Novas hidrovias na Amazônia podem agravar mudanças climáticas, alertam especialistas

Por Tiffany Higgins | Publicado originalmente em Mongabay. Resumo: Embora o transporte hidroviário seja promovido como redutor de emissões, a verdade é que as novas hidrovias propostas nos rios Tocantins e Madeira aumentariam as emissões de carbono e o desmatamento, segundo especialistas ouvidos pela Mongabay. A dragagem e derrocagem de rios cada vez mais secos para a abertura de novos canais pode não atingir o objetivo do agronegócio brasileiro, de ter transporte mais barato durante o ano todo; especialistas sugerem que as ferrovias atuais têm custos semelhantes e são mais resistentes às mudanças climáticas. Os novos planos para a construção de canais de navegação comercial usaram dados antigos e não fizeram projeções de riscos climáticos nem estudos de impacto sobre o clima; especialistas dizem que há possibilidade de perda de dezenas de bilhões de investimentos, deixando “ruínas” e “projetos abandonados”. Uma ação civil pública movida em agosto por procuradores da República acusa o licenciamento para a derrocagem e a dragagem de um trecho de 500 km do Rio Tocantins de ser um “artifício” ilegal para evitar a análise ambiental completa, exigida por lei, de todo o canal Araguaia-Tocantins, para o qual nunca se fez estudo de viabilidade; em março de 2022, o Ibama estabeleceu que a hidrovia no Tocantins era “inviável”.O Brasil está prestes a investir dezenas de bilhões de reais na construção de mais de 2 mil km de novos canais de navegação em rios da Amazônia – o que, segundo especialistas, pode resultar na conversão de terras de povos tradicionais à agricultura com alta emissão de carbono. Em outubro de 2022, o governo de Bolsonaro, que deixava o cargo, emitiu uma licença preliminar atestando a suposta viabilidade socioambiental dos primeiros 500 km de uma hidrovia Araguaia-Tocantins na Amazônia oriental, há muito sonhado, que pode chegar a ter entre 2 mil a 3 mil km de extensão. Em agosto, procuradores da República entraram com uma ação civil pública pedindo que a licença da era Bolsonaro, que continha falhas “graves”, fosse anulada e que o Ibama fosse impedido de emitir a licença de instalação. Eles apontaram várias ilegalidades na licença prévia: “A licença nunca comprovou a viabilidade socioambiental”, disse o procurador Sadi Flores Machado à Mongabay. Emitida com 27 estudos “pendentes”, sem os quais era impossível avaliar a viabilidade, a licença do trecho da hidrovia Araguaia-Tocantins nunca deveria ter sido concedida, constituindo “desvio de finalidade do Ibama”, acusam os procuradores. “O número [de estudos que faltam] nessa fase é alto”, disse à Mongabay a ex-diretora do Ibama, Suely Araújo. “Você pode deixar algumas pendências na licença prévia, mas não estruturais, que sejam importantes o suficiente para mudar a viabilidade ambiental do empreendimento.” Por causa desses estudos, que há muito precisam ser feitos, em março de 2022, o então diretor de licenciamento do Ibama, Jônatas Souza da Trindade (ex-aluno de Araújo), assinou um documento declarando a “inviabilidade ambiental das obras”. Meses depois, após a intervenção do Ministério da Economia, Trindade voltou atrás, sem apresentar justificativa técnica, e emitiu uma licença prévia, excluindo o despacho com suas conclusões anteriores do processo oficial da obra no Sistema Eletrônico de Informações. “Isso é irregular”, disse Araújo. “Você pode mudar de posição, mas tem que ter a coragem de explicar: estou mudando de posição, e as razões são essas. Mas eu não posso sumir com a minha primeira posição no processo [oficial].” A licença exclui ilegalmente milhares de pessoas de povos tradicionais que vivem naquele trecho do Rio Tocantins e dependem dele para pesca e navegação, e os classifica sumariamente, sem evidências, como “não na área de impacto direto” para cortar custos. A licença também “está subdimensionando os danos, e isso é muito grave”, diz o procurador Machado. Trindade se recusou a exigir o diagnóstico de um ano de desembarque pesqueiro pelos pescadores, um “marco zero do licenciamento”, de acordo com Machado. Sem isso, as consequências são “muito graves”, pois é impossível avaliar futuros danos à renda e à segurança alimentar dos pescadores. Isso é necessário para a indenização, segundo o princípio do poluidor-pagador que está na legislação ambiental, ou seja, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) deve pagar por qualquer dano que causar. O DNIT alega que não é responsável pelos danos das operações do canal de navegação comercial. Nilton Lopes de Melo, da Vila Tauiry, disse à Mongabay que o plano do DNIT de “dar um salário mínimo por 30 meses” após as detonações do rio é totalmente insatisfatório. “Os nossos poços envenenados, porque bebemos a nossa água do rio, e os peixes envenenados pela dinamite, que ninguém vai querer comer” durarão muito tempo após as explosões acabarem, deixando os moradores sem sua principal fonte de renda. Eles exigem indenização por família e acusam o DNIT de “violar [nossos] direitos como povos ribeirinhos tradicionais”. O licenciamento do canal significa que “a gente está criando a pobreza e os refugiados climáticos por obra do próprio Estado”, diz o procurador Machado. Esses danos e custos recairão não apenas sobre os contribuintes brasileiros, mas também, devido ao aumento das emissões do desmatamento incentivado pelo canal, “sobre a sociedade como um todo”. Mesmo assim, o Ibama está prestes a permitir que a licença de três anos para as explosões do Rio Tocantins comece a valer em 2025. “Para o Ministério Público Federal, qualquer licença expedida será ilegal”, diz uma mensagem enviada pelos procuradores à Mongabay. “A ação foi apresentada à Justiça Federal em 16 de agosto de 2024 e, desde então, aguarda decisão judicial.” O DNIT tenta, ilegalmente, licenciar apenas um trecho da proposta da hidrovia Araguaia-Tocantins para evitar a revisão completa de sua viabilidade socioambiental em todos os trechos planejados, descumprindo uma decisão de 2009, acusam os procuradores. Esse trecho de 500 km é um Cavalo de Troia, e abre a porta para um canal Araguaia–Tocantins que pode chegar a ter entre 2 mil e 3 mil km, exigindo a construção de várias megabarragens, sem que se avaliem os impactos “sinérgicos” sobre comunidades e ecossistemas nos estados do Maranhão, Tocantins, Mato Grosso e Goiás, e sem consulta a essas comunidades, diz
