Infraestrutura, Desmatamento e Ações Necessárias

Consequências e Causas do desmatamento. São amplamente conhecidas as consequências diretas e indiretas do desmatamento da Amazônia; sobre a floresta, suas comunidades e o clima regional e global. Está evidenciado também, segundo a quase unanimidade dos cientistas, que a continuidade dessa dinâmica levará a floresta ao ponto de “não retorno”, a partir do qual pode se desencadear processos irreversíveis de degradação,  perdendo a capacidade de se regenerar por si mesma. O que na prática pode significar o fim da floresta enquanto bioma capaz de contribuir para a estabilidade do clima, agravando de forma dramática e até mesmo imprevisível situações climáticas extremas já vivenciadas em todo Brasil, como fortes secas e inundações. Contexto em que se tornarão inócuos todos os esforços que estão sendo feitos pelo Brasil e outros países para reverter a situação. Por isso mesmo, existe um consenso entre cientistas, setores do governo e importantes segmentos da sociedade, especialmente as comunidades da região, que é urgente reduzir e zerar o desmatamento na Amazônia. Nesse sentido, o Brasil tem compromissos internos e internacionais bem claros de desmatamento zero até 2030 – sem esquecer a necessidade de investir forte em restauração florestal. Na Cop26 em Glasgow, por exemplo, o país se comprometeu a zerar o desmatamento ilegal até 2028 e neutralizar as emissões de carbono até 2050.[1] Grandes obras de infraestrutura são historicamente e continuam sendo, um dos principais vetores de desmatamento; rodovias, ferrovias e hidrelétricas têm se constituído ao longo dos anos, mesmo com medidas compensatórias estabelecidas (nem sempre cumpridas), em uma das causas fundamentais de desmatamento na região amazônica; pois viabilizam a ocupação do território e a expansão da agropecuária que impõem mudanças de uso do solo na região, principalmente considerando as condições de governança territorial. Desde a BR 364, que impulsionou a ocupação de Rondônia, (iniciada no governo de Juscelino Kubitscheck e concluída a ligação entre Cuiabá e Porto Velho, em 1966), a BR  230, conhecida como Transamazônica, até a BR 163 (Cuiabá – Santarém), todas se constituíram no fator decisivo do processo de devastação na região. A BR-163 por exemplo continua sendo o principal vetor do desmatamento em toda sua área de influência  e causando enormes danos.[2] Da mesma forma, grandes hidrelétricas como Tucuruí no rio Tocantins, Belo Monte no rio Xingu, Santo Antônio e Jirau no rio Madeira e quatro barragens construídas simultaneamente no  rio Teles Pires (afluente do Tapajós) além dos impactos diretos na floresta, na fauna aquática, no regime hídrico de grandes rios e nas comunidades ribeirinhas, também contribuem para o desmatamento, emissões de metano e outros gases de efeito estufa e a ocupação desordenada da região, incentivando a migração para cidades da região que já padecem de enormes déficits de infraestruturas básicas. A perspectiva de um grande número de novos empreendimentos de infraestrutura[3] nos setores de transporte e energia, anunciadas em diferentes programas governamentais, têm um gigantesco potencial de impacto. Na grande maioria dos casos, os estudos realizados subestimam os riscos socioambientais, os impactos cumulativos entre diversos projetos no mesmo território e, sequer, avaliam alternativas. A título de exemplo, estudo realizado pelo CPI, centro de pesquisa ligado à PUC/RJ, mostra que somente a pavimentação da BR 319 tem uma área de influência de 300 mil Km² com enorme potencial de desmatamento. Para se ter uma ideia da dimensão desse território, o Estado de São Paulo  tem 248 mil Km² de superfície.[4] Grandes projetos têm sido apresentados sem estudos suficientes para uma tomada de decisão com base técnica. Em sua maioria têm sido definidos a partir de interesses políticos e de setores econômicos diretamente envolvidos e que aprofundam o modelo de desenvolvimento que tem causado todo o processo de desmatamento na região.  Citamos aqui a Ferrogrão (um projeto de ferrovia de 933 km² de extensão, entre Sinop (MT) e Santarém (PA) passando por áreas extremamente sensíveis),[5] hidrelétricas no Rio Madeira, hidrovia no Tocantins e mais recentemente a proposta de Corredores de Integração Sul Americana.[6] Esse conjunto de empreendimentos, se implementados nas atuais condições de governança territorial, agravarão ainda mais os impactos sobre a floresta, suas comunidades e o clima regional e global e certamente, contribuirão para inviabilizar o alcance das metas de redução do desmatamento previstas, tanto internamente, (sintetizadas no PPCDAm)[7], bem como, o cumprimento dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil[8] em relação às emissões de gases GEE. Acordos que estabelecem uma redução de 48,4% em relação às emissões de 2005, já em 2025, e de 53,1% em 2030. O aumento vertiginoso de eventos extremos no Brasil e em todo o mundo não deixa dúvidas da necessidade de cumprimento dessas metas. A urgência de combater e zerar o desmatamento – o que é preciso ser feito Importantes esforços estão sendo desenvolvidos nessa agenda, tanto por organizações da sociedade, com a realização de estudos e ações de incidência; quanto pelo próprio governo, com a implementação do PPCDAm[9] e em alguns casos, alcançando resultados significativos[10], porém ainda, largamente insuficientes diante da magnitude dos desafios. Portanto, é urgente ampliar e fortalecer as diversas frentes de ação para reduzir os riscos socioambientais e econômicos de grandes obras de infraestrutura. Uma estratégia de atuação efetiva deve ter como meta principal a proteção da floresta, dos sistemas hídricos e ao mesmo tempo respeitar as comunidades e beneficiar a economia regional e a vida no planeta como um todo, especialmente, em termos de biodiversidade, e equilíbrio climático. Deve estabelecer espaços de diálogo entre o poder público, organizações da sociedade, movimentos sociais e seus aliados, assim como de outros stakeholders-chaves; tanto para tratar de casos emblemáticos nos territórios, quanto para estabelecer mecanismos que fortaleçam as políticas públicas e os processos de tomada de decisão. Para superar problemas crônicos, sobretudo, relacionados aos riscos socioambientais e ao desrespeito de direitos de comunidades locais, é preciso que a participação ocorra desde o início do processo decisório dos grandes empreendimentos. É fundamental garantir o direito à Consulta Livre, Prévia e Informada das comunidades potencialmente atingidas. A falta de transparência e participação da sociedade contribuem para a escolha de mega-projetos que atendem principalmente os interesses de

