Infraestrutura, Desmatamento e Ações Necessárias

Consequências e Causas do desmatamento. São amplamente conhecidas as consequências diretas e indiretas do desmatamento da Amazônia; sobre a floresta, suas comunidades e o clima regional e global. Está evidenciado também, segundo a quase unanimidade dos cientistas, que a continuidade dessa dinâmica levará a floresta ao ponto de “não retorno”, a partir do qual pode se desencadear processos irreversíveis de degradação,  perdendo a capacidade de se regenerar por si mesma. O que na prática pode significar o fim da floresta enquanto bioma capaz de contribuir para a estabilidade do clima, agravando de forma dramática e até mesmo imprevisível situações climáticas extremas já vivenciadas em todo Brasil, como fortes secas e inundações. Contexto em que se tornarão inócuos todos os esforços que estão sendo feitos pelo Brasil e outros países para reverter a situação. Por isso mesmo, existe um consenso entre cientistas, setores do governo e importantes segmentos da sociedade, especialmente as comunidades da região, que é urgente reduzir e zerar o desmatamento na Amazônia. Nesse sentido, o Brasil tem compromissos internos e internacionais bem claros de desmatamento zero até 2030 – sem esquecer a necessidade de investir forte em restauração florestal. Na Cop26 em Glasgow, por exemplo, o país se comprometeu a zerar o desmatamento ilegal até 2028 e neutralizar as emissões de carbono até 2050.[1] Grandes obras de infraestrutura são historicamente e continuam sendo, um dos principais vetores de desmatamento; rodovias, ferrovias e hidrelétricas têm se constituído ao longo dos anos, mesmo com medidas compensatórias estabelecidas (nem sempre cumpridas), em uma das causas fundamentais de desmatamento na região amazônica; pois viabilizam a ocupação do território e a expansão da agropecuária que impõem mudanças de uso do solo na região, principalmente considerando as condições de governança territorial. Desde a BR 364, que impulsionou a ocupação de Rondônia, (iniciada no governo de Juscelino Kubitscheck e concluída a ligação entre Cuiabá e Porto Velho, em 1966), a BR  230, conhecida como Transamazônica, até a BR 163 (Cuiabá – Santarém), todas se constituíram no fator decisivo do processo de devastação na região. A BR-163 por exemplo continua sendo o principal vetor do desmatamento em toda sua área de influência  e causando enormes danos.[2] Da mesma forma, grandes hidrelétricas como Tucuruí no rio Tocantins, Belo Monte no rio Xingu, Santo Antônio e Jirau no rio Madeira e quatro barragens construídas simultaneamente no  rio Teles Pires (afluente do Tapajós) além dos impactos diretos na floresta, na fauna aquática, no regime hídrico de grandes rios e nas comunidades ribeirinhas, também contribuem para o desmatamento, emissões de metano e outros gases de efeito estufa e a ocupação desordenada da região, incentivando a migração para cidades da região que já padecem de enormes déficits de infraestruturas básicas. A perspectiva de um grande número de novos empreendimentos de infraestrutura[3] nos setores de transporte e energia, anunciadas em diferentes programas governamentais, têm um gigantesco potencial de impacto. Na grande maioria dos casos, os estudos realizados subestimam os riscos socioambientais, os impactos cumulativos entre diversos projetos no mesmo território e, sequer, avaliam alternativas. A título de exemplo, estudo realizado pelo CPI, centro de pesquisa ligado à PUC/RJ, mostra que somente a pavimentação da BR 319 tem uma área de influência de 300 mil Km² com enorme potencial de desmatamento. Para se ter uma ideia da dimensão desse território, o Estado de São Paulo  tem 248 mil Km² de superfície.[4] Grandes projetos têm sido apresentados sem estudos suficientes para uma tomada de decisão com base técnica. Em sua maioria têm sido definidos a partir de interesses políticos e de setores econômicos diretamente envolvidos e que aprofundam o modelo de desenvolvimento que tem causado todo o processo de desmatamento na região.  Citamos aqui a Ferrogrão (um projeto de ferrovia de 933 km² de extensão, entre Sinop (MT) e Santarém (PA) passando por áreas extremamente sensíveis),[5] hidrelétricas no Rio Madeira, hidrovia no Tocantins e mais recentemente a proposta de Corredores de Integração Sul Americana.