“Grande casa do bem comum”: floresta é a principal infraestrutura da Amazônia

 Carta de lideranças reunidas em Alter do Chão defende um desenvolvimento para as pessoas e com o meio ambiente íntegro para a construção de um novo Brasil a partir de 2023

Sérgio Guimarães*

A Amazônia é a maior fábrica de vida do planeta e que zerar o desmatamento é fundamental para a sobrevivência de suas sociedades humanas. Essa é a percepção de povos indígenas que habitam a Amazônia há milhares de anos e que vem sendo confirmada pela ciência moderna. O que está acontecendo, no entanto, é o contrário. No ano passado, pela primeira vez desde o início das medições do INPE, em 1988, a Amazônia teve o quarto ano seguido de aumento na devastação. Somente no mês de junho deste ano, a área derrubada chegou a 1.120 km², um recorde histórico. Os dados mostram que essa é a terceira alta consecutiva sob Bolsonaro, evidenciando um projeto de governo que incentiva a ilegalidade na maior floresta tropical do mundo, ignorando alertas de cientistas, povos indígenas e comunidades tradicionais, que sabem melhor do que ninguém como preservá-la.

Os conhecimentos desses guardiões da floresta precisam ser valorizados e o primeiro passo é ouvir os que eles têm a dizer. Nesse sentido, na primeira semana de julho, organizações vinculadas ao GT Infraestrutura e redes aliadas estiveram reunidas com movimentos sociais, em Alter do Chão, no Pará, buscando respostas e delineando ações concretas frente a velhos e novos desafios da região. A infraestrutura, uma das áreas que mais impulsionou o desmatamento e conflitos socioambientais nas últimas décadas, esteve no centro do debate, que deixou claro que a floresta é a principal infraestrutura da Amazônia

Construímos conjuntamente a Carta de Alter, um documento com propostas para a Amazônia que visa contribuir com os debates do processo eleitoral, bem como com o planejamento e a implementação de políticas públicas a partir de 2023. Nossas propostas têm como base, além da contribuição direta de diversas organizações e movimentos sociais da região presentes, um novo estudo, conduzido pelo professor Ricardo Abramovay da USP, lançado durante o evento. O trabalho, que contou com uma escuta a lideranças da região, é uma reflexão sobre as infraestruturas necessárias à melhoria da qualidade de vida das pessoas e de suas atividades produtivas vinculadas a uma economia sustentável na região. Numa visão contemporânea, o professor apresenta novas dimensões essenciais para repensar o assunto: o cuidado com a natureza, com as pessoas, uma nova economia e a valorização da organização social da região.

Em lugar das grandes obras, que contribuem para a destruição da floresta e costumam deixar deixar transtornos para os povos que vivem na região, sem deixar  benefícios, é urgente desenvolver outros projetos. Baseados em uma infraestrutura que considere, prioritariamente, o respeito e a promoção de arranjos socioprodutivos capazes de conviver com a floresta e garantir a quem vive nela o acesso a direitos básicos como saúde, educação, energia e saneamento.

O conjunto de propostas começa deixando claro que é preciso retomar as ações de comando e controle, acabando com a cultura onde o “ilegal” é “legal” e garantir a proteção de quem luta para defender a floresta (há centenas de pessoas ameacadas de morte na região). As recentes mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips estão longe de serem casos isolados e fazem parte de uma política de silenciamento de lideranças sociais. 

Esse é um momento especial, onde a sociedade brasileira, através do processo eleitoral, está debatendo propostas que possam mudar a realidade dramática que vive a população da região, que hoje convive com a violência, a devastação ambiental e os piores índices sociais do Brasil. A carta  traz propostas nas áreas de energia, cidades e transporte, passando também por temas, como o garimpo, uma das atividades mais destruidoras da atualidade, que precisa ser substituída em benefício de outras cadeias produtivas, capazes de conviver com a floresta.

A natureza é a extensão do nosso viver, afirmaram os povos tradicionais e comunidades presentes. Só vivenciando esse vital ensinamento, teremos condições de avançar na construção de políticas e projetos que promovam uma agenda de desenvolvimento sustentável, justo e participativo.

*secretário executivo do GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental, rede focada no estudo e debate da infraestrutura com justiça socioambiental em busca de uma economia da sociobiodiversidade na região amazônica.

Este artigo foi publicado, originalmente, no Um Só Planeta.

Foto: deposiphotos

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