Mais duas vitórias na bacia do Juruena: governo federal promete desistir de vez da UHE Castanheira

De Rede Juruena Vivo O GT Infra, a Rede Juruena Vivo e parceiros articularam reuniões no MME e na Casa Civil e as conquistas precisam ser comemoradas: depois do arquivamento do licenciamento, governo retira Castanheira do Plano Decenal de Energia (PDE) e promete saída do Plano de Parcerias e Investimentos (PPI).  Por Larissa Silva (Rede Juruena Vivo) e Andreia Fanzeres (OPAN) Após uma longa batalha liderada pela Rede Juruena Vivo, a construção da Usina Hidrelétrica (UHE) de Castanheira, proposta para barrar o rio Arinos, afluente do Juruena, e o arquivamento do processo de licenciamento ambiental do projeto pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (SEMA-MT), o Ministério de Minas e Energia (MME) anunciou em reunião em Brasília que vai retirar o projeto da nova versão do Plano Decenal de Energia (PDE). A decisão foi anunciada diante de lideranças indígenas e da sociedade civil durante o Acampamento Terra Livre (ATL) no dia 25 de abril. E representa um marco na proteção dos direitos das comunidades afetadas e na preservação do meio ambiente, depois de anos de preocupações e resistência. O projeto da UHE Castanheira foi previsto para o rio Arinos, no município de Juara, no noroeste de Mato Grosso, e teve estudos conduzidos pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Mas, por causa da sua potência irrisória (140MW) e por se localizar num rio estadual, seu licenciamento ambiental, que teve início em 2013, ficou a cargo da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA).  Desde então, o projeto enfrentou forte oposição da comunidade local devido aos seus potenciais impactos ambientais, culturais e socioeconômicos. Estudos mostraram que a construção da usina afetaria cinco diferentes povos indígenas: Rikbaktsa, Munduruku, Apiaká, Kawaiwete e Tapayuna, que não foram consultados de forma livre, prévia e informada, como manda a legislação. Além disso, os Tapayuna nunca foram chamados para a discussão sobre o empreendimento, que se localiza em seu território de ocupação tradicional. Os danos no ecossistema do rio Arinos, vital para a sobrevivência dessas comunidades, geraram preocupação quanto à reprodução física e cultural de suas populações. Durante a reunião no MME, Dilma Maria Mani, liderança do Povo Kawaiwete, destacou a importância do rio Arinos para as comunidades indígenas: “A água não é mercadoria para nós, a água é vida! Nós não queremos um rio contaminado, nós queremos água limpa. A gente precisa viver com água limpa. Porque quando a gente tem água limpa, a gente tem uma vida saudável”. “Nós não queremos essa usina que vai estragar o rio que pertence ao nosso povo, onde nós buscamos a nossa alimentação, tiramos o nosso sustento para alimentar nossos filhos. É ali que a gente toma banho, que temos as nossas festas, os nossos rituais, é onde buscamos o que oferecer, nós precisamos ter o nosso rio, o lugar de lavar nossas almas. Então hoje pedimos aqui para as autoridades do ministério que retirem do PDE, que não deixem que essa usina seja colocada lá. Quem vai sofrer somos nós. Será que o nosso rio vai ficar só na história? Não, nós queremos o nosso rio vivo!” continuou Dilma. Além dos impactos sobre as comunidades indígenas, o projeto também enfrentou críticas quanto ao aspecto socioeconômico. Produtores rurais das comunidades de Pedreira e Palmital, que teriam suas propriedades alagadas, temem que suas atividades sejam prejudicadas ou impossibilitadas com a construção da usina. Além disso, a viabilidade econômica do empreendimento é questionada, visto seu alto custo e baixa capacidade de geração de energia. Na reunião no MME, representantes da Rede Juruena Vivo apresentaram um documento solicitando a retirada do projeto da UHE Castanheira do PDE, destacando a necessidade de respeito aos direitos indígenas, à proteção ambiental e à consulta prévia, livre e informada das comunidades afetadas. Diante dos argumentos apresentados, Thiago Vasconcellos Barral Ferreira, secretário nacional de transição energética e planejamento do MME, informou que a UHE Castanheira seria excluída do PDE 2024-2034. Brent Millikan, do GT Infraestrutura, avalia que a promessa deverá mesmo ser cumprida: “O PDE é reeditado anualmente e, em tese, o governo poderia tentar retomar o projeto.  No entanto, com toda oposição dos movimentos de base e todos os indícios técnicos de que o projeto é muito ruim em termos sociais, ambientais e econômicos – e considerando ainda o arquivamento do licenciamento ambiental pela SEMA  – não é provável que o governo federal tente retomar o projeto, pelo menos nos próximos anos”.  Apesar disso, o projeto ainda permanece no Plano de Parcerias e Investimentos (PPI) do governo federal. Régis Fontana Pinto, diretor do PPI, recebeu a Rede Juruena Vivo, a Coalizão Pelos Rios e a Operação Amazônia Nativa (OPAN) na Casa Civil da Presidência da República no dia seguinte, 26 de abril, e garantiu que o pedido pela retirada do projeto da UHE Castanheira do programa será cuidadosamente analisado, mas não deu prazo para a decisão final.

Organizações da sociedade civil cobram da Cargill o cumprimento de promessas para evitar o desmatamento