[6] Esse conjunto de empreendimentos, se implementados nas atuais condições de governança territorial, agravarão ainda mais os impactos sobre a floresta, suas comunidades e o clima regional e global e certamente, contribuirão para inviabilizar o alcance das metas de redução do desmatamento previstas, tanto internamente, (sintetizadas no PPCDAm)[7], bem como, o cumprimento dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil[8] em relação às emissões de gases GEE. Acordos que estabelecem uma redução de 48,4% em relação às emissões de 2005, já em 2025, e de 53,1% em 2030. O aumento vertiginoso de eventos extremos no Brasil e em todo o mundo não deixa dúvidas da necessidade de cumprimento dessas metas. A urgência de combater e zerar o desmatamento – o que é preciso ser feito Importantes esforços estão sendo desenvolvidos nessa agenda, tanto por organizações da sociedade, com a realização de estudos e ações de incidência; quanto pelo próprio governo, com a implementação do PPCDAm[9] e em alguns casos, alcançando resultados significativos[10], porém ainda, largamente insuficientes diante da magnitude dos desafios. Portanto, é urgente ampliar e fortalecer as diversas frentes de ação para reduzir os riscos socioambientais e econômicos de grandes obras de infraestrutura. Uma estratégia de atuação efetiva deve ter como meta principal a proteção da floresta, dos sistemas hídricos e ao mesmo tempo respeitar as comunidades e beneficiar a economia regional e a vida no planeta como um todo, especialmente, em termos de biodiversidade, e equilíbrio climático. Deve estabelecer espaços de diálogo entre o poder público, organizações da sociedade, movimentos sociais e seus aliados, assim como de outros stakeholders-chaves; tanto para tratar de casos emblemáticos nos territórios, quanto para estabelecer mecanismos que fortaleçam as políticas públicas e os processos de tomada de decisão. Para superar problemas crônicos, sobretudo, relacionados aos riscos socioambientais e ao desrespeito de direitos de comunidades locais, é preciso que a participação ocorra desde o início do processo decisório dos grandes empreendimentos. É fundamental garantir o direito à Consulta Livre, Prévia e Informada das comunidades potencialmente atingidas. A falta de transparência e participação da sociedade contribuem para a escolha de mega-projetos que atendem principalmente os interesses de

Organizações da sociedade civil cobram da Cargill o cumprimento de promessas para evitar o desmatamento

Novo relatório cita fornecedores existentes da gigante do agronegócio envolvidas em ilegalidades Foto de capa: Raissa Azeredo Minneapolis, MN — Hoje, a Stand.earth, em parceria com a AidEnvironment e 13 outras organizações brasileiras e internacionais, divulgou um novo relatório detalhando um conjunto de políticas e práticas necessárias para que a multinacional Cargill Inc. cumpra com o compromisso anunciado em novembro de 2023 de manter a sua cadeia de fornecedores de commodities agrícolas – incluindo soja, milho, trigo e algodão –  livre de desmatamento e conversão de florestas, tanto no Brasil, como no Uruguai e na Argentina, até o ano de 2025. Além de um roteiro de dez etapas, foi apresentado um dossiê com detalhes sobre fornecedores da atual cadeia de abastecimento da Cargill que violam as políticas existentes da empresa relacionadas ao desmatamento e outras formas de destruição da natureza. A Stand.earth, juntamente com a Amazon Watch, a Rainforest Action Network, a International Rights Advocates, a GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental, a Mighty Earth, a Eko, a Global Witness, a Friends of the Earth e outras organizações brasileiras e internacionais solicitam à Cargill, como demonstração de boa fé, que retire estas empresas de sua cadeia de  fornecedores. “Através de nossa investigação, conseguimos identificar meios para a Cargill começar a cumprir imediatamente com compromissos assumidos pela empresa sobre a proteção de alguns dos ecossistemas mais críticos da América do Sul”, disse Joana Faggin, investigadora sénior da AidEnvironment. “Cabe à família Cargill-MacMillian colocá-los em ação”. O relatório vem um mês depois que a Stand.earth, em coordenação com a