É preciso adotar um planejamento de infraestrutura sustentável, resiliente e inclusiva para a Amazônia

Fortalecer a governança, com transparência e participação da sociedade civil, é fundamental para evitar projetos danosos e promover infra estruturas alinhadas com os objetivos de desenvolvimento sustentável Por Brent Millikan, Maria Elena Rodriguez, Ricardo Abramovay e César Gamboa (*) Os investimentos em infraestrutura de transportes e energia na Amazônia têm priorizado, nas últimas décadas, megaprojetos como grandes hidrelétricas e corredores de transporte voltados para a exportação de commodities do agronegócio e da mineração industrial. Tipicamente, tais empreendimentos têm provocado graves impactos socioambientais como o desmatamento acelerado, emissões de gases de efeito estufa, perda da biodiversidade e conflitos violentos pela terra, pelas florestas e pelas águas, além do desperdício de dinheiro público. Enquanto isso, as necessidades básicas de infraestrutura de comunidades rurais e populações urbanas na Amazônia – em áreas como saúde, acesso à água e saneamento, mobilidade, segurança pública, energia e comunicações – têm sido frequentemente menosprezadas ou mesmo ignoradas. Assim, megaprojetos como o Complexo Hidrelétrico Belo Monte no rio Xingu, além de seus impactos nefastos no meio rural, fizeram explodir migrações para periferias urbanas, já carentes de infraestrutura básica, agravando déficits em serviços de saúde, saneamento, educação e segurança pública. As graves consequências de megaprojetos estão diretamente ligadas a falhas crônicas entre instrumentos de planejamento e processos de tomada de decisão – ou seja, questões de governança. A falta de transparência e participação da sociedade civil tem facilitado a atuação de lobbies corporativos em prol de ‘elefantes brancos’ e esquemas de corrupção. Em contextos de planejamento autoritário, questões essenciais como a análise comparativa de estratégias alternativas, sob uma ótica de custo-benefício social, econômico e ambiental, têm sido desconsideradas. É preciso adotar um novo paradigma de infraestrutura na Amazônia, começando com o fortalecimento da governança, garantindo que os processos decisórios estejam baseados em boas práticas de transparência e participação social, desde as fases iniciais do planejamento setorial em áreas como transporte e energia. Esse novo paradigma deve incluir o reconhecimento de que a proteção da natureza, mantendo a integridade dos ecossistemas, é garantir a maior infraestrutura para a vida. Muito além de focar apenas em megaprojetos, os investimentos em infraestrutura devem priorizar cuidados com a vida das populações locais, especialmente dos grupos mais vulneráveis, em áreas como saúde, acesso à água potável, saneamento, transporte, energia e comunicação, incluindo acesso à internet de alta velocidade. Na Amazônia, os investimentos em infraestrutura devem priorizar o apoio a atividades produtivas entre comunidades locais que contribuem para segurança e autonomia alimentar, em conjunto com a geração de emprego e renda, fortalecendo cadeias da sociobiodiversidade e valorizando conhecimentos tradicionais, a inovação tecnológica e relações justas de mercado entre comunidades locais e outros atores econômicos. Antes da tomada de decisões sobre a aprovação de médios e grandes empreendimentos de infraestrutura, é preciso analisar com rigor seus riscos socioambientais, inclusive de impactos cumulativos com outros empreendimentos, à luz das condições locais de governança territorial e estratégias alternativas. Em regiões de fronteira como a Amazônia, marcadas por fenômenos como a grilagem de terras públicas e o crescimento do crime organizado, as consequências socioambientais negativas de um grande empreendimento são muito maiores do que numa consolidada em termos de governança territorial. Outro elemento fundamental para colocar em prática um novo paradigma de infraestrutura sustentável é garantir o direito dos povos indígenas, quilombolas e de outras comunidades tradicionais à Consulta e Consentimento Livre, Prévio e Informado. Isso significa que as consultas devem ocorrer antes da tomada de decisões políticas e administrativas que possam afetar seus territórios e direitos. Para isso, protocolos autônomos de consulta, desenvolvidos por comunidades e suas organizações, que demonstram como se deve realizar consultas de forma apropriada, respeitando suas culturas e formas de tomada de decisão, devem ser seguidos por governos, instituições financeiras e empreendedores de projetos. Por fim, no caso de empreendimentos aprovados, antes do início das obras, é preciso um conjunto de ações efetivas para prevenir, mitigar e compensar impactos, monitorando cuidadosamente a sua eficácia. Frente a esses desafios, existem importantes avanços recentes, como o esforço interinstitucional, liderado pela Controladoria Geral da União (CGU), de aprimorar a transparência e participação social em grandes obras de infraestrutura, no âmbito do Plano de Ação 2024-2027 da Parceria de Governo Aberto e a revisão da metodologia de elaboração do Plano Nacional de Logística (PNL 2050) sob a liderança do Ministério dos Transportes. Na Panamazônia, destacam-se a inclusão de um item sobre Infraestrutura Sustentável com boas práticas na Declaração de Belém, assinada pelos presidentes de oito países amazônicos em agosto de 2023, e na Colômbia, uma parceria inédita entre os ministérios do meio ambiente e transportes, em colaboração com organizações da sociedade civil, que gerou um programa de diretrizes para infraestrutura rodoviária verde (Lineamientos de Infraestructura Verde Vial – LIVV) que já demonstra resultados positivos, podendo servir de referência para outros países amazônicos. Por outro lado, persistem sinais alarmantes do avanço de megaprojetos com sérias deficiências em seu planejamento, sob a ótica da transparência, participação e gestão de riscos socioambientais – como a proposta de construção da Ferrogrão (EF-170) entre Sinop (MT) e Miritituba (PA) no rio Tapajós, a pavimentação da BR-319 entre Porto Velho e Manaus e corredores logísticos na Amazônia incluídas nas “Rotas de Integração Sul-Americana”, proposta recente do Ministério do Planejamento. A construção do recém-lançado megaporto de Chancay no Peru com forte protagonismo chinês, voltado para a exportação de commodities do agronegocio e da mineração para a Asia, agrava ainda mais este cenario potencializando os impactos ambientais e sociais, incluindo o aumento das migrações na região, do desmatamento, da mineração ilegal e do narcotráfico. Assim, restam importantes desafios para colocar em prática um novo paradigma de infraestrutura sustentável, inclusiva e resiliente para a Amazônia, pautado em boas práticas com transparência e participação social. Num momento em que a Amazônia se aproxima perigosamente do chamado ‘ponto de não retorno’, em função do avanço de desmatamento e queimadas, e da realização da COP 30 em Belém em 2025 – onde o Brasil precisa liderar pelo bom exemplo – a hora de agir é agora. (*) Esse artigo
