (como a indústria)”, afirma. Ao mesmo tempo, precisamos investir em soluções que tenham resultados no médio e longo prazo, como fazer a restauração ecológica de bacias hídricas e zerar o desmatamento, não só da Amazônia, mas também de nossos outros biomas. Tudo isso também pede planejamento e integração de agendas, pois todos os atores precisam fazer suas partes. Se não, continuaremos vivendo a crise e contribuindo para agravá-la. Este artigo foi escrito por Alexandre Mansur e Angélica Queiroz e publicado, originalmente, na coluna Ideias Renováveis, da Exame.
Árvore ameaçada de extinção consegue refúgio em embaixada

Jatobá de seis metros de altura chega a porta de embaixada em mobilização contra o desmatamento e as queimadas no Brasil Por Sônia Guajajara* e Sérgio Guimarães** Enquanto o presidente Jair Bolsonaro discursava na ONU falando inverdades sobre meio ambiente no Brasil e outros temas, um Jatobá de seis metros de altura, espécie brasileira ameaçada de extinção, teve seu pedido de refúgio aceito terça-feira, 21 de setembro (Dia da Árvore) pela Embaixada da Noruega. A iniciativa do Jatobá, que contou com apoio da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), do GT Infraestrutura e que teve a coordenação internacional dos assessores estratégicos Marcus Vinicius Ribeiro e Zachary Kuipers da 4H5H MEDIA, buscou chamar a atenção mundial para a destruição acelerada dos biomas brasileiros, em especial da Floresta Amazônica. Na porta da embaixada, lemos a carta com o pedido de socorro. Depois de várias horas de negociações, o apelo foi aceito e o Jatobá foi replantado no espaço da representação norueguesa. Trata-se de um acolhimento simbólico, mas importante por representar a luta de povos indígenas e ambientalistas, bem como o sentimento da grande maioria da população brasileira pela preservação da nossa floresta e seus povos. Segundo definição do Alto Comissariado para Refugiados das Nações Unidas (ACNUR), refugiados são aqueles que estão fora de seu país de origem devido a fundados temores de perseguição, como também à grave e generalizada violação de direitos e conflitos. A escolha da Embaixada da Noruega para o pedido de refúgio é por ser esse o primeiro país a proibir o desmatamento. Esse inusitado pedido pode parecer estranho ao homem branco que vive apartado do mundo natural e se considera acima das árvores, mas a ancestralidade sempre ensinou que o sentido da vida é o coletivo e que nós e natureza formamos um todo coeso. Esse pedido é um clamor pela vida de todas as espécies ameaçadas por uma visão corrompida e ultrapassada de convívio com a natureza. As espécies de plantas e animais dos biomas brasileiros, nesta ação representadas pelo Jatobá, estão sob ameaça. Estudo recente publicado na revista científica Nature revela que o fogo na Amazônia, provocado pela ação humana, pode ter atingido 95,5% das espécies de plantas e animais vertebrados conhecidas da floresta tropical. O desmatamento fora de controle aproxima a maior floresta tropical do mundo do seu ponto de não retorno. Se o ritmo atual de devastação for mantido, este “ponto de não retorno” pode chegar nos próximos anos, como vem alertando diversos cientistas brasileiros e internacionais. O inesperado pedido de refúgio mostra a gravidade da situação de milhões de árvores e outras formas de vida que estão sendo exterminadas sem ter a quem recorrer no Brasil, onde autoridades responsáveis por sua proteção muitas vezes estão aliadas aos destruidores. Cabe a nós, cidadãos brasileiros, moradores das florestas, do campo e das cidades nos posicionar com firmeza em defesa dessa e de milhões de árvores em busca de uma solução; o que permitirá que nossas florestas, sua biodiversidade e seus habitantes possam viver em paz no Brasil, continuando a prestar seus relevantes serviços para nós brasileiros e para todo o planeta. A ação visa também retomar as “Cinco Medidas Emergenciais para Combater a Crise do Desmatamento na Amazônia”, proposta apresentada por mais de 60 organizações e coletivos da sociedade brasileira, que incluem, além da moratória do desmatamento, o endurecimento das penas aos crimes ambientais, inclusive o bloqueio de bens dos 100 maiores desmatadores da Amazônia; a retomada do Plano de Controle do Desmatamento da Amazônia que conseguiu reduzir significativamente a devastação ambiental na região, engavetado por Jair Bolsonaro. Também a demarcação de terras indígenas, a titulação de territórios quilombolas e a criação de 10 milhões de hectares em Unidades de Conservação; além da reestruturação do Ibama, ICMBio e Funai, fragilizados pelo atual governo. A íntegra do documento está publicada no site www.arvorerefugiada.com.br e chama para a assinatura de uma petição pelo fim do desmatamento. “Estamos sob ataque de pessoas e estruturas que deveriam nos proteger. Precisamos chamar a atenção para essa tragédia em curso e mobilizar além da sociedade brasileira, a comunidade internacional para reverter essa dramática situação”, disse o Jatobá ao pedir refúgio. Todo nosso apoio a ele e às milhões de arvores e outras formas de vida que estão sendo dizimadas desnecessariamente no Brasil. * Sônia Guajajara, Coordenadora Executiva da APIB – Lider indígena nacional, ativista, ambientalista e pré-candidata à Presidência da República. **Sérgio Guimarães, Secretário Executivo do GT Infraestrutura – Engenheiro, especialista em políticas ambientais e ambientalista. Foto: Sérgio Guimarães
Qual será o sanduíche bom para o clima?