Repórter Brasil, lançou um relatório revelando violações recorrentes da legislação ambiental e de direitos humanos, inclusive de povos indigenas,  no Brasil, em contraste com compromissos que afirmam o contrário. Com ambos os relatórios, a família Cargill-MacMillan, proprietária da Cargill, tem elementos contundentes para entender melhor a destruição que sua empresa vem causando na América do Sul e os passos necessários para cumprir com os compromissos públicos assumidos pela empresa. “É hora de a família Cargill-MacMillan garantir que sua empresa cumpra seus compromissos e deixe um legado de liderança em vez de promessas não cumpridas”, disse Mathew Jacobson, diretor da campanha Burning Legacy da Stand.earth. “Eles precisam implementar os passos delineados no relatório, cancelar contratos com empresas que violam suas políticas existentes e retirar o seu apoio à construção de uma ferrovia para a exportação de grãos que atravessaria a Floresta Amazónica.” Infelizmente, o compromisso anunciado em novembro passado não é o primeiro do género assumido pela Cargill. De fato, a Cargill assumiu já assumiu diversos compromissos ao longo dos anos em relação ao desmatamento e aos direitos humanos que não cumpriu. Fornecer uma lista suja de fornecedores dá à família e à empresa a capacidade de agir de acordo com os seus compromissos, retirando-os imediatamente da sua atual cadeia de abastecimento. “A Cargill precisa atualizar suas políticas de cadeia de fornecimento, levando em conta as dinâmicas do desmatamento em áreas como a Amazônia, onde a expansão do agronegócio tem sido associada à extração ilegal de madeira, à grilagem de terras públicas e a conflitos com comunidades tradicionais”, disse Brent Millikan, membro da Secretaria Executiva do GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental, uma rede de organizações da sociedade civil brasileira. “Seus investimentos em transporte e infraestrutura portuária têm contribuído para conflitos socioambientais”. O relatório está sendo lançado enquanto se aguarda uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a construção da “Ferrogrão”, uma ferrovia para o transporte de soja e outras mercadorias do agronegocio com quase mil quilómetros de extensão.  Promovida pela Cargill, a ferrovia atravessaria o coração da Amazônia brasileira, afetando terras indígenas e unidades de conservação – o que contrasta  com o recente compromisso da Cargill sobre a manutenção de uma cadeia de abastecimento livre do desmatamento.  O projeto proposto transportaria grãos entre Sinop (MT), no bioma do Cerrado no Brasil Central, e os rios Tapajós e Amazonas para exportação para a Europa e China.  A gigante norte-americana Cargill cobra publicamente a retomada do projeto e alega que quem se opõe à Ferrogrão é “irresponsável“. Os povos indígenas e outras comunidades amazónicas, juntamente com organizações ambientais e de direitos humanos, dizem que isto é inconsistente com o atual compromisso da Cargill e exigem que a Cargill retire o apoio ao projeto. Pedem também ao governo brasileiro que cancele o projeto de forma a proteger a Amazónia e os meios de vida de povos indígenas e de outras comunidades locais. “A agricultura industrial é um dos maiores responsáveis pela crise das mudança climáticas”, afirmou Todd Paglia, Diretor Executivo da Stand.earth. “A família Cargill-MacMillian pode orientar a empresa para que implemente de fato o novo compromisso de não contribuir para o desmatamento, mas a prova está nas ações, não nas palavras. Estamos ansiosos para ver a Cargill tomar as medidas concretas que delineámos para tornar a sua política real.“ A Cargill é a maior empresa privada dos Estados Unidos e a maior empresa agroindustrial do mundo. Oitenta e oito por cento[1] da empresa é propriedade da família Cargill-MacMillan – cerca de 20 pessoas, divididas em dois ramos, os Cargills e os MacMillans. São a quarta família mais rica da América,[2] com mais bilionários do que qualquer outra família na Terra.