Novo relatório cita fornecedores existentes da gigante do agronegócio envolvidas em ilegalidades Foto de capa: Raissa Azeredo Minneapolis, MN — Hoje, a Stand.earth, em parceria com a AidEnvironment e 13 outras organizações brasileiras e internacionais, divulgou um novo relatório detalhando um conjunto de políticas e práticas necessárias para que a multinacional Cargill Inc. cumpra com o compromisso anunciado em novembro de 2023 de manter a sua cadeia de fornecedores de commodities agrícolas – incluindo soja, milho, trigo e algodão –  livre de desmatamento e conversão de florestas, tanto no Brasil, como no Uruguai e na Argentina, até o ano de 2025. Além de um roteiro de dez etapas, foi apresentado um dossiê com detalhes sobre fornecedores da atual cadeia de abastecimento da Cargill que violam as políticas existentes da empresa relacionadas ao desmatamento e outras formas de destruição da natureza. A Stand.earth, juntamente com a Amazon Watch, a Rainforest Action Network, a International Rights Advocates, a GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental, a Mighty Earth, a Eko, a Global Witness, a Friends of the Earth e outras organizações brasileiras e internacionais solicitam à Cargill, como demonstração de boa fé, que retire estas empresas de sua cadeia de  fornecedores. “Através de nossa investigação, conseguimos identificar meios para a Cargill começar a cumprir imediatamente com compromissos assumidos pela empresa sobre a proteção de alguns dos ecossistemas mais críticos da América do Sul”, disse Joana Faggin, investigadora sénior da AidEnvironment. “Cabe à família Cargill-MacMillian colocá-los em ação”. O relatório vem um mês depois que a Stand.earth, em coordenação com a Repórter Brasil, lançou um relatório revelando violações recorrentes da legislação ambiental e de direitos humanos, inclusive de povos indigenas,  no Brasil, em contraste com compromissos que afirmam o contrário. Com ambos os relatórios, a família Cargill-MacMillan, proprietária da Cargill, tem elementos contundentes para entender melhor a destruição que sua empresa vem causando na América do Sul e os passos necessários para cumprir com os compromissos públicos assumidos pela empresa. “É hora de a família Cargill-MacMillan garantir que sua empresa cumpra seus compromissos e deixe um legado de liderança em vez de promessas não cumpridas”, disse Mathew Jacobson, diretor da campanha Burning Legacy da Stand.earth. “Eles precisam implementar os passos delineados no relatório, cancelar contratos com empresas que violam suas políticas existentes e retirar o seu apoio à construção de uma ferrovia para a exportação de grãos que atravessaria a Floresta Amazónica.” Infelizmente, o compromisso anunciado em novembro passado não é o primeiro do género assumido pela Cargill. De fato, a Cargill assumiu já assumiu diversos compromissos ao longo dos anos em relação ao desmatamento e aos direitos humanos que não cumpriu. Fornecer uma lista suja de fornecedores dá à família e à empresa a capacidade de agir de acordo com os seus compromissos, retirando-os imediatamente da sua atual cadeia de abastecimento. “A Cargill precisa atualizar suas políticas de cadeia de fornecimento, levando em conta as dinâmicas do desmatamento em áreas como a Amazônia, onde a expansão do agronegócio tem sido associada à extração ilegal de madeira, à grilagem de terras públicas e a conflitos com comunidades tradicionais”, disse Brent Millikan, membro da Secretaria Executiva do GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental, uma rede de organizações da sociedade civil brasileira. “Seus investimentos em transporte e infraestrutura portuária têm contribuído para conflitos socioambientais”. O relatório está sendo lançado enquanto se aguarda uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a construção da “Ferrogrão”, uma ferrovia para o transporte de soja e outras mercadorias do agronegocio com quase mil quilómetros de extensão.  Promovida pela Cargill, a ferrovia atravessaria o coração da Amazônia brasileira, afetando terras indígenas e unidades de conservação – o que contrasta  com o recente compromisso da Cargill sobre a manutenção de uma cadeia de abastecimento livre do desmatamento.  O projeto proposto transportaria grãos entre Sinop (MT), no bioma do Cerrado no Brasil Central, e os rios Tapajós e Amazonas para exportação para a Europa e China.  A gigante norte-americana Cargill cobra publicamente a retomada do projeto e alega que quem se opõe à Ferrogrão é “irresponsável“. Os povos indígenas e outras comunidades amazónicas, juntamente com organizações ambientais e de direitos humanos, dizem que isto é inconsistente com o atual compromisso da Cargill e exigem que a Cargill retire o apoio ao projeto. Pedem também ao governo brasileiro que cancele o projeto de forma a proteger a Amazónia e os meios de vida de povos indígenas e de outras comunidades locais. “A agricultura industrial é um dos maiores responsáveis pela crise das mudança climáticas”, afirmou Todd Paglia, Diretor Executivo da Stand.earth. “A família Cargill-MacMillian pode orientar a empresa para que implemente de fato o novo compromisso de não contribuir para o desmatamento, mas a prova está nas ações, não nas palavras. Estamos ansiosos para ver a Cargill tomar as medidas concretas que delineámos para tornar a sua política real.“ A Cargill é a maior empresa privada dos Estados Unidos e a maior empresa agroindustrial do mundo. Oitenta e oito por cento[1] da empresa é propriedade da família Cargill-MacMillan – cerca de 20 pessoas, divididas em dois ramos, os Cargills e os MacMillans. São a quarta família mais rica da América,[2] com mais bilionários do que qualquer outra família na Terra.[3] A família ganhou bilhões de dólares com a destruição de ecossistemas esssenciais, a violação dos direitos de povos indígenas e relações abusivas de trabalho nas suas plantações e em propriedades de fornecedores. Link para acessar o novo relatório “Promises to Keep” e o dossiê “Bad Apples” (inglês) está aqui. ### A Stand.earth (anteriormente ForestEthics) é uma organização ambiental internacional sem fins lucrativos, com escritórios no Canadá e nos Estados Unidos, conhecida pela sua investigação inovadora e campanhas bem sucedidas de envolvimento de empresas e cidadãos para criar novas políticas e padrões industriais na proteção das florestas, na defesa dos direitos dos povos indígenas e na proteção do clima. Visite-nos em www.stand.earth e siga-nos no Twitter @standearth. A AidEnvironment é uma organização sem fins lucrativos de investigação, estratégia e implementação da sustentabilidade trabalhando para conseguir uma

