Soluções para problemas de adaptações nas cidades estão nas próprias comunidades da amazônia

Necessidade de fortalecer quem atua nos territórios foi apontada por especialistas durante webinário. Ciclo continua nesta quinta-feira (20/1) O segundo dia da série de webinários “Nós Fazemos a Cidade”, realizado nesta quarta-feira (19/1), deu foco para o papel das organizações comunitárias e da governança multinível para viabilizar as adaptações que as cidades não podem mais esperar. A discussão deu destaque para a necessidade de fortalecimento das instituições e do estabelecimento de um processo de governança multinível para complementar iniciativas de nível nacional e subnacional como a Política Nacional de Mudança do Clima e do Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima. “Unir esforços e ganhar escala” “Ainda sentimos uma resistência muito grande do poder público estadual e maior ainda do municipal para produtos que partem da sociedade civil. Existe um distanciamento”, lamentou Fabiano Silva, coordenador executivo da Fundação Vitória Amazônica (FVA), que também atua junto com o Observatório da Região Metropolitana de Manaus (RMM). Para ele, é necessário refletir sobre a relação entre o espaço urbano e rural na Amazônia. “Cada cidade tem uma função no espaço e ainda não temos um projeto de urbanização com a cara e que atenda as demandas da amazônia”, destacou, lembrando que os instrumentos de planejamento são fundamentais para que o poder público entenda o território. “Com eles vamos conseguir aterrisar os planos diretores de cada cidade, integrando os espaços”. Fabiano ressaltou que ainda são raras e muito tímidas as iniciativas de financiamento de ações sobre cidades da Amazônia e que também ainda são poucas as organizações da sociedade civil (e pouco estruturadas) que se debruçam sobre o assunto num contexto menos florestal. “Precisamos aumentar esse caldo, com mais organizações para essa agenda, para unir esforços e ganhar escala, pautando o poder público numa nova visão de planejamento e gestão urbana”. Ele também lembrou que o objetivo desse projeto “Nós Fazemos a Cidade” é o de fomentar e estimular a participação qualificada das organizações da sociedade civil na agenda de gestão de planejamento urbano e mudanças climáticas, ação que ele considera fundamental para viabilizar as mudanças tão necessárias e urgentes. “Reside nas comunidades tradicionais as soluções” É preciso conversar com as populações, em especial as ribeirinhas. O trabalho do Observatório do Marajó tenta trabalhar usando a visão de mundo dessas comunidades como guia para pensar os projetos. “Sempre discutimos como essas comunidades tradicionais, que são não são só as mais afetadas, mas também garantiram tempo para a gente ter hoje os debates que deveríamos ter tido anos atrás”, afirmou Luti Guedes, diretor executivo do Observatório. “Por isso, buscamos, no nosso trabalho, fortalecer as estratégias dessas lideranças na incidência das políticas públicas em seus municípios”, explicou. Para Luti, pensar o que é o urbano e o que é o rural dentro da amazônia precisa ser prioridade na hora de pensar essas políticas públicas. Ele explica que, sem isso, as políticas acabam ignorando muitas pessoas que não moram nos centros urbanos e destaca que é fundamental reconhecer quais são os saberes e as práticas que as comunidades tradicionais já utilizam, pois elas direcionam caminho para políticas públicas funcionais. “Reside nas comunidades tradicionais as soluções. O que hoje são as adaptações deveria ter sido as fundações da construção desses espaços”, pontuou. “Esses conhecimentos acabam sobrevivendo nos detalhes e nas frestas e não nos grandes projetos”, completou, destacando que as políticas precisam ser construídas sem uma hierarquia dos saberes, mas organizando os saberes comunitários e apresentando-os ao poder público, o que é parte do trabalho do Observatório. “O que seria do nosso país se não fossem as suas brigadas populares e suas ações nos últimos anos?”, provocou. “É fundamental entender as dinâmicas territoriais da amazônia para entender o Brasil” “É fundamental entender as dinâmicas territoriais da amazônia para entender o Brasil”, afirmou Orlando Alves, pesquisador e membro da coordenação nacional do Observatório das Metrópoles, destacando que esse é um assunto que interessa a todo o planeta, não só a quem vive na região da floresta. Para