[3] A família ganhou bilhões de dólares com a destruição de ecossistemas esssenciais, a violação dos direitos de povos indígenas e relações abusivas de trabalho nas suas plantações e em propriedades de fornecedores. Link para acessar o novo relatório “Promises to Keep” e o dossiê “Bad Apples” (inglês) está aqui. ### A Stand.earth (anteriormente ForestEthics) é uma organização ambiental internacional sem fins lucrativos, com escritórios no Canadá e nos Estados Unidos, conhecida pela sua investigação inovadora e campanhas bem sucedidas de envolvimento de empresas e cidadãos para criar novas políticas e padrões industriais na proteção das florestas, na defesa dos direitos dos povos indígenas e na proteção do clima. Visite-nos em www.stand.earth e siga-nos no Twitter @standearth. A AidEnvironment é uma organização sem fins lucrativos de investigação, estratégia e implementação da sustentabilidade trabalhando para conseguir uma

Um pouco de história e os gols de 2023

Foto de capa: Michel Dantas/Observatório BR-319 Desde 2012, o GT Infraestrutura tem atuado como rede de entidades da sociedade civil brasileira voltada para a incorporação de uma ótica de justiça socioambiental entre políticas, programas e projetos de infraestrutura, especialmente nos setores de transporte e energia, com destaque para a região amazônica.  A criação do GT Infra foi uma resposta da sociedade civil brasileira a problemas crônicos de grandes obras de infraestrutura na Amazônia, tais como planejamento autoritário, sub-dimensionamento de riscos socioambientais e da invisibilização de comunidades tradicionais, o que têm resultado em fenômenos como o desmatamento acelerado e graves conflitos socioambientais. A rede conta hoje com mais de 50 membros entre entidades socioambientais e movimentos sociais, além de observadores, cientistas convidados e outros aliados. Assim, as estratégias de atuação do GT Infra têm se organizado em dois eixos interligados: Nesses dois eixos estratégicos, uma característica fundamental da atuação do GT Infra tem sido as parcerias com comunidades e movimentos de base, objetivando i) o fortalecimento de iniciativas em defesa de territórios e direitos frente às ameaças e impactos socioambientais de grandes projetos, ii) a valorização de suas contribuições em debates sobre mudanças estruturantes entre políticas públicas e iii) apoio para iniciativas inovadoras de infraestrutura sustentável, voltadas ao ‘bem-viver’ das comunidades locais. Com a chegada de um novo governo federal no Brasil em janeiro de 2023, num contexto de resiliência de instituições democráticas no país e, ao mesmo tempo, a persistência de contradições numa coalizão política de ‘frente ampla`, tem surgido novas oportunidades e desafios para avançar em agendas estratégicas do GT Infra.  Essa conjuntura destaca a relevância de uma atuação estratégica do GT Infra que envolve: i) esforços de cooperação com o Poder Público na implementação de uma agenda de mudanças estruturantes entre instrumentos e processos decisórios nas políticas de infraestrutura sob uma ótica de sustentabilidade socioambiental, especialmente, na fase de planejamento setorial, e ii) o fortalecimento de iniciativas de comunidades e movimentos locais na defesa de territórios e direitos, frente às ameaças e danos de grandes projetos de infraestrutura que ainda persistem, especialmente a ação preventiva frente a empreendimentos de alto risco socioambiental no ‘pipeline’ governamental. Destaques de 2023 Nesse contexto político-institucional – e mesmo com restrições severas de recursos financeiros – cabe destacar os seguintes avanços no ano de 2023: [1] Veja a versão preliminar do plano de ação sobre o tema “transparência e participação em grandes projetos de infraestrutura” aqui [2] Veja, por exemplo, os documentos produzidos em oficinas coorganizadas com movimentos sociais em Sinop (MT)  (maio de 2023) e Santarém (PA) (setembro de 2023). [3] Sobre a Ferrogrão, veja, por exemplo, a carta encaminhada em dezembro de 2023 ao Grupo de Trabalho criado pelo Ministério de Transportes (Portaria no. 994 de 17 de outubro de 2023)  para subsidiar a tomada de decisões governamentais sobre a viabilidade socioambiental e econômico-financeira do empreendimento. [4] Veja também o documento “Notas para subsidiar debates no seminário do Itamaraty em preparação para a Cúpula da Amazônia” (maio de 2023).  Sobre a Cúpula da Amazônia, veja também o mini-documentário produzido pelo GT Infraestrutura, Fundo CASA Socioambiental e redes parceiras.