Um pouco de história e os gols de 2023

Foto de capa: Michel Dantas/Observatório BR-319 Desde 2012, o GT Infraestrutura tem atuado como rede de entidades da sociedade civil brasileira voltada para a incorporação de uma ótica de justiça socioambiental entre políticas, programas e projetos de infraestrutura, especialmente nos setores de transporte e energia, com destaque para a região amazônica.  A criação do GT Infra foi uma resposta da sociedade civil brasileira a problemas crônicos de grandes obras de infraestrutura na Amazônia, tais como planejamento autoritário, sub-dimensionamento de riscos socioambientais e da invisibilização de comunidades tradicionais, o que têm resultado em fenômenos como o desmatamento acelerado e graves conflitos socioambientais. A rede conta hoje com mais de 50 membros entre entidades socioambientais e movimentos sociais, além de observadores, cientistas convidados e outros aliados. Assim, as estratégias de atuação do GT Infra têm se organizado em dois eixos interligados: Nesses dois eixos estratégicos, uma característica fundamental da atuação do GT Infra tem sido as parcerias com comunidades e movimentos de base, objetivando i) o fortalecimento de iniciativas em defesa de territórios e direitos frente às ameaças e impactos socioambientais de grandes projetos, ii) a valorização de suas contribuições em debates sobre mudanças estruturantes entre políticas públicas e iii) apoio para iniciativas inovadoras de infraestrutura sustentável, voltadas ao ‘bem-viver’ das comunidades locais. Com a chegada de um novo governo federal no Brasil em janeiro de 2023, num contexto de resiliência de instituições democráticas no país e, ao mesmo tempo, a persistência de contradições numa coalizão política de ‘frente ampla`, tem surgido novas oportunidades e desafios para avançar em agendas estratégicas do GT Infra.  Essa conjuntura destaca a relevância de uma atuação estratégica do GT Infra que envolve: i) esforços de cooperação com o Poder Público na implementação de uma agenda de mudanças estruturantes entre instrumentos e processos decisórios nas políticas de infraestrutura sob uma ótica de sustentabilidade socioambiental, especialmente, na fase de planejamento setorial, e ii) o fortalecimento de iniciativas de comunidades e movimentos locais na defesa de territórios e direitos, frente às ameaças e danos de grandes projetos de infraestrutura que ainda persistem, especialmente a ação preventiva frente a empreendimentos de alto risco socioambiental no ‘pipeline’ governamental. Destaques de 2023 Nesse contexto político-institucional – e mesmo com restrições severas de recursos financeiros – cabe destacar os seguintes avanços no ano de 2023: [1] Veja a versão preliminar do plano de ação sobre o tema “transparência e participação em grandes projetos de infraestrutura” aqui [2] Veja, por exemplo, os documentos produzidos em oficinas coorganizadas com movimentos sociais em Sinop (MT)  (maio de 2023) e Santarém (PA) (setembro de 2023). [3] Sobre a Ferrogrão, veja, por exemplo, a carta encaminhada em dezembro de 2023 ao Grupo de Trabalho criado pelo Ministério de Transportes (Portaria no. 994 de 17 de outubro de 2023)  para subsidiar a tomada de decisões governamentais sobre a viabilidade socioambiental e econômico-financeira do empreendimento. [4] Veja também o documento “Notas para subsidiar debates no seminário do Itamaraty em preparação para a Cúpula da Amazônia” (maio de 2023).  Sobre a Cúpula da Amazônia, veja também o mini-documentário produzido pelo GT Infraestrutura, Fundo CASA Socioambiental e redes parceiras.

Mais de 50 organizações pedem boicote ao edital da Fundação Cargill

Foto: Yuri Rodrigues/FASE Organizações da sociedade civil e movimentos sociais estão boicotando o edital “Semeia Fundação Cargill 2024”, lançado pela americana Cargill, líder do setor de agronegócio no Brasil, no dia 16 de fevereiro. Um manifesto lançado nesta quarta-feira, 3, foi assinado por mais de 50 entidades, incluindo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Associação Indígena Pariri, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Instituto Raoni e Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Mato Grosso (FEPOIMT). Para os indígenas, quilombolas, extrativistas, pescadores e demais comunidades tradicionais da Amazônia e Cerrado, trata-se de uma “tentativa da Cargill de limpar a sua imagem através do financiamento a projetos socioambientais comunitários e a supostos negócios de impacto” e “a única coisa que a Cargill semeia é a violação de direitos e a morte”. “Essa mobilização é necessária, porque não podemos aceitar que empresas que destroem a floresta e ignoram a nossa existência se vendam como amigas do meio ambiente. Eles oferecem dinheiro a projetos socioambientais, enquanto por trás  impulsionam projetos que podem destruir a Amazônia, como a Ferrogrão”, declara Alessandra Korap, liderança indígena do povo Munduruku no Pará e presidenta da Associação Indígena Pariri. As organizações denunciam ainda que a gigante do agronegócio faz lobby pela Ferrogrão: o projeto da ferrovia que está no PAC 3 do governo Lula, que, se tirada do papel, vai cortar 933 km de Floresta Amazônica ao meio para aumentar e escoar a produção, já recordista, de soja e milho no Mato Grosso e no Pará. Segundo Sérgio Guimarães, secretário executivo do GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental (GT Infra), “a Ferrogrão, é um projeto mal feito, que sequer considera alternativas e que se implantado, causaria fortes impactos na floresta e em todas as comunidades indígenas da região e que só se viabilizaria pela expansão da área plantada ao longo do trajeto causando desmatamento e inúmeros conflitos socioambientais”. Pedro Charbel, assessor de campanhas da Amazon Watch – organização participante do movimento de boicote – afirma que não há propaganda capaz de lavar a imagem da Cargill de suas violações diárias dos direitos dos povos e comunidades da Amazônia e do Cerrado. “A Cargill é um dos principais elos da cadeia de destruição desses biomas e, se depender de sua vontade de mais e mais lucro, projetos como a Ferrogrão agravarão ainda mais esse quadro”, defende. Violações da Cargill “A Cargill que alega preocupação com o meio ambiente, alimentação saudável e os direitos humanos é a mesma que impede pessoas de pescarem nas proximidades dos seus terminais portuários, que polui rios com suas barcas de soja, e modifica ecossistemas e modos de vida por seu desejo de lucro.  Ao afirmar que a sua missão é ‘promover a prosperidade das comunidades fortalecendo sistemas alimentares seguros, sustentáveis e acessíveis’, a Fundação Cargill tenta enganar consumidores do mundo todo e construir uma falsa imagem de empresa sustentável e ‘verde’ diante do mercado internacional”, diz o manifesto.  O documento ainda pontua que o edital Semeia quer esconder que a Cargill “estimula o desmatamento, a grilagem de terras, a perda de biodiversidade, e a utilização de cada vez mais agrotóxicos ao promover uma cadeia de monocultura predatória e ilegal, opera portos irregulares em Santarém e Itaituba, e assedia territórios quilombolas em Abaetetuba”. Por fim, as entidades convidam a população brasileira a se juntar ao movimento e não se inscrever no edital. “Se a Cargill quer de fato “apoiar histórias”, “cultivar vínculos” e “transformar o futuro”, que comece respeitando a legislação brasileira e internacional, os direitos dos povos e comunidades que habitam a Amazônia e o Cerrado, e interrompa  suas atividades de destruição nesses biomas”, finaliza a nota pública. Confira a nota pública na íntegra: Nós, organizações da sociedade civil, movimentos sociais e associações populares abaixo assinadas, denunciamos o  edital “Semeia Fundação Cargill 2024” e a tentativa da Cargill de limpar a sua imagem através do financiamento a projetos socioambientais comunitários e a supostos negócios de impacto. Para os povos indígenas, ribeirinhos, pescadores artesanais, quilombolas, camponeses e comunidades tradicionais diversas da Amazônia e do Cerrado, a única coisa que a Cargill semeia é a violação de direitos e a morte: a empresa atua  impulsionando a destruição desses biomas e favorece o complexo  global da soja e do milho, violando diretamente os direitos e modos de vida dessas pessoas através de suas infraestruturas e operações  logísticas. A verdadeira Cargill, considerada a segunda maior empresa de capital fechado do mundo, não defende a natureza nem as comunidades locais, mas sim projetos de destruição como a Ferrogrão: uma ferrovia de 933 km que cortaria a floresta amazônica ao meio para aumentar ainda mais a produção, já recordista, de soja e milho no Mato Grosso e no Pará. Proposta e defendida pela Cargill, ADM, Bunge, Louis Dreyfus e Amaggi, a Ferrogrão resultaria em mais desmatamento, mais emissões de gases de efeito estufa, e ainda mais violações na região do corredor logístico Tapajós-Xingu – cujos portos, hidrovias, e rodovias já acumulam impactos socioambientais profundamente negativos. Com estudos falhos e ignorando alternativas, o projeto viola a constituição ao ameaçar diminuir o Parque Nacional do Jamanxim e desrespeita o direito à consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas e comunidades tradicionais da região. A Cargill que alega preocupação com o meio ambiente, alimentação saudável e os direitos humanos é a mesma que impede pessoas de pescarem nas proximidades dos seus terminais portuários, que polui rios com suas barcas de soja, e modifica ecossistemas e modos de vida por seu desejo de lucro. Ao afirmar que a sua missão é “promover a prosperidade das comunidades fortalecendo sistemas alimentares seguros, sustentáveis e acessíveis”, a Fundação Cargill engana consumidores do mundo todo e constrói uma falsa imagem de empresa sustentável e “verde” diante do mercado internacional. A Cargill que o edital Semeia quer esconder estimula o desmatamento, a grilagem de terras, a perda de biodiversidade, e a utilização de cada vez mais agrotóxicos ao promover uma cadeia de monocultura predatória e ilegal, opera portos irregulares