A produção de hambúrguer sintético é um dos negócios promissores com a demanda por cuidados com as pessoas e com o meio ambiente. O que mais esperar dessas tendências? Nos últimos anos, muito tem se falado em uma nova economia, que seja mais sustentável, mudando a forma como nos relacionamos com os recursos naturais e ajudando a mitigar os efeitos das mudanças climáticas, que ninguém pode mais negar. No entanto, muita gente ainda é resistente ao assunto, associando-o a algum tipo de retrocesso ou paralisação. Não é nada disso. O que precisamos é de uma transformação, com empreendimentos que tenham o olho no futuro e não no retrovisor. Os megaprojetos já estão perdendo espaço para outros menores e baseados em conhecimentos mais sofisticados. Essa é uma tendência porque os negócios precisam mudar para estimular mudanças de atividades e comportamentos que sejam indutores da redução de gases do efeito estufa e nos ajudem a cumprir as metas estabelecidas pelo Acordo de Paris e endossadas pelas principais potências do mundo. “Os próprios objetivos para o desenvolvimento sustentável (ODS) convergem para uma economia que tenha como base os serviços para a sociedade de forma a não destruir a natureza”, afirma Ricardo Abramovay, que é economista, professor e especialista em economia verde, em mais um episódio do podcast Infraestrutura Sustentável. Nessa nova economia, boa para o clima, há espaço para que muitos negócios prosperem, mas eles precisam também estar alinhados com essa mentalidade do cuidado — com as pessoas e com o meio ambiente, ou seja, na luta contra as desigualdades e contra as mudanças climáticas. “Essa é a mensagem central: desenvolvimento sustentável não é só meio ambiente, é favorecer a emergência de uma vida social em que as pessoas possam florescer e exercer as suas capacidades”, afirma Abramovay. Nesse sentido, segundo ele, a infraestrutura se torna um meio para chegar a esses objetivos e os negócios que forem por essa linha têm tudo para se dar bem. A área da saúde é uma na qual há muito espaço para investimento, especialmente nos setores de vacinas, equipamentos e, sobretudo, cuidado com as pessoas. Abramovay lembra que a pandemia deixou muito claro que não podemos depender de apenas alguns países, como Índia e China, para a produção de insumos, mesmo os mais elementares, pois isso deixou muitos países desabastecidos, justamente quando mais precisavam. Mobilidade é outra área promissora. As pessoas vão precisar se locomover de outra forma, dependendo menos de veículos que emitem gases do efeito estufa. Isso já está dando lugar a novos negócios, tanto aqueles que usam tecnologias digitais, quanto os que investem em fontes renováveis de combustíveis. Naturalmente, a área de cuidados com a natureza é prioritária para quem pensa em novos negócios. Investir em energias renováveis, por exemplo, é não apenas uma forma de diminuir os efeitos das mudanças climáticas, mas também uma área que têm potencial de gerar muitos empregos, inclusive para postos de trabalho qualificados. Negócios especializados em regeneração florestal, recuperação de áreas degradadas também estão entre os que Abramovay acredita que têm muita chance de prosperar. Ele também cita que os imóveis, domésticos e comerciais, precisarão passar por adaptações para atender às mudanças no comportamento das pessoas. “As pessoas vão precisar reformar suas casas e instalar novos equipamentos de aquecimento, senão a conta não vai fechar. Isso vai dar lugar a negócios, inclusive pequenos”, explica o professor, lembrando que na Grã Bretanha, por exemplo, são 30 milhões de domicílios que vão ser recompostos para atender às metas ambiciosas do país. Os negócios ligados à alimentação também devem ganhar cada vez mais espaço. Abramovay afirma que a contestação ao consumo de carne e à crueldade animal vinculada a esse hábito é crescente. Essa nova exigência dos consumidores têm estimulado, por exemplo, a produção de carnes de laboratório. Há consultorias que estimam que, em 30 anos, 40% do consumo atual de carne vai ser direcionado para carnes vegetais ou essas elaboradas em laboratório. São negócios que estão crescendo com uma velocidade impressionante. É possível esperar uma pressão cada vez maior por redução nas emissões de metano, o que deve impactar a produção bovina, e estimular substitutos, inclusive