Mais que otimistas, precisamos ser radicalmente realistas!

Sérgio Guimarães*

Pra não ser exaustivo, nem falar nas centenas de dramas cotidianos mundo afora, nem na cheia dramática que inundou o Rio Grande do Sul há 4 meses, me restringindo apenas às tragédias em curso no Brasil; a seca histórica e a pandemia do fogo que assolam o país nesse momento e que algumas manchetes, buscam reportar a dramaticidade da situação: “Queimadas custam ao menos R$ 2 bi em SP, e seca deve aumentar prejuízos no Brasil”; “Gás sem cheiro e letal se espalha em nível altíssimo; culpa é das queimadas”; “Puxado por Brasil, incêndios na América do Sul quebram novo recorde”; “Brasil tem ao menos 10 milhões de afetados em cidades em emergência por queimadas”; “Incêndios e queimadas fazem da Amazônia região que mais emite carbono no planeta”; “SP é metrópole com ar mais sujo do mundo, mas há cidades piores no Brasil”; “Brasil tem quase 200 cidades com umidade igual ou menor que a do Saara”; “Parque Indígena Xingu que registrou paredão de fogo tem mais de 34 mil hectares queimados em MT”; “Seca no Rio Solimões isola mais de três mil pessoas: ribeirinhos usam enxadas para abrir canais para embarcações no AM”. O portal G1 mostra uma sequência de imagens impressionantes da seca e dos incêndios no Brasil.
Mesmo diante das catástrofes diárias e crescentes e, das apavorantes perspectivas, previstas pela quase totalidade dos cientistas, existe um mantra que é repetido, inclusive por quem está engajado em busca de soluções, que é “temos que ser otimistas”; pois caso não acreditarmos na reversão, da cada vez mais grave situação que o planeta e a humanidade enfrentam, poderemos cair numa perigosa paralisia, deixando as coisas seguirem seu curso.
Mas como ser otimistas se continuamos intensificando as causas que produzem o atual estado de coisas? Seria o mesmo que perguntar a um paciente portador de doença grave, se ele é otimista e tem esperança de cura, mesmo sem fazer tratamento e seguisse reproduzindo os comportamentos que causaram a doença. Independentemente de sua resposta, todos concordaríamos que as possibilidades de cura (a não ser por um milagre divino) na prática não existiriam.

Pior ainda, no caso da crise climática, ainda existem pessoas que negam o óbvio, de que a situação é causada pela ação humana; outros que, literalmente, continuam colocando lenha na fogueira e uma grande maioria, que mesmo sabendo da gravidade e das causas da crise, continua agindo como se não tivessem qualquer responsabilidade sobre ela. Talvez na esperança, vã, de que não serão atingidos ou de que serão encontradas soluções paliativas que não impliquem em mudanças profundas em práticas enraizadas nas formas de produção e nos nossos comportamentos.
Ou ainda, como é o caso do governo brasileiro, que vive uma contradição entre anúncios de metas de desmatamento zero e de transição energética e o incentivo a projetos com gigantesco potencial de impactos, como é o caso da repavimentação da BR-319, da ferrogrão e dos “corredores de integração sul-americana”. Projetos que, caso sejam implantados, causarão desmatamento de tal ordem, que levaria a floresta ao colapso. Isso, sem citar as mirabolantes propostas de aumento da produção de petróleo, inclusive na Amazônia.

Mas a realidade dos acontecimentos extremos em sequência, com previsões nada animadoras para os próximos anos, mostra que não dá pra continuar acreditando, otimistamente, que soluções ‘meia boca” tenham alguma chance de enfrentar o problema.

Carlos Nobre, principal cientista climático brasileiro, reconhecido em todo o mundo, nos dá uma dimensão da gravidade da situação. Num recente artigo, intitulado “Crise climática: mundo pode não ter mais volta e isso me apavora” confessa que “a ciência climática do mundo inteiro não previa uma aceleração tão intensa das mudanças climáticas como temos visto recentemente”.

O que se espera (e aí entra uma boa dose de esperança) é que a dramática realidade contribua para nos trazer consciência de que não dá para continuar nessa toada, sem uma mudança radical na nossa rota. A palavra radical indicando que precisamos ir até a raiz dos problemas para encontrar soluções efetivas.
Enfrentar as emergências, como tem sido feito pelos governos e alguns setores da sociedade, é urgente e necessário, mas não chega nem perto de ser suficiente. São necessárias, e também urgentes, soluções de fundo, bem além das emergências, como a redução radical das emissões de gases de efeito estufa (GEE) e o desmatamento zero. E aí, é onde “o bicho pega”. Claro, não é fácil, mas é tão emergencial como combater os incêndios.

É preciso enxergar além a fumaça que hoje cobre o país e ter a coragem para
implementar soluções radicais. Bem além de sermos otimistas, precisamos ser profundamente realistas para ter alguma chance de sobrevivência.

Sérgio Guimarães é engenheiro civil e Secretário Executivo do GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental.

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