Mais uma vitória: governo exclui UHE Castanheira do Plano Decenal de Energia

Após anos de mobilização, o projeto saiu oficialmente do planejamento energético do país Texto: Operação Amazônia Nativa (Opan) O governo federal, em seus planos de expansão energética para os próximos 10 anos, deixou de fora a construção da Usina Hidrelétrica (UHE) Castanheira, no rio Arinos, afluente do Juruena, em Mato Grosso. Isso significa que, pelo período de 2025 a 2034, não há previsão para essa obra, que interromperia o curso desse importante rio e impactaria os povos indígenas e as comunidades rurais do município de Juara, em especial de Pedreira e Palmital. A construção da UHE constava na versão anterior do Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE), mas foi excluída do documento elaborado neste ano após uma longa batalha liderada pela Rede Juruena Vivo. O PDE 2034, que define as diretrizes para o setor energético, está em fase final e após um processo de consulta pública será publicado ainda neste ano. Essa é a segunda vitória da Rede Juruena Vivo neste processo. A primeira foi o arquivamento do licenciamento ambiental da UHE Castanheira pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (SEMA-MT), em 18 de março deste ano. Os estudos para construção da usina foram conduzidos pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e mostraram que a UHE ia gerar menos de 100 MW de energia firme, apesar da previsão do alagamento de 94,7 km2. Desde então, o projeto enfrentou forte oposição da comunidade local devido aos seus potenciais impactos ambientais, culturais e socioeconômicos. Estudos mostraram que a construção da usina afetaria cinco diferentes povos indígenas: Rikbaktsa, Munduruku, Apiaká, Kawaiwete e Tapayuna, que não foram consultados de forma livre, prévia e informada, como manda a legislação. Uma nota multidisciplinar feita pelos parceiros da Rede Juruena Vivo forneceu as principais bases técnicas e jurídicas para a identificação de irregularidades neste empreendimento. Além disso, os Tapayuna nunca foram chamados para a discussão sobre o empreendimento, que se localiza em seu território de ocupação tradicional. Os danos nos ecossistemas do rio Arinos, vital para a sobrevivência dessas comunidades, geraram preocupação quanto à reprodução física e cultural de suas populações. A construção da usina hidrelétrica, além de afetar diretamente as comunidades indígenas, gerou preocupação entre os produtores rurais de Pedreira e Palmital. O temor era pelo alagamento de suas terras, o que poderia comprometer ou até mesmo inviabilizar suas atividades agrícolas. A viabilidade econômica do projeto também foi questionada considerando o elevado custo de implantação e a limitada capacidade de geração de energia. Vitória coletiva O coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens de Mato Grosso (MAB-MT), Jefferson Nascimento, celebra a notícia da exclusão da construção da UHE de Castanheira e avalia como fruto de anos de trabalho coletivo e da persistência da organização, mobilização e luta de diversas comunidades e organizações. “Sabemos que isso é muito da luta das comunidades, dos povos e das organizações. Caso contrário acho que essa hidrelétrica já estaria operando. Então, essa notícia nos anima cada vez mais a acreditar e dizer que é através da luta coletiva, da mobilização, da organização que a gente consegue ter frutos, seja para impedir as construções, seja para avançar em várias outras pautas”, disse Nascimento, que também representa a microrregião Arinos dentro da Rede Juruena Vivo. Em maio deste ano, representantes da Rede Juruena Vivo apresentaram um documento durante reunião com o Ministério de Minas e Energia (MME) e solicitaram a retirada do projeto da UHE Castanheira do PDE, destacando a necessidade de respeito aos direitos indígenas, à proteção ambiental e à consulta prévia, livre e informada das comunidades afetadas. Diante dos argumentos apresentados, Thiago Vasconcellos Barral Ferreira, secretário nacional de transição energética e planejamento do MME, informou na época que a UHE Castanheira seria excluída do PDE 2024-2034. Jefferson Nascimento também vê a conquista como um exemplo inspirador para outras comunidades e movimentos sociais que enfrentam ameaças semelhantes, quando a união de diferentes atores sociais foi fundamental para reverter um projeto que parecia certo. Apesar da vitória, o coordenador alerta para a necessidade de manter a vigilância e continuar a luta, pois a ameaça de novos projetos pode surgir a qualquer momento. “Saiu do plano decenal, mas o plano decenal é feito anualmente. Nada nos garante que talvez, para os próximos anos, Castanheira volte a aparecer. Então, a luta é eterna, a mobilização é permanente”. Luta contínua Apesar do arquivamento da UHE de Castanheira, um relatório da Operação Amazônia Nativa (OPAN) identificou 180 aproveitamentos hidrelétricos na bacia do Juruena, até 31 de janeiro de 2024. Cerca de 46% desses empreendimentos correspondem a centrais geradoras hidrelétricas (CGHs), enquanto 40% são pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). Os projetos de grande porte (UHEs) representam 14% do total. Os dados fazem parte do “Boletim de Pressões e Ameaças às Terras Indígenas na Bacia do Rio Juruena”, que fornece informações sobre o planejamento energético e minerário da região para identificar seus potenciais impactos na vida dos povos indígenas, comunidades tradicionais e outros grupos sociais que vivem na bacia do rio Juruena.
