Manifestação paralisa transporte de balsas no rio Tapajós contra Ferrogrão e alerta para impactos da hidrovia
Ato marcou o 7º Grito Ancestral do povo Tupinambá realizado no último sábado (16) na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns (PA). Crédito das imagens: Leonardo Milan | Texto: Daleth Oliveira/Amazon Watch e Aliança Contra a Ferrogrão. Cerca de 400 pessoas paralisaram o transporte de cargas no rio Tapajós no sábado (16). “Não deixe a Ferrogrão destruir o Tapajós”, dizia o mega-cartaz colocado nas balsas durante a intervenção realizada pelos povos impactados pelo projeto da Ferrogrão e hidrovia do Tapajós. O ato marcou o 7º Grito Ancestral do povo Tupinambá realizado no Território Tupinambá do Baixo Tapajós, Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns (PA), a 8 horas de barco de Santarém, no oeste paraense. Entre as 9h e 15h, os manifestantes ocuparam o rio com 5 barcos, 15 bajaras, denunciando os impactos do corredor logístico do Arco Norte, cujos comboios de balsas, portos e terminais afetam negativamente o rio e os habitantes da região. Estavam presentes representantes dos povos Tupinambá, Munduruku, Arapiun, Kumaruara, Jaraqui, Tapajó, Tapuia, Apiaka, Kayapó, e de comunidades ribeirinhas do baixo Tapajós e de Montanha e Mangabal. Em um ato pacifico, indígenas subiram nas balsas e comboios, divulgando a petição pelo fim do projeto da Ferrogrão. A Aliança contra a o projeto já reúne 39 movimentos e organizações da sociedade civil. “Estão nos impedindo de pescar e matando o Rio Tapajós para exportar soja para a China e para a Europa. Se a Ferrogrão for construída, a situação vai piorar ainda mais”, explica Raquel Tupinambá, coordenadora do Conselho Indígena Tupinambá do baixo Tapajós Amazônia (CITUPI). As ações de protesto no Tapajós ocorreram simultaneamente à COP 29, a Conferência da ONU sobre o Clima, no Azerbaijão. Segundo Pedro Charbel, coordenador de campanhas da Amazon Watch, é fundamental chamar a atenção do mundo à ameaça que a expansão da soja e Ferrogrão representam. “Nosso país será sede da COP no ano que vem e os olhos do mundo estão voltados para o Pará. Não podemos ceder aos interesses da Cargill e outras grandes empresas, temos que cancelar o projeto da Ferrogrão pelo bem do futuro do planeta”, afirma. Ao final da programação, os indígenas lançaram um manifesto do rio Tapajós, denunciando crimes ambientais: “Minhas águas já mudaram de cor por causa do garimpo e estou cheio de mercúrio que envenena os peixes e os humanos que se alimentam do que eu ofereço. Minha querida Praia da Vera Paz, espaço sagrado dos meus povos originários e lugar de lazer de tantos santarenos, foi destruída pelo ferro e cimento dos silos de soja do porto da Cargill. Construído há 21 anos, sem licença e sem consulta, esse porto marca o início de um ciclo de destruição”, diz trecho. Ferrogrão e os impactos no Rio Tapajós Desenvolvido por demanda da Cargill e outras grandes tradings do agronegócio, o projeto da Ferrogrão (EF-170) visa aumentar e escoar a produção de soja e milho do centro-oeste do Brasil através do Rio Tapajós. De acordo com estudos preliminares apresentados pelo Ministério dos Transportes, os quase mil quilômetros de trilhos entre Sinop (MT) e Miritituba (PA) aumentariam o volume de exportação de grãos pelo rio em mais de 6 vezes até 2049. Raquel Tupinambá teme que para aumentar o trânsito e navegabilidade de balsas no rio sejam feitas obras de dragagem e explosão dos pedrais que são sagrados para os povos indígenas. “A Ferrogrão vai aumentar o desmatamento para produzir mais soja e vai também aumentar a destruição do rio porque querem escavar o seu leito e explodir os pedrais, que são espaços importantíssimos para nós. A ferrovia vai aumentar os impactos do corredor logístico que já nos afeta, e até agora não fomos consultados”, denuncia. Karanhin Metuktire, liderança Kayapó e representante do Instituto Raoni (MT), reforça a necessidade de respeitar os direitos dos povos indígenas. “O projeto da Ferrogrão ser prioridade de setores do Governo Federal é um exemplo de como nossos direitos continuam sendo ignorados. Querem construir essa ferrovia sem respeitar a nossa existência e os protocolos de consulta de cada povo, como manda a Convenção 169 da OIT. Cada território tem suas próprias regras e formas de decidir, e isso precisa ser respeitado”, declara. Para a advogada Bruna Balbi, da organização Terra de Direitos, o Governo precisa realizar a consulta prévia com urgência e analisar os impactos da Ferrogrão de modo relacionado com os demais empreendimentos do corredor logístico do Arco Norte. “Esse corredor envolve mais de 40 portos de transporte de carga, a hidrovia do Rio Tapajós e os passivos da BR-163. É urgente analisar os impactos cumulativos e sinérgicos dessa rede logística na região e, acima de tudo, respeitar o direito à consulta de todas as comunidades e povos afetados, conforme estipula a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho ”, explica Balbi. ➡️ Em 2021, em entrevista ao podcast do GT Infraestrutura, André Luís Ferreira, diretor-executivo do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) falou sobre a necessidade de cenários alternativos de infraestrutura no Brasil. Ouça aqui o episódio “Ferrogrão e a busca por modelos de logística no Arco Norte”. Veja mais fotos da manifestação no rio Tapajós:
Diálogo sobre Infraestrutura Sustentável no G20: Desafios, Oportunidades e Justiça Socioambiental
A Cúpula Social do G20, que reúne especialistas, sociedade civil e representantes do governo, promove nesta quinta-feira (14) um debate sobre infraestrutura sustentável, inclusiva e resiliente em regiões ambientalmente sensíveis. O evento ocorrerá entre 14h e 16h (horário de Brasília) no Espaço Kobra, localizado na Praça Mauá, no centro do Rio de Janeiro. A atividade, organizada pelo Grupo de Trabalho (GT) Infraestrutura e Justiça Socioambiental, em parceria com o BRICS Policy Center da PUC-RJ, a ONG Derecho Ambiente y Recursos Naturales (DAR) do Peru e o PROCAM/IEE/USP, visa aprofundar a discussão sobre os desafios e as oportunidades no planejamento de infraestrutura, especialmente em regiões que demandam um equilíbrio entre o desenvolvimento e a preservação ambiental. O evento buscará promover o diálogo sobre os impactos socioambientais da infraestrutura de transportes e energia, além de discutir a importância da transparência e da participação social nos processos decisórios. Especialistas e representantes da sociedade civil irão abordar os meios para fortalecer instrumentos que garantam um desenvolvimento mais justo e sustentável, respeitando os direitos dos povos e comunidades afetadas. O encontro é aberto a todos os interessados e requer inscrição prévia. Mais informações sobre a programação da Cúpula Social do G20 e o link para inscrição estão disponíveis no site oficial aqui. Cúpula Social do G20 O G20 Social, iniciativa lançada pelo presidente Lula durante a 18ª Cúpula do G20, visa ampliar a participação da sociedade civil nos processos decisórios do bloco, com foco na construção de um “Mundo Justo e um Planeta Sustentável”. A iniciativa reúne 13 grupos de engajamento, como C20 (sociedade civil), Y20 (juventude) e B20 (negócios), e busca garantir que as vozes não-governamentais sejam ouvidas e, quando houver consenso, incorporadas às declarações do G20. Entre 14 e 16 de novembro de 2024, o Rio de Janeiro sediará a primeira Cúpula Social do G20, evento que reunirá cerca de 50 mil pessoas, incluindo movimentos sociais como a APIB, a CUT e o MST. A Cúpula Social será um espaço de discussão sobre justiça social, econômica e ambiental, e terá um papel central ao antecipar as discussões da Cúpula de Líderes. Este marco inédito na história do G20 destacará a importância da participação popular na construção de políticas públicas que combatam as desigualdades globais. Saiba mais sobre inscrições na Cúpula Social e a programação geral do G20 aqui
Por que o novo Plano Nacional de Logística do governo federal será decisivo para a economia e ao meio ambiente
O plano deve apontar os gargalos de logística do Brasil, permitindo que as decisões de grandes obras como ferrovias e estradas atendam às prioridades do país. O Brasil está em um momento muito importante para o desenvolvimento de sua infraestrutura de transportes. O Plano Nacional de Logística 2050 (PNL 2050) está começando a ser elaborado pelo Governo Federal e seu Comitê de Governança já vem definindo algumas diretrizes para sua formulação. Trata-se de um momento oportuno para pôr em prática um processo decisório que, além de buscar uma movimentação eficiente e integrada de cargas e de pessoas, incorpore riscos sociais e ambientais na avaliação de corredores logísticos. Ao olhar para regiões sensíveis como a Amazônia Legal, onde diversas obras de infraestrutura são planejadas e postas em prática , a incorporação de riscos sociais e ambientais no planejamento estratégico de transportes se mostra ainda mais pertinente. A carteira de projetos de infraestrutura do PNL 2050 deve ser selecionada de forma a atender as necessidades locais, além de não comprometer a integridade cultural e ambiental na Amazônia. Para André Luís Ferreira, diretor-executivo do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), é necessário que o PNL 2050 tenha critérios transparentes e discuta com a sociedade as prioridades de investimentos. As alternativas de investimentos devem ser comparadas com base em uma análise multidimensional. Ela deve conter critérios técnicos, sociais, ambientais, financeiros e temporais. Cada alternativa precisa incluir um diagnóstico dos riscos sociais e ambientais, garantindo que os projetos escolhidos sejam sustentáveis e viáveis”, afirma Ferreira. O foco da discussão sobre transportes interurbanos de cargas está reduzido a questões operacionais e emergenciais de projetos específicos e não contempla uma análise prévia de problemas. “Não há questionamentos sobre quais critérios elegeram os projetos em pauta e o porquê deles serem selecionados”, ressalta