aves e suínos. E esses são só alguns exemplos que provam que a economia boa para o clima não tem nada de paralisada, é exatamente o contrário. “O que está acontecendo é uma transformação profunda que será mais promissora quanto mais ela obedecer às necessidades da luta contra a crise climática”, conclui Abramovay. Os desafios são imensos, especialmente no Brasil, onde muita gente ainda tem receio de investir nesse tipo de negócio e há projetos novos que não só não estão indo no caminho certo como andam para trás, estimulando, por exemplo, o desmatamento, questão que não deveria nem mais estar sendo discutida, já que todo mundo que está minimamente atento sabe do potencial da floresta em pé. Investidores e empreendedores que pensam no longo prazo não podem mais ignorar que nada mais será como antes. Ainda bem. Foto: Ivam Grambek/Flickr Este artigo foi escrito por Alexandre Mansur e Angélica Queiroz e publicado, originalmente, na coluna Ideias Renováveis, da Exame.
Uma gota no Pantanal

Uma viagem pela Transpantaneira nesta temporada de seca faz o visitante se encontrar com um chocante futuro. Andreia Fanzeres Conheci a Transpantaneira na seca de 2007 para acompanhar analistas do Ibama e da Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (SEMA) no censo das aves. A escolha da estrada parque não foi um acaso. Os 140 quilômetros que cortam o Pantanal mato-grossense eram um dos principais locais de avistamento de fauna de todo o bioma. Seria praticamente impensável cruzar essa estrada sem se encontrar com o que de mais característico há no Pantanal. Mas, depois dos incêndios que devastaram a região em 2020 e da ausência de chuvas na região, a paisagem ainda parece agonizar. Árvores enegrecidas, redemoinhos de ar quente levantando a poeira nas fazendas, corixos secos, solo rachado e exposto no lugar das lagoas chocam o visitante que um dia viu o Pantanal transbordando de vida. Sem água, a família de capivaras se comportava como retirante na aridez deste novo Pantanal. E, em vez dos jacarés, da revoada de tuiuiús e do colorido das suas aves no céu, foi o gado que posou para foto. A água, elemento que determina o pulso da vida na maior planície inundada do mundo, agora falta. Não apenas para os bichos, mas também para o pantaneiro. Chega barrenta, manchando pratos e corpos de quem luta, sob o sol escaldante, para minimizar os efeitos da tragédia dos incêndios este ano. Na casa de uma moradora da Transpantaneira, as rãs escolheram o vaso sanitário para viver. “É que aí tem água sempre”, explicou-me. Ela não se conformava em lembrar que desde o ano passado o Pantanal não encheu mais e agora é possível atravessar a pé rios como o majestoso Paraguai. Nesse comecinho de setembro, a nebulosidade e o vento espalhavam os tímidos pingos de chuva, que mal chegavam a fixar a poeira no chão. Cada gota passou a ter um valor ainda maior, desde então. Com o preço do combustível e da energia elétrica nas alturas, garantir água tratada e refrigerada nesses rincões é prioridade, questão de vida e também de morte. Como levantou de forma inédita o Mapbiomas, o Brasil perdeu mais de 3,1 milhões de hectares de superfície de água nos últimos 30 anos. Isso representa uma redução de 15,7% com relação aos corpos hídricos existentes no país em 1991. No Pantanal, esse decréscimo foi particularmente agudo, na ordem de impressionantes 68% entre 1985 e 2020. Tamanha diferença se expressa, é claro, naquilo que vemos como paisagem, mas que costuma ficar na memória dos mais antigos, não sendo tão perceptível de um ano para outro. Os alertas de que o Pantanal estava secando a cada nova barragem autorizada na Bacia do Alto Paraguai, ou da farra de outorgas para uso da água no bioma, sem avaliações sobre impactos cumulativos e efeitos sinérgicos dessas intervenções, anteviam um cenário em que tantas alterações na delicada dinâmica hídrica no Pantanal poderiam ter consequências gravíssimas para as futuras gerações. O criminoso desleixo na implementação das políticas ambientais pelo governo federal desde 2019, somado a condições climáticas inéditas, fez 2020 mudar para sempre o que conhecíamos como Pantanal. A escalada do desmatamento e condições climáticas severas fizeram de 2020 um marco para o Pantanal. Especialistas ouvidos pelo Observatório do Clima apontaram, por exemplo, que o nível do rio Paraguai tinha sido o mais baixo desde 1971 e choveu em média entre 50% e 60% menos do que o normal, o que tornou o combate aos incêndios criminosos uma missão sem precedentes na história do Pantanal. Hoje, incêndios ativos voltam a torrar o que já queimou ano passado. Agora, os animais que disputam nesgas de água vistas das pontes secas da Transpantaneira são um presente cada vez mais raro a quem tem a chance de testemunhar o que será desse futuro que já chegou. Imagens: Andreia Fanzeres