Mais de 50 organizações pedem boicote ao edital da Fundação Cargill

Foto: Yuri Rodrigues/FASE Organizações da sociedade civil e movimentos sociais estão boicotando o edital “Semeia Fundação Cargill 2024”, lançado pela americana Cargill, líder do setor de agronegócio no Brasil, no dia 16 de fevereiro. Um manifesto lançado nesta quarta-feira, 3, foi assinado por mais de 50 entidades, incluindo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Associação Indígena Pariri, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Instituto Raoni e Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Mato Grosso (FEPOIMT). Para os indígenas, quilombolas, extrativistas, pescadores e demais comunidades tradicionais da Amazônia e Cerrado, trata-se de uma “tentativa da Cargill de limpar a sua imagem através do financiamento a projetos socioambientais comunitários e a supostos negócios de impacto” e “a única coisa que a Cargill semeia é a violação de direitos e a morte”. “Essa mobilização é necessária, porque não podemos aceitar que empresas que destroem a floresta e ignoram a nossa existência se vendam como amigas do meio ambiente. Eles oferecem dinheiro a projetos socioambientais, enquanto por trás  impulsionam projetos que podem destruir a Amazônia, como a Ferrogrão”, declara Alessandra Korap, liderança indígena do povo Munduruku no Pará e presidenta da Associação Indígena Pariri. As organizações denunciam ainda que a gigante do agronegócio faz lobby pela Ferrogrão: o projeto da ferrovia que está no PAC 3 do governo Lula, que, se tirada do papel, vai cortar 933 km de Floresta Amazônica ao meio para aumentar e escoar a produção, já recordista, de soja e milho no Mato Grosso e no Pará. Segundo Sérgio Guimarães, secretário executivo do GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental (GT Infra), “a Ferrogrão, é um projeto mal feito, que sequer considera alternativas e que se implantado, causaria fortes impactos na floresta e em todas as comunidades indígenas da região e que só se viabilizaria pela expansão da área plantada ao longo do trajeto causando desmatamento e inúmeros conflitos socioambientais”. Pedro Charbel, assessor de campanhas da Amazon Watch – organização participante do movimento de boicote – afirma que não há propaganda capaz de lavar a imagem da Cargill de suas violações diárias dos direitos dos povos e comunidades da Amazônia e do Cerrado. “A Cargill é um dos principais elos da cadeia de destruição desses biomas e, se depender de sua vontade de mais e mais lucro, projetos como a Ferrogrão agravarão ainda mais esse quadro”, defende. Violações da Cargill “A Cargill que alega preocupação com o meio ambiente, alimentação saudável e os direitos humanos é a mesma que impede pessoas de pescarem nas proximidades dos seus terminais portuários, que polui rios com suas barcas de soja, e modifica ecossistemas e modos de vida por seu desejo de lucro.  Ao afirmar que a sua missão é ‘promover a prosperidade das comunidades fortalecendo sistemas alimentares seguros, sustentáveis e acessíveis’, a Fundação Cargill tenta enganar consumidores do mundo todo e construir uma falsa imagem de empresa sustentável e ‘verde’ diante do mercado internacional”, diz o manifesto.  O documento ainda pontua que o edital Semeia quer esconder que a Cargill “estimula o desmatamento, a grilagem de terras, a perda de biodiversidade, e a utilização de cada vez mais agrotóxicos ao promover uma cadeia de monocultura predatória e ilegal, opera portos irregulares em Santarém e Itaituba, e assedia territórios quilombolas em Abaetetuba”. Por fim, as entidades convidam a população brasileira a se juntar ao movimento e não se inscrever no edital. “Se a Cargill quer de fato “apoiar histórias”, “cultivar vínculos” e “transformar o futuro”, que comece respeitando a legislação brasileira e internacional, os direitos dos povos e comunidades que habitam a Amazônia e o Cerrado, e interrompa  suas atividades de destruição nesses biomas”, finaliza a nota pública. Confira a nota pública na íntegra: Nós, organizações da sociedade civil, movimentos sociais e associações populares abaixo assinadas, denunciamos o  edital “Semeia Fundação Cargill 2024” e a tentativa da Cargill de limpar a sua imagem através do financiamento a projetos socioambientais comunitários e a supostos negócios de impacto. Para os povos indígenas, ribeirinhos, pescadores artesanais, quilombolas, camponeses e comunidades tradicionais diversas da Amazônia e do Cerrado, a única coisa que a Cargill semeia é a violação de direitos e a morte: a empresa atua  impulsionando a destruição desses biomas e favorece o complexo  global