O fim do licenciamento da UHE Castanheira

Após mais de uma década de mobilizações sociais e resistência, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (SEMA) enfim colocou um ponto final no licenciamento ambiental da UHE Castanheira, nesta segunda-feira (18/03/24). O processo, que tramitava desde 2012 tirando a paz de boa parte de comunidades na região noroeste do estado, foi arquivado. (busca no link, processo nº 346973). O parecer técnico da secretaria que indicou o arquivamento foi protocolado um dia depois que a Defensoria Pública da União (DPU) e o Ministério Público Federal (MPF) ingressaram com Ação Civil Pública (ACP) pedindo a suspensão e a federalização do licenciamento. “Durante o processo de licenciamento o interessado não apresentou informações e estudos técnicos exigidos pela SEMA”, informou a Secretaria sobre o motivo do arquivamento. O interessado é o governo federal, que mantinha a hidrelétrica no Plano de Parcerias e Investimentos (PPI), fazendo deste um projeto energético prioritário. Por meio da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o Estudo de Impacto Ambiental foi entregue em 2015, não sendo mais atualizado. Este foi um dos motivos alegados pela SEMA para não prosseguir com o licenciamento. “Este é um projeto que desde o início se mostrou muito frágil, com estudos desatualizados, uma série de lacunas, e a falta de informações para a população”, contou Liliane Xavier, da Rede Juruena Vivo. “Quando isso é ouvido pelas autoridades e é respeitado, para nós é uma conquista”, disse, observando, porém, que por muito tempo não foram escutados. “Foi uma alegria imensa quando a gente recebeu a notícia”, disse Dilma Maria Mani, da Terra Indígena (TI) Apiaká-Kayabi. Ela contou a ida dos empreendedores em sua terra e o papel das mulheres ao negar o empreendimento. “Tomamos uma decisão de falar um não para os empreendedores que estavam aqui. Hoje os homens agradecem às mulheres Kawaiwete, que tomaram essa decisão sem medo”, disse. Apesar da negativa do povo para a EPE, o processo seguia tramitando. Com uma área alagada de 94,7 km2, a usina também atingiria diretamente moradores urbanos, rurais, agricultores e empresários no município de Juara, de Novo Horizonte do Norte e de Porto dos Gaúchos. O Estudo do Componente Indígena (ECI) apontava a inviabilidade do empreendimento do ponto de vista do impacto sobre os povos indígenas. Exemplo disso é o risco direto aos povos da TI Apiaká-Kayabi para a realização da festa tradicional dos tracajás. Para os Rikbaktsa, também havia preocupação com a perda da arte plumária, caças, peixes e, sobretudo, das conchas usadas no ritual de casamento. “Dos imensos impactos, o que mais preocupou a nós, Rikbaktsa, foi a perda da matéria prima que só existe lá naquele rio, que é o tutãrã, que usamos muito nos rituais de casamento tradicional do povo”, destacou o professor Juarez Paimy, da TI Erikpatsa. Além deles, os povos Munduruku, Apiaká e Tapayuna seriam diretamente afetados pela usina. O secretário-executivo do Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad), Herman Oliveira, destacou a vitória do indeferimento para os movimentos sociais de base e o envolvimento da sociedade civil para impedir o andamento do processo aos primeiros sinais de irregularidades, que teve três tentativas de audiências públicas de forma apressada e sem consulta às comunidades. “Atribuo primeiramente ao exercício de controle social pelas organizações a partir do Consema [Conselho Estadual de Meio Ambiente]. Depois, a todo o processo de organização interna de visitas, projetos, com todos envolvidos e imbuídos do mesmo espírito que era inviabilizar a realização de audiência pública como o início do processo de licenciamento de fato da usina”, lembrou.  “Isso foi sacramentado na nossa última reunião junto com a SEMA, elencando os diversos problemas que cercam ou cercariam a continuidade do licenciamento e a possível construção dessa usina”, explicou Herman Oliveira, citando o estudo que foi apresentado à equipe técnica da SEMA em maio de 2023 apontando falhas na avaliação de impactos cumulativos do empreendimento. Genir Piveta de Souza, da comunidade Pedreira, em Juara, reflete que há outras possibilidades de geração de energia menos devastadoras para o ambiente: “Nós não precisamos acabar com a natureza, com os animais, com os peixes e tirar as pessoas da sua terra onde vivem e tiram seu sustento, como nós aqui da comunidade, o pessoal da aldeia, o pessoal do outro lado do rio”. Ela destacou que a UHE Castanheira não prosperar também protege o rio de outros empreendimentos hidrelétricos que poderiam vir na sequência de seu curso.  Jefferson Nascimento, do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), comentou o papel adequado da SEMA ao indeferir e arquivar o licenciamento e a importância disso para a sociedade civil ver como é possível, de forma organizada e coletiva, reverter um processo. “Isso é animador do ponto de vista geral de que a luta realmente dá resultado, dá ânimo para continuar”. Ele explicou, porém, que apesar da importante notícia sobre o encerramento do processo na SEMA, todos devem se manter organizados e em luta para retirar a UHE Castanheira do Plano Decenal de Expansão de Energia, do governo federal. “Temos que comemorar esse momento, essa conquista dessa luta. E se Deus quiser, teremos a vitória maior que será cancelar mesmo essa usina”, disse também Genir Piveta de Souza. Liliane Xavier, da Rede Juruena Vivo, defendeu que os processos de licenciamento ambiental e outros com impactos e para a vida das comunidades sejam construídos de forma participativa e dentro da legalidade. “Não somos contra o progresso, mas que seja um progresso responsável, que realmente se preocupe com a vida das pessoas que vivem, que moram, que trabalham nessa região, e que respeitem as leis, as normas, e as convenções às quais o Brasil é signatário”, finaliza. O GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental participou dessa luta e recebeu a notícia com o coração repleto de alegria. Segundo Sérgio Guimarães, secretário-executivo do GT Infra, “a UHE de Castanheira representaria uma porta aberta a outras hidrelétricas em um rio livre e repleto de vida. Demonstramos por meio de inúmeros estudos que a usina era inviável economicamente e ia prejudicar a vida das pessoas que moram no entorno, inclusive financeiramente, afetando a