Seminário Nacional “Energia para a Vida” celebra 10 anos de resistência e conquistas

Encontro destacou avanços e desafios na construção de uma política energética inclusiva e sustentável no Brasil Texto: Luciana Ribeiro Entre os dias 3 e 5 de dezembro, Brasília recebeu o Seminário Nacional “Energia para a Vida: 10 anos de lutas por uma Transição Energética Justa, Popular e Inclusiva”. Promovido pela Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil e pela Rede de Transição Energética Popular, rede aliada ao GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental (GT Infra), o evento reuniu cerca de 30 participantes, incluindo organizações comunitárias, pesquisadores, lideranças e representantes da sociedade civil organizada, para celebrar uma década de avanços e traçar os rumos para o futuro da transição energética no Brasil. Nos dois primeiros dias, o seminário revisitou a trajetória da Frente, resgatando marcos históricos como o Fórum Social Temático de 2014, que lançou a campanha “Energia para a Vida.” Foi um momento de reflexão coletiva sobre as conquistas alcançadas e os desafios ainda enfrentados pelas comunidades impactadas por empreendimentos energéticos. Debates estratégicos abordaram o contexto atual da transição energética no Brasil, destacando insuficiências da Política Nacional de Transição Energética (PNTE) e apontando caminhos para integrar justiça e inclusão social nas diretrizes governamentais. Além disso, foram apresentados projetos emblemáticos, como o PRATA ATIVA – Água e Radioatividade no Planalto Alcalino, que busca enfrentar os impactos da mineração de urânio, e o Projeto Tapajós Solar, focado na autonomia energética das populações ribeirinhas. O terceiro dia começou com grupos de trabalho que discutiram e elaboraram propostas para qualificar a transição energética no Brasil. Entre os temas, destacaram-se a ampliação da participação popular no planejamento energético, a proteção de territórios e direitos de comunidades tradicionais e a democratização do acesso à energia renovável. As atividades culminaram em uma plenária que consolidou diretrizes estratégicas para os próximos anos e renovou a Coordenação Nacional da Frente. Ao longo do dia, os participantes também celebraram os 10 anos da campanha com um ato simbólico e um bolo comemorativo, reforçando o espírito de unidade e resistência que marca a atuação da Frente. Maria Clara Valverde Carvalho, representante da Sociedade Angrense de Proteção Ecológica (SAPE), destacou o papel histórico da Frente na articulação de comunidades atingidas por empreendimentos energéticos. “Em Angra dos Reis, convivemos com promessas vazias de compensação por parte da Eletronuclear. Muitas vezes, as comunidades indígenas e quilombolas próximas às usinas nucleares permanecem desassistidas. A Frente é essencial para dar voz a essas populações, promovendo oficinas e projetos que defendem uma transição energética justa e participativa,” afirmou. Para Maria Clara, um dos maiores desafios é combater a desinformação sobre energias renováveis e democratizar o debate sobre modelos sustentáveis que respeitem os direitos humanos e ambientais. Silvana Canário, do Grupo Ambientalista da Bahia (GAMBÁ), trouxe à tona os impactos sociais e ambientais das energias renováveis, sobretudo no Nordeste. “Os empreendimentos frequentemente desrespeitam direitos básicos das comunidades locais, substituindo consultas prévias obrigatórias por audiências públicas que não as atendem. Há casos de contratos abusivos que oferecem arrendamentos irrisórios, prejudicando pequenos proprietários,” denunciou. Ela também abordou a necessidade de traduzir materiais técnicos, como as Salvaguardas Socioambientais para Energia Renovável, em linguagem acessível para as comunidades. “Nosso maior objetivo é garantir que as populações impactadas tenham conhecimento e ferramentas para defender seus direitos, contribuindo de forma ativa para a construção de uma transição energética realmente popular e inclusiva.” Joilson Costa, coordenador executivo da Frente, destacou os avanços e desafios que marcaram os três dias do seminário. Segundo ele, o evento não apenas revisitou os 10 anos de trajetória, mas também consolidou aprendizados e prioridades. “A Frente nasceu para articular movimentos que defendem os direitos de comunidades afetadas por danos socioambientais e propor alternativas viáveis ao modelo energético centralizado. Ao longo dessa década, apoiamos iniciativas de geração descentralizada de energia elétrica e consolidamos uma narrativa que prioriza justiça, inclusão e respeito aos direitos humanos,” explicou. Joilson também enfatizou a importância de transformar as reivindicações em políticas públicas concretas. “A transição energética deve ir além de uma simples mudança na matriz energética. Ela precisa incorporar participação popular, respeito aos territórios e justiça social. Um dos nossos grandes desafios é acompanhar e influenciar o Fórum Nacional de Transição Energética, garantindo que a sociedade civil tenha voz ativa nesse espaço,” ressaltou. Internamente, ele destacou a necessidade de reorganizar a estrutura da Frente, reafirmar documentos de referência e ampliar a membresia. “Saímos deste seminário com a missão de fortalecer nossa articulação e consolidar uma política energética verdadeiramente inclusiva e sustentável.” Além disso, Joilson apontou a urgência de intensificar ações práticas que promovam o acesso democrático às energias renováveis, especialmente em comunidades vulneráveis. “Nosso compromisso é assegurar que a transição energética não reproduza desigualdades históricas, mas seja um catalisador de justiça social e desenvolvimento sustentável para o Brasil,” concluiu. O seminário reforçou o compromisso da Frente em liderar a luta por uma política energética que respeite os direitos humanos, valorize as populações historicamente marginalizadas e promova uma transição justa, popular e inclusiva para o futuro do país. Seminário Nacional “Energia para a Vida” celebra 10 anos de resistência e conquistas Joilson Costa, Coordenador da Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil
Manifestação paralisa transporte de balsas no rio Tapajós contra Ferrogrão e alerta para impactos da hidrovia

Ato marcou o 7º Grito Ancestral do povo Tupinambá realizado no último sábado (16) na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns (PA). Crédito das imagens: Leonardo Milan | Texto: Daleth Oliveira/Amazon Watch e Aliança Contra a Ferrogrão. Cerca de 400 pessoas paralisaram o transporte de cargas no rio Tapajós no sábado (16). “Não deixe a Ferrogrão destruir o Tapajós”, dizia o mega-cartaz colocado nas balsas durante a intervenção realizada pelos povos impactados pelo projeto da Ferrogrão e hidrovia do Tapajós. O ato marcou o 7º Grito Ancestral do povo Tupinambá realizado no Território Tupinambá do Baixo Tapajós, Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns (PA), a 8 horas de barco de Santarém, no oeste paraense. Entre as 9h e 15h, os manifestantes ocuparam o rio com 5 barcos, 15 bajaras, denunciando os impactos do corredor logístico do Arco Norte, cujos comboios de balsas, portos e terminais afetam negativamente o rio e os habitantes da região. Estavam presentes representantes dos povos Tupinambá, Munduruku, Arapiun, Kumaruara, Jaraqui, Tapajó, Tapuia, Apiaka, Kayapó, e de comunidades ribeirinhas do baixo Tapajós e de Montanha e Mangabal. Em um ato pacifico, indígenas subiram nas balsas e comboios, divulgando a petição pelo fim do projeto da Ferrogrão. A Aliança contra a o projeto já reúne 39 movimentos e organizações da sociedade civil. “Estão nos impedindo de pescar e matando o Rio Tapajós para exportar soja para a China e para a Europa. Se a Ferrogrão for construída, a situação vai piorar ainda mais”, explica Raquel Tupinambá, coordenadora do Conselho Indígena Tupinambá do baixo Tapajós Amazônia (CITUPI). As ações de protesto no Tapajós ocorreram simultaneamente à COP 29, a Conferência da ONU sobre o Clima, no Azerbaijão. Segundo Pedro Charbel, coordenador de campanhas da Amazon Watch, é fundamental chamar a atenção do mundo à ameaça que a expansão da soja e Ferrogrão representam. “Nosso país será sede da COP no ano que vem e os olhos do mundo estão voltados para o Pará. Não podemos ceder aos interesses da Cargill e outras grandes empresas, temos que cancelar o projeto da Ferrogrão pelo bem do futuro do planeta”, afirma. Ao final da programação, os indígenas lançaram um manifesto do rio Tapajós, denunciando crimes ambientais: “Minhas águas já mudaram de cor por causa do garimpo e estou cheio de mercúrio que envenena os peixes e os humanos que se alimentam do que eu ofereço. Minha querida Praia da Vera Paz, espaço sagrado dos meus povos originários e lugar de lazer de tantos santarenos, foi destruída pelo ferro e cimento dos silos de soja do porto da Cargill. Construído há 21 anos, sem licença e sem consulta, esse porto marca o início de um ciclo de destruição”, diz trecho. Ferrogrão e os impactos no Rio Tapajós Desenvolvido por demanda da Cargill e outras grandes tradings do agronegócio, o projeto da Ferrogrão (EF-170) visa aumentar e escoar a produção de soja e milho do centro-oeste do Brasil através do Rio Tapajós. De acordo com estudos preliminares apresentados pelo Ministério dos Transportes, os quase mil quilômetros de trilhos entre Sinop (MT) e Miritituba (PA) aumentariam o volume de exportação de grãos pelo rio em mais de 6 vezes até 2049. Raquel Tupinambá teme que para aumentar o trânsito e navegabilidade de balsas no rio sejam feitas obras de dragagem e explosão dos pedrais que são sagrados para os povos indígenas. “A Ferrogrão vai aumentar o desmatamento para produzir mais soja e vai também aumentar a destruição do rio porque querem escavar o seu leito e explodir os pedrais, que são espaços importantíssimos para nós. A ferrovia vai aumentar os impactos do corredor logístico que já nos afeta, e até agora não fomos consultados”, denuncia. Karanhin Metuktire, liderança Kayapó e representante do Instituto Raoni (MT), reforça a necessidade de respeitar os direitos dos povos indígenas. “O projeto da Ferrogrão ser prioridade de setores do Governo Federal é um exemplo de como nossos direitos continuam sendo ignorados. Querem construir essa ferrovia sem respeitar a nossa existência e os protocolos de consulta de cada povo, como manda a Convenção 169 da OIT. Cada território tem suas próprias regras e formas de decidir, e isso precisa ser respeitado”, declara. Para a advogada Bruna Balbi, da organização Terra de Direitos, o Governo precisa realizar a consulta prévia com urgência e analisar os impactos da Ferrogrão de modo relacionado com os demais empreendimentos do corredor logístico do Arco Norte. “Esse corredor envolve mais de 40 portos de transporte de carga, a hidrovia do Rio Tapajós e os passivos da BR-163. É urgente analisar os impactos cumulativos e sinérgicos dessa rede logística na região e, acima de tudo, respeitar o direito à consulta de todas as comunidades e povos afetados, conforme estipula a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho ”, explica Balbi. ➡️ Em 2021, em entrevista ao podcast do GT Infraestrutura, André Luís Ferreira, diretor-executivo do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) falou sobre a necessidade de cenários alternativos de infraestrutura no Brasil. Ouça aqui o episódio “Ferrogrão e a busca por modelos de logística no Arco Norte”. Veja mais fotos da manifestação no rio Tapajós:
Diálogo sobre Infraestrutura Sustentável no G20: Desafios, Oportunidades e Justiça Socioambiental