da soja e do milho, violando diretamente os direitos e modos de vida dessas pessoas através de suas infraestruturas e operações  logísticas. A verdadeira Cargill, considerada a segunda maior empresa de capital fechado do mundo, não defende a natureza nem as comunidades locais, mas sim projetos de destruição como a Ferrogrão: uma ferrovia de 933 km que cortaria a floresta amazônica ao meio para aumentar ainda mais a produção, já recordista, de soja e milho no Mato Grosso e no Pará. Proposta e defendida pela Cargill, ADM, Bunge, Louis Dreyfus e Amaggi, a Ferrogrão resultaria em mais desmatamento, mais emissões de gases de efeito estufa, e ainda mais violações na região do corredor logístico Tapajós-Xingu – cujos portos, hidrovias, e rodovias já acumulam impactos socioambientais profundamente negativos. Com estudos falhos e ignorando alternativas, o projeto viola a constituição ao ameaçar diminuir o Parque Nacional do Jamanxim e desrespeita o direito à consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas e comunidades tradicionais da região. A Cargill que alega preocupação com o meio ambiente, alimentação saudável e os direitos humanos é a mesma que impede pessoas de pescarem nas proximidades dos seus terminais portuários, que polui rios com suas barcas de soja, e modifica ecossistemas e modos de vida por seu desejo de lucro. Ao afirmar que a sua missão é “promover a prosperidade das comunidades fortalecendo sistemas alimentares seguros, sustentáveis e acessíveis”, a Fundação Cargill engana consumidores do mundo todo e constrói uma falsa imagem de empresa sustentável e “verde” diante do mercado internacional. A Cargill que o edital Semeia quer esconder estimula o desmatamento, a grilagem de terras, a perda de biodiversidade, e a utilização de cada vez mais agrotóxicos ao promover uma cadeia de monocultura predatória e ilegal, opera portos irregulares

Ferrogrão no Banco dos Réus: Tribunal Popular

Representantes dos povos indígenas, comunidades tradicionais, organizações e movimentos sociais do Pará e Mato Grosso promoveram no dia 4 de março de 2024, um “Tribunal Popular” para julgar a Ferrogrão (EF-170), seus impactos e as empresas envolvidas e financiadoras do empreendimento. Durante a programação, realizada na Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), em Santarém (PA), a “acusação do júri” apontou uma série de violação de direitos e sentenciou a extinção imediata do projeto. “Desde o início do processo da Ferrogrão, só foram realizadas audiências nas cidades, nenhuma dentro das aldeias indígenas. Sendo que os povos Munduruku, Kayapó e Panara têm os protocolos de consulta que precisam ser respeitados, eles são nossa arma de defesa. Por isso, estamos nos unindo em uma aliança contra esta ferrovia”, disse Alessandra Korap Munduruku, que esteve ao lado de caciques e representantes dos Munduruku, e dos povos Kayapó, Panará, Apiaká, Arapiuns, Tupinambá e Xavante. O Tribunal foi composto ainda por organizações e comunidades indígenas, representantes de comunidades de pescadores, agricultores familiares e movimentos sociais. A sentença traz cinco argumentos de acusação: violação do direito à consulta livre, prévia, informada e de boa-fé; estudos falhos e subdimensionamento dos impactos e riscos socioambientais conexos; aumento da especulação fundiária, grilagem de terras públicas, desmatamento, queimadas e conflitos fundiários; e favorecimento indevido dos interesses das empresas transnacionais Cargill, Bunge, Louis Dreyfus e Amaggi. Desde a idealização da ferrovia, o direito à consulta livre, prévia, informada e de boa-fé – garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e internalizada à legislação brasileira – foi desrespeitado pelo Governo Federal. “Os estudos técnicos apresentados por aqueles que defendem o projeto dizem que a ferrovia passará longe dos territórios, mas para nós, que vivemos dentro deles, está perto e nunca fomos consultados. Realizaram audiências nas cidades e jamais pisaram em nossas aldeias, como determina o nosso protocolo de consulta. Por isso, exigimos respeito ao nosso direito de ser consultado antes de colocar empreendimento perto ou dentro do nosso território”, defendeu a liderança da Terra Indígena Baú, no Pará, Mydjere Kayapó Mekrãgnotire. Foto: Leandro Barbosa/Amazon Watch “Este réu representa não só a Ferrogrão, mas outros empreendimentos que estão sendo pensados sem nenhuma consulta aos povos afetados. Os protocolos de consulta dos povos devem ser respeitados como foram pensados nos territórios e a ausência do instrumento do protocolo não é impedimento para a consulta de um povo afetado pelo