Ferrogrão no Banco dos Réus: Tribunal Popular

Representantes dos povos indígenas, comunidades tradicionais, organizações e movimentos sociais do Pará e Mato Grosso promoveram no dia 4 de março de 2024, um “Tribunal Popular” para julgar a Ferrogrão (EF-170), seus impactos e as empresas envolvidas e financiadoras do empreendimento. Durante a programação, realizada na Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), em Santarém (PA), a “acusação do júri” apontou uma série de violação de direitos e sentenciou a extinção imediata do projeto. “Desde o início do processo da Ferrogrão, só foram realizadas audiências nas cidades, nenhuma dentro das aldeias indígenas. Sendo que os povos Munduruku, Kayapó e Panara têm os protocolos de consulta que precisam ser respeitados, eles são nossa arma de defesa. Por isso, estamos nos unindo em uma aliança contra esta ferrovia”, disse Alessandra Korap Munduruku, que esteve ao lado de caciques e representantes dos Munduruku, e dos povos Kayapó, Panará, Apiaká, Arapiuns, Tupinambá e Xavante. O Tribunal foi composto ainda por organizações e comunidades indígenas, representantes de comunidades de pescadores, agricultores familiares e movimentos sociais. A sentença traz cinco argumentos de acusação: violação do direito à consulta livre, prévia, informada e de boa-fé; estudos falhos e subdimensionamento dos impactos e riscos socioambientais conexos; aumento da especulação fundiária, grilagem de terras públicas, desmatamento, queimadas e conflitos fundiários; e favorecimento indevido dos interesses das empresas transnacionais Cargill, Bunge, Louis Dreyfus e Amaggi. Desde a idealização da ferrovia, o direito à consulta livre, prévia, informada e de boa-fé – garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e internalizada à legislação brasileira – foi desrespeitado pelo Governo Federal. “Os estudos técnicos apresentados por aqueles que defendem o projeto dizem que a ferrovia passará longe dos territórios, mas para nós, que vivemos dentro deles, está perto e nunca fomos consultados. Realizaram audiências nas cidades e jamais pisaram em nossas aldeias, como determina o nosso protocolo de consulta. Por isso, exigimos respeito ao nosso direito de ser consultado antes de colocar empreendimento perto ou dentro do nosso território”, defendeu a liderança da Terra Indígena Baú, no Pará, Mydjere Kayapó Mekrãgnotire. Foto: Leandro Barbosa/Amazon Watch “Este réu representa não só a Ferrogrão, mas outros empreendimentos que estão sendo pensados sem nenhuma consulta aos povos afetados. Os protocolos de consulta dos povos devem ser respeitados como foram pensados nos territórios e a ausência do instrumento do protocolo não é impedimento para a consulta de um povo afetado pelo empreendimento”, reforçou Kleber Karipuna, Coordenador Executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB). Além das comunidades indígenas que seriam impactadas pelo empreendimento, o Tribunal foi também espaço para manifestação e fala de representantes de comunidades tradicionais da região. Francisca Barroso, coordenadora da Rede Agroecológica de Trairão (PA), tratou dos efeitos do projeto nas comunidades de agricultores que vivem no entorno da rodovia BR-163, que corre o risco de virar uma ferrovia. “Essa luta não é apenas dos povos indígenas, mas de todos nós que vivemos da terra e precisamos ter os nossos direitos territoriais respeitados. Nós, agricultores, estamos avisando que a agricultura familiar que alimenta esse país – afinal, as famílias brasileiras não comem soja – vai ser prejudicada com a construção desta ferrovia. Vai ser impossível produzir nessas terras que já estão ameaçadas pela grilagem e uso de agrotóxicos”, destacou Francisca. O Programa Nacional de Logística (PNL 2035) do Ministério da Infraestrutura não tem nenhum cenário futuro sem a Ferrogrão, que demonstra a forte influência do lobby do agronegócio e das empresas internacionais – e existem outras alternativas possíveis para o escoamento de grãos que poderiam ser consideradas. “A Ferrogrão não considera o potencial de desenvolvimento da floresta. E ignora a economia local proveniente da agricultura familiar, ribeirinhos e demais comunidades amazônicas. É um projeto na Amazônia e não para a Amazônia”, explicou João Andrade, representante do GT Infraestrutura Socioambiental. Protesto em frente à Cargill No mesmo dia do Tribunal, o GT Infraestrutura noticiou aqui no site a movimentação dos manifestantes em um ato contra a Ferrogrão no Porto de Santarém, chamando a atenção para os impactos da ferrovia e para sua relação com a Cargill, uma das empresas internacionais interessadas na implementação da ferrovia, e uma das responsáveis por seu financiamento. Foto: Raissa Azeredo “Os 1.000 mil km da ferrovia que passaria pelo coração da Amazônia foram propostos pelas empresas transnacionais Cargill, Bunge, Louis Dreyfus e Amaggi para o Governo Federal do Brasil. Caso seja construída, o Governo vai entregar os recursos deste país para a China e Europa. O lucro não será para as pessoas do Brasil. A Ferrogrão será construída no Brasil, será financiada pelo Brasil, irá destruir as florestas e os territórios do Brasil, mas apenas um pequeno lucro irá ficar no Brasil. O resto será exportado, assim como a soja e o milho”, denunciou Mathew Jacobson, diretor de campanha da Stand.Earth. Para Pedro Charbel, assessor de campanhas da Amazon Watch, o tribunal representa a força e determinação dos povos indígenas, comunidades tradicionais e movimentos sociais em defender seus direitos e o futuro do planeta. “O governo brasileiro deveria se atentar à sentença do Tribunal e cancelar imediatamente o projeto da Ferrogrão, caso contrário estará optando por aprofundar a destruição da Amazônia, do Cerrado e dos direitos dos habitantes desta região”, finalizou. Sentença do júri Ao final de seis horas de “Tribunal”, os povos indígenas e tradicionais sentenciaram: “Considerando os graves vícios no planejamento, as violações dos direitos da natureza e dos povos e comunidades tradicionais da região, bem como a necessidade de resguardar os biomas brasileiros e o futuro do planeta dos interesses de empresas transnacionais multibilionárias, este Tribunal Popular determina o  cancelamento imediato e definitivo do projeto da Ferrogrão por parte do Governo Federal e a devida responsabilização da ADM, Bunge, Cargill, Amaggi e Louis Dreyfus pelos danos incorridos contra a natureza e os habitantes da região do Tapajós e do Xingu“, traz o documento da sentença final. Foto: Yuri Rodrigues/FASE Além disso, o Tribunal também determinou que o Governo Federal promova

