Foto: Yuri Rodrigues/FASE
Organizações da sociedade civil e movimentos sociais estão boicotando o edital “Semeia Fundação Cargill 2024”, lançado pela americana Cargill, líder do setor de agronegócio no Brasil, no dia 16 de fevereiro. Um manifesto lançado nesta quarta-feira, 3, foi assinado por mais de 50 entidades, incluindo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Associação Indígena Pariri, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Instituto Raoni e Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Mato Grosso (FEPOIMT).
Para os indígenas, quilombolas, extrativistas, pescadores e demais comunidades tradicionais da Amazônia e Cerrado, trata-se de uma “tentativa da Cargill de limpar a sua imagem através do financiamento a projetos socioambientais comunitários e a supostos negócios de impacto” e “a única coisa que a Cargill semeia é a violação de direitos e a morte”.
“Essa mobilização é necessária, porque não podemos aceitar que empresas que destroem a floresta e ignoram a nossa existência se vendam como amigas do meio ambiente. Eles oferecem dinheiro a projetos socioambientais, enquanto por trás impulsionam projetos que podem destruir a Amazônia, como a Ferrogrão”, declara Alessandra Korap, liderança indígena do povo Munduruku no Pará e presidenta da Associação Indígena Pariri.
As organizações denunciam ainda que a gigante do agronegócio faz lobby pela Ferrogrão: o projeto da ferrovia que está no PAC 3 do governo Lula, que, se tirada do papel, vai cortar 933 km de Floresta Amazônica ao meio para aumentar e escoar a produção, já recordista, de soja e milho no Mato Grosso e no Pará.
Segundo Sérgio Guimarães, secretário executivo do GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental (GT Infra), “a Ferrogrão, é um projeto mal feito, que sequer considera alternativas e que se implantado, causaria fortes impactos na floresta e em todas as comunidades indígenas da região e que só se viabilizaria pela expansão da área plantada ao longo do trajeto causando desmatamento e inúmeros conflitos socioambientais”.
Pedro Charbel, assessor de campanhas da Amazon Watch – organização participante do movimento de boicote – afirma que não há propaganda capaz de lavar a imagem da Cargill de suas violações diárias dos direitos dos povos e comunidades da Amazônia e do Cerrado. “A Cargill é um dos principais elos da cadeia de destruição desses biomas e, se depender de sua vontade de mais e mais lucro, projetos como a Ferrogrão agravarão ainda mais esse quadro”, defende.
Violações da Cargill
“A Cargill que alega preocupação com o meio ambiente, alimentação saudável e os direitos humanos é a mesma que impede pessoas de pescarem nas proximidades dos seus terminais portuários, que polui rios com suas barcas de soja, e modifica ecossistemas e modos de vida por seu desejo de lucro. Ao afirmar que a sua missão é ‘promover a prosperidade das comunidades fortalecendo sistemas alimentares seguros, sustentáveis e acessíveis’, a Fundação Cargill tenta enganar consumidores do mundo todo e construir uma falsa imagem de empresa sustentável e ‘verde’ diante do mercado internacional”, diz o manifesto.
O documento ainda pontua que o edital Semeia quer esconder que a Cargill “estimula o desmatamento, a grilagem de terras, a perda de biodiversidade, e a utilização de cada vez mais agrotóxicos ao promover uma cadeia de monocultura predatória e ilegal, opera portos irregulares em Santarém e Itaituba, e assedia territórios quilombolas em Abaetetuba”.
Por fim, as entidades convidam a população brasileira a se juntar ao movimento e não se inscrever no edital. “Se a Cargill quer de fato “apoiar histórias”, “cultivar vínculos” e “transformar o futuro”, que comece respeitando a legislação brasileira e internacional, os direitos dos povos e comunidades que habitam a Amazônia e o Cerrado, e interrompa suas atividades de destruição nesses biomas”, finaliza a nota pública.
Confira a nota pública na íntegra:
Nós, organizações da sociedade civil, movimentos sociais e associações populares abaixo assinadas, denunciamos o edital “Semeia Fundação Cargill 2024” e a tentativa da Cargill de limpar a sua imagem através do financiamento a projetos socioambientais comunitários e a supostos negócios de impacto. Para os povos indígenas, ribeirinhos, pescadores artesanais, quilombolas, camponeses e comunidades tradicionais diversas da Amazônia e do Cerrado, a única coisa que a Cargill semeia é a violação de direitos e a morte: a empresa atua impulsionando a destruição desses biomas e favorece o complexo global da soja e do milho, violando diretamente os direitos e modos de vida dessas pessoas através de suas infraestruturas e operações logísticas.