ele, a governança multinível é fundamental para o enfrentamento das mudanças climáticas nas cidades e deve ser considerada como arranjos institucionais que intermediam a relação entre governos e sociedade. “Ela só pode ser democrática quando incorpora procedimentos e processos decisórios marcados por forte interação entre governo e sociedade, para além dos canais tradicionais da democracia representativa”, afirmou. “E como consequência, requer formas de coordenação e articulação não apenas entre os diferentes níveis e agências governamentais nos poderes executivo e legislativo, federal, estadual e municipal, mas também formas de interação ativa com a sociedade civil”. Segundo Orlando, a participação social na gestão das políticas para as cidades é uma das áreas mais afetadas por essa gestão ultraconservadora do atual governo federal, destacando a evidente aversão à participação popular nos últimos anos. “É nesse contexto que emergem as possibilidades de intervenção e a esperança de que a força dos movimentos organizados possa contestar esse projeto e construir alternativas para a construção de cidades que coloquem o aquecimento global e a gestão das cidades amazônicas em um outro lugar que não seja a geladeira”, completou. “A sociedade civil precisa ser ouvida e mobilizada para atuar” A gestora de programas do Fundo Casa Socioambiental, Claudia Gibeli, destacou que os recursos da filantropia são bem usados, mas nem sempre chegam diretamente na mão de quem está no território e conhece profundamente os problemas e, quase sempre, também as soluções. É nesse gargalo que a organização em que ela trabalha atua. “É fundamental que a gente consiga fortalecer a base para que ela ocupe esses espaço de decisão e poder, especialmente nos governos locais, porque é nas cidades que a gente vive, é nelas que quase tudo acontece”, afirmou.  “A sociedade civil precisa ser ouvida e mobilizada para atuar”, destacou Cláudia destacou, lembrando que só depois elas podem ter condições de participar dos processos de tomada de decisão. “Mas como elas vão ser ouvidas se, muitas vezes, sequer sabem o que está acontecendo e não têm clareza ou conhecimento suficiente sobre aquele tema? Entendemos que apoiando

Atores locais são fundamentais para que cidades amazônicas se adaptem às mudanças climáticas

Soluções e problemas do planejamento urbano foram o foco do primeiro dia do ciclo de debates “Nós Fazemos a Cidade”. Encontros continuam nos dias 19 e 20 A mentalidade dominante do planejamento urbano no Brasil é muito distante da realidade amazônica. Esse é um dos principais desafios que as cidades da região enfrentam na adaptação às mudanças climáticas. Mas, não é o único. E o aumento dos eventos extremos, como os crescentes níveis de temperatura, cheias, inundações, secas, desmatamento, vendavais e queimadas, somado ao fato de que as áreas urbanas da região da floresta são ainda mais vulneráveis a eles, faz com que a discussão sobre o assunto seja urgente. Esse foi um dos focos do primeiro dia do ciclo de debates “Nós Fazemos a Cidade”, que reuniu especialistas para falar sobre planejamento urbano e adaptação de cidades amazônicas às mudanças climáticas nesta terça-feira (18/1). Para Fábio Ferraz, economista da urbeOmnis, que coordena esse projeto junto com o GT Infra, é preciso entender como a estrutura de planejamento e gestão urbana se colocam nas realidades para visualizar nossas possibilidades de atuação. “Os atores locais são parte fundamental da engrenagem. Por isso é tão importante que os cidadãos possam exercer a cidadania, participando dos planejamentos para calibrar os trabalhos”. A importância do planejamento e da conexão entre políticas públicas, para que as ações não sejam apenas emergenciais ou isoladas, foi ressaltada por Sérgio Guimarães, secretário executivo do GT Infraestrutura. “É fundamental que as cidades se preparem para se adaptar a essas mudanças que já estão acontecendo e, para isso, as organizações da sociedade civil precisam assumir papel de liderança junto com os poderes públicos”, afirmou. Segundo Sérgio, para isso, as infraestruturas também precisam mudar. “As megaobras não trazem benefícios diretos para as comunidades”, comentou, lembrando que o GT Infra têm como uma de suas pautas prioritárias a “infraestrutura que queremos”, que também aponta rumos para uma nova economia nas cidades. “Os planos são construídos dentro de escritórios” “Quase não se ouve as demandas da população, as propostas já chegam prontas”, lamentou Erlan Nadler, ex-presidente e atual membro da diretoria executiva da Federação das Associações de Moradores e Organizações Comunitárias de Santarém-PA (FAMCOS), o primeiro convidado a falar no evento. “Os planos são construídos dentro de escritórios. Por isso, a gente aposta em conferências para que as populações compreendam o seu papel na construção de políticas públicas”, completou, destacando a importância da discussão com a sociedade civil antes da implementação de qualquer projeto.  