A Cúpula Social do G20, que reúne especialistas, sociedade civil e representantes do governo, promove nesta quinta-feira (14) um debate sobre infraestrutura sustentável, inclusiva e resiliente em regiões ambientalmente sensíveis. O evento ocorrerá entre 14h e 16h (horário de Brasília) no Espaço Kobra, localizado na Praça Mauá, no centro do Rio de Janeiro. A atividade, organizada pelo Grupo de Trabalho (GT) Infraestrutura e Justiça Socioambiental, em parceria com o BRICS Policy Center da PUC-RJ, a ONG Derecho Ambiente y Recursos Naturales (DAR) do Peru e o PROCAM/IEE/USP, visa aprofundar a discussão sobre os desafios e as oportunidades no planejamento de infraestrutura, especialmente em regiões que demandam um equilíbrio entre o desenvolvimento e a preservação ambiental. O evento buscará promover o diálogo sobre os impactos socioambientais da infraestrutura de transportes e energia, além de discutir a importância da transparência e da participação social nos processos decisórios. Especialistas e representantes da sociedade civil irão abordar os meios para fortalecer instrumentos que garantam um desenvolvimento mais justo e sustentável, respeitando os direitos dos povos e comunidades afetadas. O encontro é aberto a todos os interessados e requer inscrição prévia. Mais informações sobre a programação da Cúpula Social do G20 e o link para inscrição estão disponíveis no site oficial aqui. Cúpula Social do G20 O G20 Social, iniciativa lançada pelo presidente Lula durante a 18ª Cúpula do G20, visa ampliar a participação da sociedade civil nos processos decisórios do bloco, com foco na construção de um “Mundo Justo e um Planeta Sustentável”. A iniciativa reúne 13 grupos de engajamento, como C20 (sociedade civil), Y20 (juventude) e B20 (negócios), e busca garantir que as vozes não-governamentais sejam ouvidas e, quando houver consenso, incorporadas às declarações do G20. Entre 14 e 16 de novembro de 2024, o Rio de Janeiro sediará a primeira Cúpula Social do G20, evento que reunirá cerca de 50 mil pessoas, incluindo movimentos sociais como a APIB, a CUT e o MST. A Cúpula Social será um espaço de discussão sobre justiça social, econômica e ambiental, e terá um papel central ao antecipar as discussões da Cúpula de Líderes. Este marco inédito na história do G20 destacará a importância da participação popular na construção de políticas públicas que combatam as desigualdades globais. Saiba mais sobre inscrições na Cúpula Social e a programação geral do G20 aqui
Por que o novo Plano Nacional de Logística do governo federal será decisivo para a economia e ao meio ambiente

O plano deve apontar os gargalos de logística do Brasil, permitindo que as decisões de grandes obras como ferrovias e estradas atendam às prioridades do país. O Brasil está em um momento muito importante para o desenvolvimento de sua infraestrutura de transportes. O Plano Nacional de Logística 2050 (PNL 2050) está começando a ser elaborado pelo Governo Federal e seu Comitê de Governança já vem definindo algumas diretrizes para sua formulação. Trata-se de um momento oportuno para pôr em prática um processo decisório que, além de buscar uma movimentação eficiente e integrada de cargas e de pessoas, incorpore riscos sociais e ambientais na avaliação de corredores logísticos. Ao olhar para regiões sensíveis como a Amazônia Legal, onde diversas obras de infraestrutura são planejadas e postas em prática , a incorporação de riscos sociais e ambientais no planejamento estratégico de transportes se mostra ainda mais pertinente. A carteira de projetos de infraestrutura do PNL 2050 deve ser selecionada de forma a atender as necessidades locais, além de não comprometer a integridade cultural e ambiental na Amazônia. Para André Luís Ferreira, diretor-executivo do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), é necessário que o PNL 2050 tenha critérios transparentes e discuta com a sociedade as prioridades de investimentos. As alternativas de investimentos devem ser comparadas com base em uma análise multidimensional. Ela deve conter critérios técnicos, sociais, ambientais, financeiros e temporais. Cada alternativa precisa incluir um diagnóstico dos riscos sociais e ambientais, garantindo que os projetos escolhidos sejam sustentáveis e viáveis”, afirma Ferreira. O foco da discussão sobre transportes interurbanos de cargas está reduzido a questões operacionais e emergenciais de projetos específicos e não contempla uma análise prévia de problemas. “Não há questionamentos sobre quais critérios elegeram os projetos em pauta e o porquê deles serem selecionados”, ressalta Ferreira. Essa é a importância do PNL 2050, a necessidade da criação de um processo em que boas práticas sejam implementadas de modo a responder a algumas questões: Quais são os atuais e futuros problemas de infraestrutura de transporte no Brasil? Quais problemas serão priorizados? Como hierarquizá-los? Quais as alternativas propostas para solucioná-los e evitá-los? O resultado final almejado do PNL 2050, que deverá ser um conjunto de soluções para os problemas logísticos debatidos com a sociedade, estará disponível para seleção estratégica e destinação a serem implementados com recursos do Orçamento Geral da União, via Plano Plurianual 2028-2031. Outra possibilidade é a implementação com recursos privados, via Programa de Parceria de Investimentos (PPI). Nesse processo, para promover uma infraestrutura de transporte que suporte o crescimento econômico e social do país, garantindo que os investimentos sejam realizados de maneira inteligente e sustentável, é fundamental que o Planejamento Nacional de Logística adote as boas práticas. Caso contrário, as metas estabelecidas serão apenas formalidades no papel, sem promover para sociedade um retorno eficaz e benéfico. Com o objetivo de contribuir com essa discussão, o Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) realizou no dia 1° de novembro o Workshop on-line para jornalistas “Como ter um processo decisório transparente e estratégico para a infraestrutura no Brasil” . O evento teve por objetivo compartilhar e analisar dados e levantamentos inéditos sobre o tema. O treinamento foi apresentado por André Luis Ferreira, diretor-executivo do IEMA, com mediação de Isis Nóbile Diniz, coordenadora de comunicação da organização.