empreendimento”, reforçou Kleber Karipuna, Coordenador Executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB). Além das comunidades indígenas que seriam impactadas pelo empreendimento, o Tribunal foi também espaço para manifestação e fala de representantes de comunidades tradicionais da região. Francisca Barroso, coordenadora da Rede Agroecológica de Trairão (PA), tratou dos efeitos do projeto nas comunidades de agricultores que vivem no entorno da rodovia BR-163, que corre o risco de virar uma ferrovia. “Essa luta não é apenas dos povos indígenas, mas de todos nós que vivemos da terra e precisamos ter os nossos direitos territoriais respeitados. Nós, agricultores, estamos avisando que a agricultura familiar que alimenta esse país – afinal, as famílias brasileiras não comem soja – vai ser prejudicada com a construção desta ferrovia. Vai ser impossível produzir nessas terras que já estão ameaçadas pela grilagem e uso de agrotóxicos”, destacou Francisca. O Programa Nacional de Logística (PNL 2035) do Ministério da Infraestrutura não tem nenhum cenário futuro sem a Ferrogrão, que demonstra a forte influência do lobby do agronegócio e das empresas internacionais – e existem outras alternativas possíveis para o escoamento de grãos que poderiam ser consideradas. “A Ferrogrão não considera o potencial de desenvolvimento da floresta. E ignora a economia local proveniente da agricultura familiar, ribeirinhos e demais comunidades amazônicas. É um projeto na Amazônia e não para a Amazônia”, explicou João Andrade, representante do GT Infraestrutura Socioambiental. Protesto em frente à Cargill No mesmo dia do Tribunal, o GT Infraestrutura noticiou aqui no site a movimentação dos manifestantes em um ato contra a Ferrogrão no Porto de Santarém, chamando a atenção para os impactos da ferrovia e para sua relação com a Cargill, uma das empresas internacionais interessadas na implementação da ferrovia, e uma das responsáveis por seu financiamento. Foto: Raissa Azeredo “Os 1.000 mil km da ferrovia que passaria pelo coração da Amazônia foram propostos pelas empresas transnacionais Cargill, Bunge, Louis Dreyfus e Amaggi para o Governo Federal do Brasil. Caso seja construída, o Governo vai entregar os recursos deste país para a China e Europa. O lucro não será para as pessoas do Brasil. A Ferrogrão será construída no Brasil, será financiada pelo Brasil, irá destruir as florestas e os territórios do Brasil, mas apenas um pequeno lucro irá ficar no Brasil. O resto será exportado, assim como a soja e o milho”, denunciou Mathew Jacobson, diretor de campanha da Stand.Earth. Para Pedro Charbel, assessor de campanhas da Amazon Watch, o tribunal representa a força e determinação dos povos indígenas, comunidades tradicionais e movimentos sociais em defender seus direitos e o futuro do planeta. “O governo brasileiro deveria se atentar à sentença do Tribunal e cancelar imediatamente o projeto da Ferrogrão, caso contrário estará optando por aprofundar a destruição da Amazônia, do Cerrado e dos direitos dos habitantes desta região”, finalizou. Sentença do júri Ao final de seis horas de “Tribunal”, os povos indígenas e tradicionais sentenciaram: “Considerando os graves vícios no planejamento, as violações dos direitos da natureza e dos povos e comunidades tradicionais da região, bem como a necessidade de resguardar os biomas brasileiros e o futuro do planeta dos interesses de empresas transnacionais multibilionárias, este Tribunal Popular determina o  cancelamento imediato e definitivo do projeto da Ferrogrão por parte do Governo Federal e a devida responsabilização da ADM, Bunge, Cargill, Amaggi e Louis Dreyfus pelos danos incorridos contra a natureza e os habitantes da região do Tapajós e do Xingu“, traz o documento da sentença final. Foto: Yuri Rodrigues/FASE Além disso, o Tribunal também determinou que o Governo Federal promova

Organizações da sociedade civil propõem suspensão do projeto da Ferrogrão

