Pedral do Lourenção: audiência de conciliação define inspeção judicial e escuta às comunidades no rio Tocantins

Justiça Federal no Pará reuniu órgãos públicos e partes do processo para discutir os impactos do derrocamento  no rio Tocantins. Inspeção técnica no local será realizada como primeiro passo.

Foi realizada, nesta terça-feira (10), na sede da Justiça Federal em Belém (PA), uma audiência de conciliação referente à Ação Civil Pública de autoria do Ministério Público Federal (MPF/PA) que contesta o licenciamento das obras de derrocamento do Pedral do Lourenção, em uma extensão de 35 km no rio Tocantins. Entre os principais argumentos do MPF estão a ausência de consulta prévia, livre e informada às populações indígenas, quilombolas e pescadores artesanais potencialmente afetadas, como previsto na Convenção 169 da OIT, falhas no licenciamento da fase de licença prévia, concedida em outubro de 2022, durante o governo Bolsonaro, e fragilidades nos estudos sobre impactos socioambientais, especialmente em relação à pesca artesanal na região.

A audiência foi conduzida pela juíza Hind Ghassan Kayath, do sistema de conciliação da Seção Judiciária do Pará (TRF1), com a presença do juiz André Luís Cavalcanti Silva, titular da 9ª Vara Federal Ambiental, onde tramita o caso. Estiveram presentes representantes do Ministério Público Federal (MPF), DNIT, Ibama, Incra e Funai. Estavam habilitados na audiência o Instituto Zé Cláudio e Maria (IZM) e representantes de algumas associações locais de pescadores.

Como encaminhamento, ficou acordada a realização de uma inspeção judicial técnica na região do Pedral do Lourenção, em data ainda a ser definida. Segundo o juiz André Luís, a visita técnica “permitirá um acesso mais direto à realidade e aos impactos concretos”. A juíza Hind Ghassan Kayath destacou que o encontro resultou em um “primeiro ponto de convergência”, com o objetivo de “olhar a realidade local e ouvir também a comunidade”.

A audiência foi sigilosa e restrita às partes formais da ação civil pública movida pelo MPF. Comunidades de pescadores  e representantes da sociedade civil, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a organização Terra de Direitos (TDD) estiveram na sede da Justiça Federal, mas não puderam acompanhar os debates por não integrarem formalmente o processo.

A ação civil pública (processo nº 1035924-87.2024.4.01.3900) movida pelo MPF desde agosto de 2024 pede a anulação de licença prévia concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), apontando uma série de ilegalidades no processo. 

Em nota pública divulgada no último dia 26, o MPF reafirmou que a Licença de Instalação concedida neste dia pelo Ibama para o derrocamento do Pedral do Lourenção e dragagem no rio Tocantins, num trecho de  35 km,  é ilegal e desrespeita decisão judicial anterior. Segundo o órgão, a autorização ignora condicionantes da fase prévia do licenciamento e não assegura os direitos das populações que dependem do rio. 

“Temos uma preocupação muito grande com a pesca, porque não foi demonstrado que as comunidades ribeirinhas poderão manter essa atividade durante e após a instalação do empreendimento”, afirmou procurador federal Rafael Martins da Silva, um dos autores da ação civil pública, após a audiência de conciliação. Ele também destacou que pareceres técnicos internos do Ibama foram ignorados ou modificados, o que, na avaliação do MPF, compromete a legalidade de todo o processo de licenciamento.

Segundo o MAB, a concessão da licença representa uma ameaça concreta à subsistência de famílias que vivem do rio Tocantins. O MAB alerta para possíveis danos irreversíveis, como a redução de espécies de peixes, contaminação da água e desequilíbrios nos ecossistemas locais — impactos que, segundo a organização, não foram devidamente considerados nos estudos apresentados. Também critica a ausência de medidas efetivas de reparação, lembrando que muitas comunidades da região ainda convivem com os efeitos da construção da hidrelétrica de Tucuruí, durante a ditadura militar.

O derrocamento do Pedral do Lourenção faz parte de um projeto muito maior de implantação da Hidrovia Araguaia-Tocantins, ao longo de 1.731km entre Belém (PA) e Peixe (TO) que prevê o escoamento de grãos e minérios por meio de transporte fluvial, ligando regiões produtoras do Centro-Oeste aos portos do Norte. O projeto  é considerado estratégico pelo governo federal e está incluído na carteira de investimentos do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), com previsão de ser incluído num programa de concessões de hidrovias ao setor privado.  Entretanto, ainda não existem estudos sobre a viabilidade econômica e socioambiental do projeto amplo da hidrovia do Tocantins.

Juízes André Luís Cavalcanti Silva, da 9ª Vara Federal Ambiental, e Hindi Ghassan Kayath, do sistema de conciliação da Seção Judiciária do Pará (TRF1), prestaram informações sobre a audiência de conciliação a representantes da sociedade civil | Foto: Emily Costa/GT Infra

A realização da inspeção técnica foi o único encaminhamento consensual da audiência e representa um passo necessário diante das lacunas apontadas no processo de licenciamento. A expectativa é que a visita ao local permita uma avaliação mais precisa dos impactos socioambientais da obra e das condições reais da região, contribuindo para decisões que considerem os direitos das populações atingidas — inclusive a possibilidade de que o empreendimento não avance, diante dos riscos e questionamentos apresentados.

“Hoje nós tivemos uma super conquista não só para nós da sociedade civil, filhos e filhas desse rio, do rio Tocantins, dessa região, mas como como pessoas que se importam com o meio ambiente, que lutam pelo meio ambiente, junto com comunidades que serão afetadas diretamente por esse mega empreendimento”, disse Claudelice Santos, coordenadora do Instituto Zé Cláudio e Maria. 

“Consideramos um avanço, porque durante todo esse tempo, de processo sobre a situação da hidrovia, ser ouvido era um desejo das comunidades – e ainda não tinha acontecido”, frisou também Claudelice. “A gente ainda tá de pé respirando, o rio ainda tá fluindo e é possível. É possível a gente conseguir justiça. Justiça pro Rio Tocantins, justiça pro povo pros povos e comunidades que vivem ao longo desse rio.”

Pedral do Lourenção no rio Tocantins | Foto: MPF/PA

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