A verdadeira Cargill, considerada a segunda maior empresa de capital fechado do mundo, não defende a natureza nem as comunidades locais, mas sim projetos de destruição como a Ferrogrão: uma ferrovia de 933 km que cortaria a floresta amazônica ao meio para aumentar ainda mais a produção, já recordista, de soja e milho no Mato Grosso e no Pará. Proposta e defendida pela Cargill, ADM, Bunge, Louis Dreyfus e Amaggi, a Ferrogrão resultaria em mais desmatamento, mais emissões de gases de efeito estufa, e ainda mais violações na região do corredor logístico Tapajós-Xingu – cujos portos, hidrovias, e rodovias já acumulam impactos socioambientais profundamente negativos. Com estudos falhos e ignorando alternativas, o projeto viola a constituição ao ameaçar diminuir o Parque Nacional do Jamanxim e desrespeita o direito à consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas e comunidades tradicionais da região.
A Cargill que alega preocupação com o meio ambiente, alimentação saudável e os direitos humanos é a mesma que impede pessoas de pescarem nas proximidades dos seus terminais portuários, que polui rios com suas barcas de soja, e modifica ecossistemas e modos de vida por seu desejo de lucro. Ao afirmar que a sua missão é “promover a prosperidade das comunidades fortalecendo sistemas alimentares seguros, sustentáveis e acessíveis”, a Fundação Cargill engana consumidores do mundo todo e constrói uma falsa imagem de empresa sustentável e “verde” diante do mercado internacional. A Cargill que o edital Semeia quer esconder estimula o desmatamento, a grilagem de terras, a perda de biodiversidade, e a utilização de cada vez mais agrotóxicos ao promover uma cadeia de monocultura predatória e ilegal, opera portos irregulares em Santarém e Itaituba, e assedia territórios quilombolas em Abaetetuba.
Diante de tudo isso, e considerando o envolvimento da Cargill com outras violações fora do Brasil – de trabalho escravo e infantil no Mali à conspiração empresarial e discriminações raciais e de gênero nos EUA – é urgente que toda a sociedade civil brasileira boicote o edital “Semeia Fundação Cargill 2024”. Se a Cargill quer de fato “apoiar histórias”, “cultivar vínculos” e “transformar o futuro”, que comece respeitando a legislação brasileira e internacional, os direitos dos povos e comunidades que habitam a Amazônia e o Cerrado, e interrompa suas atividades de destruição nesses biomas.
- Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
- Articulação Pacari Raizeiras do Cerrado
- Articulação Paraense de Agroecologia
- Associação Pariri
- Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Santarém AMTR-STM
- Associação Pai Caripetuba
- Associação Quilombola do Cumbe/Aracati – CE
- Associação Quilombola e Afrodescendente da Restinga
- Amazon Watch
- Ação Clima Popular
- Agência 10envolvimento
- Cáritas Brasileira Regional Norte II
- Centro de Estudos e Defesa do Negro e Negra do Pará (CEDENPA)
- Centro de agricultura alternativa do Norte de Minas (CAA/NM)
- Centro de Defesa dos Direitos Humanos e da Natureza de Bom Jesus das Selvas (MA)
- Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns (CITA)
- Conselho Indígena Tupinambá (CITUPI)
- Comissão Pastoral da Terra (CPT)
- Conselho Indigenista Missionário – Santarém (CIMI-STM)
- Conselho Munduruku e Apiaká do Planalto
- Coletivo de Mulheres Indígenas As Karuana
- Coletivo Toca Mamulengo
- Comitê de Defesa da Vida Amazônica na bacia do rio Madeira – COMVIDA
- Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB
- FASE Programa Amazônia
- Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Mato Grosso (FEPOIMT)
- Fórum da Amazônia Oriental – FAOR
- Grupo de Pesquisa de História Indígena e do Indigenismo na Amazônia (GT HINDIA/UFPA)
- GT Infraestrutura e justiça socioambiental (GT Infra)
- Guardiões do Bem viver
- Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)
- Instituto KABU
- Instituto Raoni
- Idec – Instituto de Defesa de Consumidores
- Instituto Ambiental Viramundo
- Instituto Internacional Arayara
- International Rivers
- Maparajuba Direitos Humanos na Amazônia
- Movimento Tapajós Vivo
- Movimento Xingu Vivo
- Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
- Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA
- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
- Movimento dos Trabalhadores Sem Teto – MTST
- Movimento em defesa dos territórios
- Movimento SOS Chapada dos Veadeiros
- Movimento Xingu Vivo para Sempre
- Movimento dos pescadores e pescadoras artesanais – MPP
- Mulheres em movimento das ilhas de Abaetutuba
- Plataforma dos Movimentos Sociais por Outro Sistema Político
- Rede de Agroecologia do Trairão
- Rede de Notícias da Amazônia
- Rede Feminista de Saúde Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos
- Robert F. Kennedy Direitos Humanos
- Terra de Direitos