Entidades defendem nova concepção sobre a infraestrutura para a Amazônia, priorizando a qualidade de vida de populações locais, a redução das desigualdades sociais e o apoio a arranjos produtivos da sociobiodiversidade, gerando emprego e renda. Brasília, DF – O GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental, uma rede de mais de 50 organizações da sociedade civil brasileira, enviou na quarta-feira (20) uma carta ao grupo de trabalho criado pelo Ministério dos Transportes para analisar a viabilidade econômica e socioambiental do projeto da Ferrogrão (EF-170), a polêmica ferrovia proposta para incentivar a exportação de soja e outros grãos do agronegócio matogrossense por vias terrestres conectadas a terminais portuários e uma hidrovia no rio Tapajós, em plena Amazônia.   A Ferrogrão foi idealizada por um grupo de ‘tradings’ do agronegócio (Amaggi, ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus) para baratear os custos de transporte de grãos destinados à exportação, envolvendo a construção de uma ferrovia de 933 km entre Sinop (MT) e Miritituba (PA). Seus defensores argumentam que a Ferrogrão deve receber incentivos como projeto ‘verde’, por reduzir a utilização de combustíveis fósseis, em comparação com o atual transporte da soja por caminhões na rodovia BR-163.   Por meio da Portaria nº 994 de 17/10/2023, o Ministério dos Transportes criou um Grupo de Trabalho para acompanhar os processos e estudos relacionados ao projeto, com foco nos aspectos de viabilidade socioambiental e econômica. Além de instâncias do Ministério dos Transportes, participam o Instituto Kabu, Rede Xingu+, e os autores da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no. 6553, que questionou a redução do Parque Nacional de Jamanxim para abrir caminho a um trecho da ferrovia.   Citando graves problemas de viabilidade econômico-financeira e riscos socioambientais da Ferrogrão, identificados em estudos técnico-científicos, o GT Infraestrutura conclui pela necessidade de suspensão do projeto, argumentando que o governo deve rever o atual sistema de planejamento de logística de transporte na região, no sentido de permitir a identificação de alternativas com maiores benefícios socioeconômicos para a sociedade, e menores riscos socioambientais.    Segundo a carta do GT Infra, os estudos preliminares da Ferrogrão demonstram um forte ‘viés otimista’, superestimando a viabilidade econômica do projeto, enquanto subestimam seus riscos socioambientais e financeiros. Os estudos preliminares da Ferrogrão estimaram investimentos de bens de capital (CAPEX) de R$10,68 bilhões com um tempo de implantação do projeto de nove anos. Em contraste, um estudo independente demonstrou que o CAPEX da Ferrogrão seria, na realidade, da ordem de R$34 a 40 bilhões, e que o tempo de implantação do empreendimento teria uma duração de 22 a 24 anos. Para viabilizar financeiramente a Ferrogrão, seria necessário um investimento de R$30 a 37 bilhões do Tesouro Nacional, prejudicando o atendimento de prioridades como a recuperação da precária malha rodoviária existente no país.   Outra falha grave de planejamento apontada é que os estudos preparatórios da Ferrogrão, assim como a atual versão do Plano Nacional de Logística (PNL 2035), não consideraram a concorrência com outras rotas de escoamento de grãos que afetaria a sua lucratividade, a exemplo da FICO (Ferrovia de Integração do Centro-Oeste), da extensão da Ferronorte e da FIOL (Ferrovia de Integração Oeste-Leste). Além das evidências de inviabilidade econômico-financeira da Ferrogrão, a carta aponta uma série de riscos socioambientais do projeto que foram subestimados, envolvendo o aumento do desmatamento e conflitos fundiários na Amazônia, em contraste com as prioridades de governo relacionadas à proteção da Amazônia, redução das desigualdades e respeito aos direitos humanos. Por fim, a carta chama atenção para a falta de respeito dos empreendedores da Ferrogrão para o direito dos povos indígenas e outras populações tradicionais a processos de consulta livre, prévia e informada, levando em conta os protocolos de consulta, antes da tomada de decisões políticas que afetem seus territórios e direitos. Para Sérgio Guimarães, Secretário Executivo do GT Infra, “as inconsistências do projeto da Ferrogrão, e sua inclusão no  PPI e no novo PAC, são um reflexo de problemas crônicos do atual sistema de planejamento da logística de transportes, voltado para atender interesses de grrandes grupos econômicos, sem considerar alternativas de investimento, em termos de custo-benefício social, econômico e ambiental. Precisamos de uma nova concepção de infraestrutura para a Amazônia, priorizando serviços que contribuam para a qualidade de vida e a redução de desigualdades sociais, com destaque para o apoio a arranjos produtivos da sociobiodiversidade, gerando renda e emprego, e o fortalecimento da segurança alimentar”, completou.   O GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental vem acompanhando e contribuindo para debates públicos sobre a Ferrogrão nos últimos anos, tendo apresentado uma carta de alerta a potenciais financiadores do empreendimento, em conjunto com a produção de material educativo: https://gt-infra.org.br/9-alertas-ferrograo/,   Leia na íntegra a carta ao Grupo de Trabalho da Ferrogrão aqui