A mistura do urbano e do rural está entre as especificidades das cidades amazônicas também foi apontada por Erlan Nadler como um desafio. A urbanização das praias, com estruturas de concreto no meio de mananciais, é um dos exemplos que ele usou para exemplificar como muitas infraestruturas não combinam com determinadas áreas. “As cidades amazônicas sofrem por serem vislumbradas pelo centro-sul do país como ambientes de extração de riquezas, sem respeito à suas especificidades e origens”, afirmou. “A sociedade civil vem fazendo muito, com poucos membros e poucos recursos”, completou, citando cases como a participação da FAMCOS no processo da revisão do plano diretor de Santarém e o projeto Urumari Vivo, bons exemplos do que pode ser feito para viabilizar as mudanças que queremos. “Falar de adaptação e não se atentar para as causas do problema é enxugar gelo” Outro ponto de destaque no debate foi a chamada de atenção para o fato de que as cidades amazônicas também têm sua parcela de responsabilidade na causa de seus problemas. “Elas estão recebendo os impactos das mudanças climáticas e precisam fazer alguma coisa para lidar com eles”, começou Henrique Frota, que é Coordenador Executivo do Instituto Pólis. “Mas, antes das adaptações, precisam olhar para as contribuições que dão para as mudanças climáticas”, afirmou, mostrando o número elevado de emissões de várias cidades da região Norte.  O especialista explicou que o Brasil fez e faz escolhas econômicas de desenvolvimento que acabam contribuindo para que, na fronteira amazônica, existam atividades que emitem muitas toneladas de gases do efeito estufa. “Os municípios amazônicos enfrentam um problema grave associado ao modelo de desenvolvimento baseado na exploração de commodities (especialmente mineração e agronegócio) que não será resolvido apenas com a ação local. Falar de adaptação e não se atentar para as causas do problema é enxugar gelo. E ele está derretendo muito rápido.” A capacidade institucional dos municípios para fazer um bom planejamento urbano também foi apontada como um gargalo importante na fala de Henrique Frota. “Ele destacou que alguns estados da região Norte têm percentual baixo de municípios com planos diretores aprovados. “A maioria dos municípios apresenta baixa capacidade institucional e poucos recursos para agir na escala necessária”. “Precisamos pensar em projetos territorialmente pautados” A articulação entre vários setores e a inovação em diversos âmbitos estiveram entre as soluções apontadas por Karoline Barros, Chefe do Departamento de Política e Inovação Industrial na Secretaria Executiva de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado do Amazonas (Sedecti), onde coordena o Programa BiodiverCidades Amazônicas, apresentado publicamente pela primeira vez durante o encontro. “É um projeto para fomentar parcerias e capacitações de forma que elas se encontrem e realmente instrumentalizem quem é local”, afirmou, lembrando que só junto com essas pessoas é possível fazer projetos que realmente atendam às necessidades delas. O caso da cidade de Atalaia do Norte, um município ribeirinho na região do Alto Solimões, foi citado por Karoline, para exemplificar a realidade de um centro urbano com poucos habitantes, mas que é quase duas vezes a cidade do Rio de Janeiro e tem especificidades, como uma reserva indígena com mais de 26 etnias. A população isolada e dispersa é um grande desafio e faz com que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) seja o mais baixo do Amazonas. “Precisamos pensar em projetos territorialmente pautados e não feitos por consultorias que aterrissam e vão embora, deixando até um ranço de projetos que nunca vão pra frente”, observou. Quem não assistiu, pode conferir tudo o que rolou no Youtube.   Nós Fazemos a Cidade O encontro foi