Indígenas e comunidades afetadas denunciam riscos da Ferrogrão, projeto que pode desmatar mais de 49 mil km² de floresta amazônica

A linha férrea, defendida pela bancada ruralista e grandes traders do agronegócio como a Cargill, Bunge e Dreyfus, tem estudos técnicos falhos e pode impactar drasticamente a Amazônia e o Cerrado Diferentes povos indígenas, comunidades tradicionais, organizações e movimentos sociais promovem hoje, dia 4 de março, das 9h às 18h, um ‘Tribunal Popular’ para julgar simbolicamente o projeto da Ferrogrão, seus impactos socioambientais e as empresas cúmplices destas violações. A atividade visa influenciar uma decisão pendente do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o mega-projeto, patrocinado pelas grandes traders do agronegócio, como Cargill, Bunge e Dreyfus. Organizado pela APIB, COIAB, Associação Pariri, Instituto Kabu, Movimento Tapajós Vivo, Comissão Pastoral da Terra, GT Infra, Amazon Watch, Inesc, Fase e Stand Earth, o evento ocorre em Santarém, no Pará, no Auditório da unidade Tapajós da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). Dezenas de indígenas de povos como os Munduruku, Kayapó, e Apiacá, juntamente a quilombolas, assentados, especialistas e demais habitantes da região participarão da audiência. Alessandra Korap Munduruku, vencedora do Prêmio Goldman 2023, devido ao seu êxito na expulsão da mineração industrial das terras Munduruku, será uma das lideranças presentes. O evento ocorre no mesmo mês em que o juiz Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal deve voltar a decidir sobre as possibilidades de desenvolvimento da ferrovia no contexto da Ação Direta de Inconstitucionalidade que conquistou a suspensão liminar do projeto. No ano passado, Moraes autorizou a retomada dos estudos sobre a Ferrogrão e ensejou a criação de um Grupo de Trabalho do Ministério dos Transportes (Portaria 994/2023) para acompanhamento do tema. Ameaças Criada para escoar as commodities de soja e milho produzidos no centro-oeste até os portos da Amazônia – como alternativa “mais barata” ao trajeto até o Porto de Santos –, a estrada de ferro deve percorrer quase mil quilômetros de Sinop, em Mato Grosso, até Miritituba, no Pará, passando por Itaituba, no oeste paraense. Se sair do papel, a ferrovia pode desmatar 49 mil quilômetros quadrados (km²) em 48 cidades, além de modificar o traçado de 17 unidades de conservação e afetar seis terras indígenas e três áreas indígenas com presença de povos isolados. A área é 64% superior ao desmatamento recorde da Amazônia em 2022, de 17,7 mil km², maior que o estado do Rio de Janeiro e países como Eslováquia, Dinamarca e Holanda. Além de ignorar as alternativas logísticas, o projeto tem estudos técnicos falhos, viabilidade econômica e socioambiental questionável, provocaria um aumento do desmatamento e da grilagem de terras e promoveria a expansão da fronteira agrícola e industrial da mineração em um bioma ameaçado e de importância crítica. Dados da PUC-Rio e da Climate Policy Initiative estimam que haveria uma perda equivalente a mais de 285 mil campos de futebol de vegetação natural – o que corresponde à emissão de mais de 75 milhões de toneladas de carbono. Estudos mostram que pelo menos 16 Terras Indígenas da Amazônia e 104 assentamentos rurais poderiam ser afetados pelos impactos sinérgicos e cumulativos da ferrovia. O projeto afetaria profundamente os modos de vida e os direitos dos habitantes da região, que não foram consultados, em flagrante violação à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. Há dez anos no papel e com custo subestimado em R$ 24 bilhões, a Ferrogrão tem prazo de concessão de uso de 69 anos e é motivo de protesto desde que foi proposta, não só pela alteração nos limites de unidades de conservação, mas principalmente pela condução do processo que desde o início não ouviu os povos Munduruku, Kayapó e Panará, dentre outros, diretamente afetados pelo projeto. Vale lembrar que novos portos, hidrovias e rodovias também estão inclusos no conjunto de obras, com mais impactos econômicos, sociais e ambientais. Mais informações: Cartilha Ferrogrão PPI: cartilha-ferrograo-mai2020.pdf (socioambiental.org) Apresentação Ferrogrão PPI: Apresentação do PowerPoint (socioambiental.org) Impactos ambientais da Ferrogrão: PB Os-impactos-ambientais-da-Ferrogrão-1.pdf (climatepolicyinitiative.org)