Até quando e até quanto?

Por Sérgio Guimarães* Na segunda-feira, 21 de outubro de 2024, teve início em Londres o julgamento de uma ação histórica: cerca de 620 mil pessoas atingidas pelo rompimento da barragem da Samarco, em Mariana (MG), processam a mineradora BHP, uma das controladoras da empresa. Entre os promotores da ação estão municípios, comunidades indígenas, igrejas e empresas, que pleiteiam uma indenização estimada em R$ 266 bilhões. Se deferida, será a maior indenização já vista na Justiça britânica e uma das maiores do mundo em casos ambientais. Esse evento destaca bem a dimensão dos danos e dos dramas pessoais e econômicos provocados por desastres ambientais causados, muitas vezes por descasos e negligencias de quem desconsidera evidências e o bom senso, voltados apenas para interesses econômicos. Muitas vezes, como nesse caso e em outros semelhantes, o resultado são milhares vidas, cidades setores econômicos devastados, gerando prejuízos literalmente incalculáveis. Essas situações são agravadas ainda mais pelas mudanças climáticas. Somente no Brasil em 2024 ocorreu uma série de desastres climáticos: enchentes devastadoras no Rio Grande do Sul, incêndios incontroláveis em várias regiões do país, seca histórica na Amazônia e chuvas torrenciais em São Paulo. Eventos causaram não apenas perdas de vidas, mas também prejuízos econômicos bilionários. Por exemplo, o impacto econômico da enchente no Rio Grande do Sul, de acordo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), foi de R$ 87 bilhões. Os prejuízos dos outros desastres ainda estão sendo calculados. O fato é que os custos de resposta a esses desastres são astronômicos e crescem continuamente. A grande questão é até quando e até quanto a economia global será capaz de sustentar essa drenagem de recursos destinados à reconstrução de infraestruturas destruídas, ao pagamento de indenizações, ao reforço necessário de políticas públicas de saúde e educação, além dos incentivos econômicos a reconstrução da uma economia. O redirecionamento de recursos de outras áreas cruciais para responder a crises imediatas cria um ciclo que ameaça a própria estabilidade das nações. Diante desse cenário, a mera resposta emergencial aos desastres não é mais suficiente. É preciso ir além da restauração de serviços e de medidas de adaptação a esses eventos e até mesmo das necessárias políticas de mitigação que buscam reduzir sua frequência e intensidade. Devemos agir nas raízes profundas da crise climática, revisando os princípios que regem nossa relação com o meio ambiente. Essa mudança deve envolver não apenas ações políticas e econômicas, mas também uma transformação ética e cultural nos princípios básicos que alicerçam nossa sociedade, redefinindo como interagimos uns com os outros e com a natureza. Sem essa mudança estrutural, continuaremos presos em um ciclo vicioso de “enxugar gelo”, enfrentando eventos cada vez mais extremos e sustentando um modelo insustentável que gera custos cada vez mais difíceis de suportar por governos, empresas e cidadãos. Só com uma mudança radical nos fundamentos de nossa sociedade e economia poderemos evitar um futuro de crises cada vez mais frequentes e de custos impagáveis. Isso também é emergencial! *Sérgio Guimarães é engenheiro civil, especialista em políticas ambientais.