Ferreira. Essa é a importância do PNL 2050, a necessidade da criação de um processo em que boas práticas sejam implementadas de modo a responder a algumas questões: Quais são os atuais e futuros problemas de infraestrutura de transporte no Brasil? Quais problemas serão priorizados? Como hierarquizá-los? Quais as alternativas propostas para solucioná-los e evitá-los? O resultado final almejado do PNL 2050, que deverá ser um conjunto de soluções para os problemas logísticos debatidos com a sociedade, estará disponível para seleção estratégica e destinação a serem implementados com recursos do Orçamento Geral da União, via Plano Plurianual 2028-2031. Outra possibilidade é a implementação com recursos privados, via Programa de Parceria de Investimentos (PPI). Nesse processo, para promover uma infraestrutura de transporte que suporte o crescimento econômico e social do país, garantindo que os investimentos sejam realizados de maneira inteligente e sustentável, é fundamental que o Planejamento Nacional de Logística adote as boas práticas. Caso contrário, as metas estabelecidas serão apenas formalidades no papel, sem promover para sociedade um retorno eficaz e benéfico. Com o objetivo de contribuir com essa discussão, o Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) realizou no dia 1° de novembro o Workshop on-line para jornalistas “Como ter um processo decisório transparente e estratégico para a infraestrutura no Brasil” . O evento teve por objetivo compartilhar e analisar dados e levantamentos inéditos sobre o tema. O treinamento foi apresentado por André Luis Ferreira, diretor-executivo do IEMA, com mediação de Isis Nóbile Diniz, coordenadora de comunicação da organização.
Até quando e até quanto?
Por Sérgio Guimarães* Na segunda-feira, 21 de outubro de 2024, teve início em Londres o julgamento de uma ação histórica: cerca de 620 mil pessoas atingidas pelo rompimento da barragem da Samarco, em Mariana (MG), processam a mineradora BHP, uma das controladoras da empresa. Entre os promotores da ação estão municípios, comunidades indígenas, igrejas e empresas, que pleiteiam uma indenização estimada em R$ 266 bilhões. Se deferida, será a maior indenização já vista na Justiça britânica e uma das maiores do mundo em casos ambientais. Esse evento destaca bem a dimensão dos danos e dos dramas pessoais e econômicos provocados por desastres ambientais causados, muitas vezes por descasos e negligencias de quem desconsidera evidências e o bom senso, voltados apenas para interesses econômicos. Muitas vezes, como nesse caso e em outros semelhantes, o resultado são milhares vidas, cidades setores econômicos devastados, gerando prejuízos literalmente incalculáveis. Essas situações são agravadas ainda mais pelas mudanças climáticas. Somente no Brasil em 2024 ocorreu uma série de desastres climáticos: enchentes devastadoras no Rio Grande do Sul, incêndios incontroláveis em várias regiões do país, seca histórica na Amazônia e chuvas torrenciais em São Paulo. Eventos causaram não apenas perdas de vidas, mas também prejuízos econômicos bilionários. Por exemplo, o impacto econômico da enchente no Rio Grande do Sul, de acordo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), foi de R$ 87 bilhões. Os prejuízos dos outros desastres ainda estão sendo calculados. O fato é que os custos de resposta a esses desastres são astronômicos e crescem continuamente. A grande questão é até quando e até quanto a economia global será capaz de sustentar essa drenagem de recursos destinados à reconstrução de infraestruturas destruídas, ao pagamento de indenizações, ao reforço necessário de políticas públicas de saúde e educação, além dos incentivos econômicos a reconstrução da uma economia. O redirecionamento de recursos de outras áreas cruciais para responder a crises imediatas cria um ciclo que ameaça a própria estabilidade das nações. Diante desse cenário, a mera resposta emergencial aos desastres não é mais suficiente. É preciso ir além da restauração de serviços e de medidas de adaptação a esses eventos e até mesmo das necessárias políticas de mitigação que buscam reduzir sua frequência e intensidade. Devemos agir nas raízes profundas da crise climática, revisando os princípios que regem nossa relação com o meio ambiente. Essa mudança deve envolver não apenas ações políticas e econômicas, mas também uma transformação ética e cultural nos princípios básicos que alicerçam nossa sociedade, redefinindo como interagimos uns com os outros e com a natureza. Sem essa mudança estrutural, continuaremos presos em um ciclo vicioso de “enxugar gelo”, enfrentando eventos cada vez mais extremos e sustentando um modelo insustentável que gera custos cada vez mais difíceis de suportar por governos, empresas e cidadãos. Só com uma mudança radical nos fundamentos de nossa sociedade e economia poderemos evitar um futuro de crises cada vez mais frequentes e de custos impagáveis. Isso também é emergencial! *Sérgio Guimarães é engenheiro civil, especialista em políticas ambientais.