Boas práticas dão resultado, mas degradação ainda cresce nas pastagens da Amazônia mato-grossense

Estudo desenvolvido pelo ICV a partir de dados do Lapig considerou o perfil das pastagens em 18 municípios de MT Alta Floresta, MT – Estudo divulgado nesta semana mostra que a degradação das pastagens na porção amazônica de Mato Grosso aumentou em 123 mil hectares. Porém, houve redução deste índice em áreas onde boas práticas agropecuárias foram adotadas. As informações constam no “Diagnóstico das Pastagens na Amazônia Mato-grossense”, divulgado pelo Instituto Centro de Vida (ICV) com base em dados do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) da Universidade Federal de Goiás (UFG).O documento detalha o perfil das pastagens de 18 municípios de Mato Grosso, sendo 17 que compõem o Território Portal da Amazônia e Cotriguaçu. O levantamento de campo avaliou 11 características relacionadas ao manejo para determinar a condição atual das pastagens.O diagnóstico considera dados levantados de 2015 a 2021 com validação em campo no ano de 2022. Neste intervalo, houve redução de 54.060 hectares na área total de pastagem da região e um aumento da degradação das pastagens existentes.A queda na área de pastagem está ligada ao avanço da agricultura na região, sobretudo lavouras de soja e milho. Para o analista de geotecnologias do ICV, Weslei Butturi, o estudo apresenta dados que podem ser utilizados como referência por gestores na tomada de decisões. “Os gestores privados e públicos, sejam municipais ou estaduais, conseguem, a partir destes dados, tomar decisões, saber quais municípios estão mais críticos e propor linhas de crédito e de assistência técnica mais precisas”, disse.  Boas práticas Na intenção de apresentar modelos alternativos de produção, o ICV estimulou a adoção das técnicas previstas no manual de Boas Práticas Agropecuárias da Embrapa (BPA) em um conjunto de imóveis rurais na região Norte de Mato Grosso.A adoção deste modelo se deu por meio dos projetos “Pecuária Integrada de Baixo Carbono” e “Programa Novo Campo”, ambos capitaneados pelo ICV e com atuação da porteira para dentro. “O ICV procurou esses produtores, fez um diagnóstico destas propriedades e propôs ações de melhorias no manejo das pastagens. Ações como: análise de solo, correção de fertilidade, ajustes no manejo do rebanho, dentre outras”, disse Butturi.Como resultado, os dados apresentados em cinco propriedades rurais que tiveram acompanhamento de projetos do ICV se mostraram positivos quanto ao aumento da qualidade das pastagens, onde 276,8 hectares deixaram de apresentar sinais de degradação no período analisado. Levantamento O estudo foi realizado a partir do mapeamento das pastagens por meio de imagens de satélite pelo Lapig e posterior validação em campo com pontos amostrais. Ao todo, 271 áreas foram definidas para validação. Dessas, os pesquisadores conseguiram acessar 255, totalizando 94% do total.As características consideradas para avaliação das pastagens em campo foram: estágio de desenvolvimento, presença de invasoras, presença de cupins, disponibilidade de forragens, disponibilidade de folhas verdes, condição atual, potencial produtivo, degradação agronômica, degradação biológica, cobertura do solo e avaliação de manejo.Para caracterização das condições das pastagens, foram determinadas três categorias que definiram os níveis de degradação, sendo elas “ausente”, “intermediária” e “severa”.No período do estudo, 123.166 hectares (4,69%) de pastagens classificadas como ausentes de degradação mostraram piora em sua condição. Essas áreas foram redistribuídas para as categorias de degradação intermediária, que cresceu 110.894,9 hectares (4,23%), e severa, que registrou aumento de 12.271,2 hectares (0,47%).  Marcha para o Oeste Segundo o analista, essa redução na área de pastagens não ocorreu de forma linear ao longo dos anos. No intervalo de 2015 a 2017, por exemplo, houve aumento na área de pastagem na região. De 2018 a 2021, com a ampliação do cultivo de soja e milho, o movimento foi de queda.Nova Bandeirantes, Apiacás e Cotriguaçu, no oeste do território, puxaram o aumento nas áreas de pastagem. Mais ao centro e ao leste da região, a redução se concentrou nos municípios com uso de solo mais consolidado, como Alta Floresta, Novo Mundo, Nova Santa Helena e Matupá.“Os resultados do estudo apontaram uma polarização da condição das pastagens no território. Os municípios localizados mais a oeste em geral aumentaram suas áreas de pastagem, ao mesmo tempo que tiveram uma intensa transição de áreas para agricultura e em geral pioraram a condição de suas pastagens”, diz trecho do estudo.O analista destacou ainda que a maior transição das áreas de pastagens para agricultura ocorreu em propriedades cadastradas no Sistema Mato-grossense de Cadastro Ambiental Rural (SIMCAR). Ao mesmo tempo, houve um aumento de área de pastagem nos imóveis não cadastrados no SIMCAR.Em todos os municípios avaliados houve perda de remanescente de vegetação nativa no período avaliado, mas em diferentes proporções. As maiores perdas aconteceram nos municípios localizados nos extremos leste e oeste do território, sendo eles Nova Bandeirantes e Marcelândia, ambos apresentam altos percentuais de remanescente de vegetação nativa e baixos percentuais de área consolidada. O estudo completo pode ser acessado aqui.