Como será a nova economia boa para o clima?

A transformação radical na forma como produzimos bens e serviços também oferece oportunidade de geração de renda e criação de empregos “A partir de amanhã ninguém usa carro”. Até hoje não tivemos nenhum governo que dissesse algo assim. Mas, com as restrições impostas pela pandemia, entre abril e junho de 2020, as emissões globais caíram pela primeira vez nas últimas décadas. A ameaça do vírus alterou os modos de vida das pessoas em todo o mundo. Está na hora de fazermos algo parecido com relação à crise climática. O exemplo do carro pode parecer um exagero, mas o mais recente relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), deu um alerta vermelho para toda a humanidade: temos muito o que fazer e pouco tempo para agir. A crise climática está se acentuando e os eventos extremos vão se tornar cada vez mais frequentes se não diminuirmos nossas emissões agora. O raciocínio do professor da Universidade de São Paulo (USP) e autor de vários livros sobre economia verde, Ricardo Abramovay, é de que a nossa economia precisa passar por mudanças drásticas. Ele explica que o modelo atual de produção não só é destrutivo para a natureza, como não satisfaz as necessidades básicas de parte importante da população mundial, que ainda vive com fome, sem saneamento e acesso à saúde e à educação. Ao pensarmos sobre isso, o que nos vem à mente é que precisamos produzir mais, para gerar mais recursos e empregos que ajudem a melhorar a qualidade de vida dessas pessoas. “Mas o jeito que a humanidade sabe produzir até agora é emitindo gases do efeito estufa”, lembra o pesquisador. Para se ter uma ideia do tamanho da encrenca, segundo o professor, há 30 anos atrás, a matriz energética mundial dependia em 86% de combustíveis fósseis. De lá para cá, houve uma enorme mobilização governamental, científica e até no meio empresarial e, mesmo assim, hoje a nossa dependência dessa fonte de energia ainda é de cerca de 80%. “Em 30 anos, diminuímos 6%. Agora, até 2030, temos que fazer com que esse número caia pela metade, ou seja, para uns 40%. É um desafio extraordinariamente importante e difícil de ser alcançado, porque exige mudar a matriz energética global”, afirma Abramovay e ressalta que, apesar de as fontes renováveis estarem em ascensão em todo o mundo, ainda somos dependentes de carvão e as empresas petrolíferas continuam investindo nessa fonte numa quantidade superior à necessária para a transição que precisamos fazer. “Do ponto de vista das empresas produtoras de combustíveis fósseis, é como se a crise climática ou não existisse ou fosse ser enfrentada por meio de tecnologias que não estão prontas, como a captação de carbono, que ainda é cara e difícil”, afirma Abramovay. Isso precisa parar. Como? Olhando para as oportunidades. Quais são elas? Para o professor, que falou sobre o assunto no novo episódio do podcast Infraestrutura Sustentável, elas estão no fato de que a Europa Ocidental, os Estados Unidos, a China, a Índia, o Japão, todos os jogadores mundiais que contam nessa história, estarem “fazendo um imenso esforço de pesquisa científica e tecnológica para chegar à soluções capazes de reduzir as emissões de gases do efeito estufa.” Ele ressalta que a precificação do carbono, cobrando uma espécie de imposto de quem emite, ainda está dando os primeiros passos, mas deve ser uma realidade num futuro não muito distante. E que, além disso, fazer essa conversão da economia global em direção à redução de gases do efeito estufa também é oportunidade de geração de renda e criação de empregos. “É uma reviravolta na economia.” Desde o fim da Segunda Guerra Mundial nenhum país fixou para sua economia um objetivo diferente do de fazer com que a economia crescesse. Abramovay explica que a política macroeconômica sempre foi a estabilização, porque ela ajudava a chegar a esse