Principais bancos estão contribuindo com US$ 395 bilhões para o colapso da biodiversidade desde o Acordo de Paris

Novos relatórios revelam o financiamento crescente a setores destrutivos e destacam a necessidade urgente de regulamentações para que o setor financeiro contribua com as Metas Globais de Biodiversidade. Brasil lidera em financiamentos a setores com risco de desmatamento São Francisco (USA), 16 de outubro de 2024 – Com a aproximação da 16ª Conferência das Partes (COP16) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), novos dados e análises divulgados hoje pela Coalizão Florestas e Finanças — um grupo de dez organizações internacionais da sociedade civil — revelam que os maiores bancos do mundo destinaram mais de US$ 395 bilhões em crédito a setores que impulsionam a destruição das florestas e violações de direitos humanos em florestas tropicais desde a adoção do Acordo de Paris. Somente no período mais recente de análise, janeiro de 2023 a junho de 2024, foram US$ 77 bilhões em crédito. A pesquisa destaca que os governos têm pautado a omissão em conter essa tendência, apesar de terem adotado o Marco Global de Biodiversidade (GBF) há quase dois anos. Os resultados evidenciam a necessidade urgente de medidas regulatórias robustas para alinhar as práticas financeiras com as metas globais de biodiversidade. O relatório “Financiando o Colapso da Biodiversidade” é a análise mais abrangente sobre o papel das finanças globais na destruição das florestas tropicais — um estudo inicial publicado em dezembro de 2023. O relatório deste ano examina bancos e investidores que financiam 300 empresas operando em seis setores de commodities de alto risco — carne bovina, óleo de palma, celulose e papel, borracha, soja e madeira — de desmatamento, perda de biodiversidade e violações de direitos humanos no Sudeste Asiático, América Latina e África Central e Ocidental. Lançado em conjunto, o relatório “Regulamentação Financeira para a Biodiversidade” revela, juntamente com o estudo principal, que a maior parte do financiamento vem do Brasil, China, Indonésia, União Europeia e Estados Unidos. O Brasil, em particular, ocupa um papel central no financiamento desses setores destrutivos, sendo responsável por 72% de todo o crédito mundial destinado à produção e ao processamento primário das seis commodities com risco de desmatamento dos biomas brasileiros. “O setor financeiro precisa avançar na transparência de seus negócios, para que suas políticas corporativas de sustentabilidade sejam de fato escrutinadas por órgãos reguladores e a sociedade civil. Do ponto de vista da política pública, precisamos de marcos legais nacionais e internacionais mais fortes, evitando o financiamento de projetos predatórios. A governança das cadeias produtivas de commodities ainda é muito frágil. Sem mudanças, violações de direitos e a destruição de biomas continuarão a ocorrer”, afirma Marcel Gomes, secretário executivo da ONG Repórter Brasil, membro da Coalizão. Entre 2016 e junho de 2024, bancos brasileiros destinaram US$ 188 bilhões a essas empresas de risco à biodiversidade. No período mais recente de 18 meses (janeiro de 2023 a junho de 2024), apenas os três maiores bancos do país – Banco do Brasil, Bradesco e Itaú Unibanco – forneceram US$ 35 bilhões, principalmente para os setores de soja e carne bovina. “Os governos estão inertes enquanto os bancos continuam a financiar a destruição das florestas e violações de direitos humanos, sem qualquer restrição ou consequência”, afirma Tom Picken, diretor da campanha Florestas e Finanças da organização Rainforest Action Network (RAN), membro da Coalizão. “Com a COP16 se aproximando, é o momento de uma ação transformadora. A verdadeira ‘lacuna de financiamento’ para a conservação é, na verdade, uma lacuna regulatória para impedir que bancos e investidores continuem alimentando a crise de biodiversidade.” Brasil: epicentro do financiamento para setores que destroem a biodiversidade O programa de Crédito Rural do Brasil desempenhou um papel importante no crescimento desses setores, com um aumento de US$ 10,7 bilhões para o setor de soja e US$ 9,8 bilhões para o setor de carne bovina entre 2016 e 2023. Além disso, os investimentos no setor aumentaram bastante por meio de instrumentos financeiros como Fiagros, CRAs, e LCAs. As regulamentações sobre esses produtos de investimento, vendidos a investidores privados, praticamente não possuem critérios socioambientais associados. Esses produtos são amplamente utilizados para financiar o setor agrícola e se tornaram uma fonte de capital fundamental para a expansão das atividades. Dados governamentais mostram que, em julho de 2024, o valor total dos instrumentos financeiros destinados ao setor agrícola brasileiro alcançou US$ 187 bilhões. “Sem mudanças regulatórias que imponham requisitos socioambientais mais rígidos e a responsabilização dos financiadores, o setor financeiro brasileiro continuará impulsionando a destruição das florestas e colocando em risco as metas de biodiversidade” disse Tarcísio Feitosa – articulador da Coalizão Florestas e Finanças para o Brasil. Enquanto incêndios florestais devastam a Amazônia durante uma das piores temporadas de queimadas já registradas, o relatório “Financiando o Colapso da Biodiversidade” detalha como a JBS, a maior empresa de processamento de carne do mundo, tem contribuído para a destruição de terras indígenas na Amazônia, apoiada por US$ 1,1 bilhão em crédito de grandes instituições financeiras. Apesar dos compromissos para práticas éticas, a JBS continua perpetuando o desmatamento e as violações de direitos humanos. Além disso, os relatórios apontam que as iniciativas voluntárias de sustentabilidade dos bancos estão falhando. Mais da metade dos 30 maiores bancos com risco de desmatamento florestal do mundo são membros de pelo menos uma iniciativa de sustentabilidade, como os Princípios para a Responsiabilidade Bancária (UNPRB), a Aliança Bancária por Zero Emissões Líquidas (NZBA) e a Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas à Natureza (TNFD). No entanto, tais compromissos não impediram a continuidade do financiamento para a destruição das florestas e as violações de direitos humanos. Sistemas de certificação como o Forest Stewardship Council (FSC) e a Mesa Redonda sobre Óleo de Palma Sustentável (RSPO) também não conseguiram evitar o desmatamento nem proteger os direitos humanos. “Bancos e investidores que dependem de esquemas de certificação falhos, como o FSC e a RSPO, são cúmplices do greenwashing e contribuem para as crises climática, de biodiversidade e de direitos humanos. As instituições financeiras devem assumir a responsabilidade pelos impactos de seus financiamentos e conduzir rigorosa diligência e verificação independente do cumprimento das políticas ambientais e sociais de seus clientes”, disse Jeff