objetivo. No entanto, com a crise climática, isso mudou. Nos Estados Unidos, por exemplo, desde a vitória de Joe Biden, a economia está planejada para o combate às mudanças climáticas. “Pela primeira vez na história, temos um tema referente à relação entre sociedade e natureza no âmago das políticas e da gestão econômica. Esse é um fato importante de esperança porque alguma coisa interessante vai sair daí no plano global”, afirma. “Todas as autoridades das organizações multilaterais estão gritando forte que o que a gente está fazendo não está à altura dos desafios que estão sendo colocados”, completa. No entanto, Abramovay lembra que não se muda um modelo econômico por decreto. “Estamos lidando com uma situação de alta complexidade em que decisões governamentais e de direções empresariais são fundamentais, mas se inserem num contexto que vai muito além da capacidade de elas provocarem por si só as transformações necessárias”, explica. Para ele, todos precisamos nos perguntar o que queremos da nossa vida econômica. E a resposta não pode mais ser o óbvio crescimento. “Esse raciocínio não pode mais ser desse jeito. A gente precisa saber para onde a economia tem que crescer e que meios ela tem que usar.” O professor ressalta ainda que, não poderemos continuar consumindo como sempre, mesmo que a tecnologia nos ajude a reduzir as emissões. Nesse sentido, a infraestrutura também precisa mudar, passando a ser pensada a partir dos serviços que gera. Abramovay vai lançar, em breve, um trabalho sobre esse assunto e adianta que essa é outra área que está em transformação. Ele ressalta dois aspectos: o primeiro é que atores importantes, como o Banco Mundial, o G-20 e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) já estão falando com frequência sobre soluções baseadas na natureza; a segunda é que ele chama de “o fim da era do concreto”. Nesse cenário, o foco não é mais só construir, mas “usar de maneira inteligente a natureza para poder, por meio desse uso, lançar as bases permanentes para a satisfação das necessidades humanas.” Os mega projetos devem perder espaço. “O que mais precisamos é de projetos dispersos, localizados, em diferentes áreas, mas que precisam ser apoiados
Como a geração elétrica depende das florestas

As lições de Itaipu para conservar e recuperar a vegetação nativa, fonte de água e de chuvas para a usina O novo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC) alarmou o mundo avisando que algumas consequências que estamos vivendo já são irreversíveis. A Amazônia, segundo o estudo, pode virar uma savana se perder de 3% a 8% a mais de sua cobertura florestal. Isso pode acontecer se não pararmos agora o desmatamento — no ano passado, a área derrubada foi a maior dos últimos 11 anos. Como se não bastasse ter papel fundamental para regular o clima do planeta, as florestas são as nossas fábricas de água e, consequentemente, de energia. Segundo dados divulgados pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) e pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), as hidrelétricas entregaram 72,6% de todos os MWh consumidos no Brasil no primeiro semestre de 2021. Isso apesar da pior seca dos últimos 91 anos, que nos jogou numa crise energética. Como a chuva que cai do céu vem das florestas, para não ficar sem água e energia, o caminho é cuidar das nossas árvores. Para o setor elétrico, a conservação das florestas deve ser uma prioridade. “No Brasil, com uma matriz energética com grande contribuição da hidroeletricidade, a segurança energética está diretamente associada à segurança hídrica, e nossos recursos hídricos estão associados aos ciclos climáticos e à riqueza de nossos ecossistemas”, explica Ariel Scheffer, superintendente de Gestão Ambiental de Itaipu. A empresa responsável pela gestão da usina percebeu há tempos a relação entre floresta, chuva e energia. “As florestas têm um papel essencial na regulação do ciclo hidrológico, uma vez que a cobertura vegetal contribui na disponibilidade e purificação da água, influencia no regime de precipitação, alimenta o lençol freático e contribui na recarga de aquíferos. Além disso, a vazão regular, cíclica, das chuvas influencia o regime hidrológico dos rios. E a estabilidade do sistema climático-hidrológico é essencial para a segurança hídrica e energética do país”, diz Ariel. A usina de Itaipu realiza ações de conservação e restauração das matas ciliares dos corpos hídricos e nas áreas conhecidas como de recarga das grandes bacias de contribuição para o reservatório. Isso garante um fluxo mais regular para a geração de energia, assim como para outros usos da água. “Aproximadamente 18% da contribuição hídrica ao reservatório de Itaipu, vem do aporte de água ‘produzida’ em cinco bacias hidrográficas que desaguam diretamente no reservatório abaixo de Porto Primavera (em São Paulo) graças aos sistemas naturais”, explica Ariel. Ele acredita que esta “produção local” pode aumentar se houver esforços conjuntos na restauração ambiental. Ele lembra que a relação entre o déficit florestal em matas ciliares, áreas de recarga e nascentes tem sido cada vez mais estudada no Brasil e muitas ações e investimentos de setores dependentes da água, se baseiam na relação água e floresta. Segundo Ariel, Itaipu está atenta à importância de cuidar das árvores desde 1979, quando criou mais de 100 mil hectares de áreas protegidas, implantando floresta ciliar no entorno do seu reservatório. Hoje, essa faixa de proteção possui uma média de 210 metros de largura e ocorre na borda de todo o reservatório. Ao longo do tempo, os objetivos se ampliaram juntamente com a escala de atuação, onde boas práticas se replicam no território de contribuição da bacia hidrográfica do rio Paraná, exigindo da empresa um modelo de gestão ambiental para os usos múltiplos do reservatório e áreas protegidas, com articulações setoriais e arranjos multi-institucional. “Como na natureza todo processo é sistêmico, os resultados diretos dos investimentos em restauração ajudaram a recuperar serviços ecossistêmicos, entre os quais citam-se a redução da erosão marginal e a retenção de sedimentos que iriam para o reservatório, a fixação de carbono pela floresta, entre outros. Além disso, a formação de um corredor de biodiversidade que liga duas importantes unidades de conservação do bioma Mata Atlântica promove a recuperação da biodiversidade regional, com diversos benefícios diretos aos arranjos produtivos da região, como a polinização, regulação hídrica e a amenização dos eventos climáticos extremos”, afirma. A empresa também tem desenvolvido, nos territórios das principais bacias hidrográficas de contribuição do seu reservatório, ações em sinergia com os principais compromissos obrigatórios e voluntários assumidos pelo governo brasileiro. Entre outras ações, eles adotaram mecanismos de certificação em biodiversidade, e fizeram parcerias para gestão ambiental territorial participativa, como a Unidade de Gestão descentralizada da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, que envolve diversos setores, instituições e comunidade para discussão das agendas de desenvolvimento da região. As ações também vão ao encontro do compromisso e atuação nos 17 ODS, em contribuição ao esforço do Brasil para cumprimento da agenda 2030. Cuidar das florestas não deve ser prioridade apenas para quem administra hidrelétricas. As usinas termelétricas também dependem de água para resfriamento. Boa parte dessa água evapora. Ou seja, não volta para os rios depois do uso. Isso significa que as termelétricas são grandes consumidoras de água das nascentes das florestas. Embora as ações para conservar florestas no entorno das usinas elétricas sejam fundamentais, também é essencial olhar para o sistema de geração de chuvas como um todo. E a conservação da Amazônia é decisiva. Existe uma conexão das águas atmosféricas do sistema climático amazônico com o regime climático do Sudeste e Sul do Brasil. Por conta de nossas dimensões continentais e diversidade de biomas, cada um tem sua função nos sistemas climáticos regionais, que regulam o todo. “Como as grandes bacias hidrográficas passam por grandes porções do território nacional e, em alguns casos, por vários biomas brasileiros, podemos dizer que somos um país conectado pelas águas, e que os ecossistemas de uma região influenciam em outra região”, explica Ariel. Os “rios voadores” trazem uma grande quantidade de água do Norte do Brasil para o Sudeste e Sul, influenciando no clima e na regulação hídrica dos rios ao sul e, consequentemente, na geração de energia de dezenas de hidrelétricas no eixo em que desagua este “rio”, como é o caso das usinas localizadas na bacia hidrográfica do rio