Principais bancos estão contribuindo com US$ 395 bilhões para o colapso da biodiversidade desde o Acordo de Paris
Novos relatórios revelam o financiamento crescente a setores destrutivos e destacam a necessidade urgente de regulamentações para que o setor financeiro contribua com as Metas Globais de Biodiversidade. Brasil lidera em financiamentos a setores com risco de desmatamento São Francisco (USA), 16 de outubro de 2024 – Com a aproximação da 16ª Conferência das Partes (COP16) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), novos dados e análises divulgados hoje pela Coalizão Florestas e Finanças — um grupo de dez organizações internacionais da sociedade civil — revelam que os maiores bancos do mundo destinaram mais de US$ 395 bilhões em crédito a setores que impulsionam a destruição das florestas e violações de direitos humanos em florestas tropicais desde a adoção do Acordo de Paris. Somente no período mais recente de análise, janeiro de 2023 a junho de 2024, foram US$ 77 bilhões em crédito. A pesquisa destaca que os governos têm pautado a omissão em conter essa tendência, apesar de terem adotado o Marco Global de Biodiversidade (GBF) há quase dois anos. Os resultados evidenciam a necessidade urgente de medidas regulatórias robustas para alinhar as práticas financeiras com as metas globais de biodiversidade. O relatório “Financiando o Colapso da Biodiversidade” é a análise mais abrangente sobre o papel das finanças globais na destruição das florestas tropicais — um estudo inicial publicado em dezembro de 2023. O relatório deste ano examina bancos e investidores que financiam 300 empresas operando em seis setores de commodities de alto risco — carne bovina, óleo de palma, celulose e papel, borracha, soja e madeira — de desmatamento, perda de biodiversidade e violações de direitos humanos no Sudeste Asiático, América Latina e África Central e Ocidental. Lançado em conjunto, o relatório “Regulamentação Financeira para a Biodiversidade” revela, juntamente com o estudo principal, que a maior parte do financiamento vem do Brasil, China, Indonésia, União Europeia e Estados Unidos. O Brasil, em particular, ocupa um papel central no financiamento desses setores destrutivos, sendo responsável por 72% de todo o crédito mundial destinado à produção e ao processamento primário das seis commodities com risco de desmatamento dos biomas brasileiros. “O setor financeiro precisa avançar na transparência de seus negócios, para que suas políticas corporativas de sustentabilidade sejam de fato escrutinadas por órgãos reguladores e a sociedade civil. Do ponto de vista da política pública, precisamos de marcos legais nacionais e internacionais mais fortes, evitando o financiamento de projetos predatórios. A governança das cadeias produtivas de commodities ainda é muito frágil. Sem mudanças, violações de direitos e a destruição de biomas continuarão a ocorrer”, afirma Marcel Gomes, secretário executivo da ONG Repórter Brasil, membro da Coalizão. Entre 2016 e junho de 2024, bancos brasileiros destinaram US$ 188 bilhões a essas empresas de risco à biodiversidade. No período mais recente de 18 meses (janeiro de 2023 a junho de 2024), apenas os três maiores bancos do país – Banco do Brasil, Bradesco e Itaú Unibanco – forneceram US$ 35 bilhões, principalmente para os setores de soja e carne bovina. “Os governos estão inertes enquanto os bancos continuam a financiar a destruição das florestas e violações de direitos humanos, sem qualquer restrição ou consequência”, afirma Tom Picken, diretor da campanha Florestas e Finanças da organização Rainforest Action Network (RAN), membro da Coalizão. “Com a COP16 se aproximando, é o momento de uma ação transformadora. A verdadeira ‘lacuna de financiamento’ para a conservação é, na verdade, uma lacuna regulatória para impedir que bancos e investidores continuem alimentando a crise de biodiversidade.” Brasil: epicentro do financiamento para setores que destroem a biodiversidade O programa de Crédito Rural do Brasil desempenhou um papel importante no crescimento desses setores, com um aumento de US$ 10,7 bilhões para o setor de soja e US$ 9,8 bilhões para o setor de carne bovina entre 2016 e 2023. Além disso, os investimentos no setor aumentaram bastante por meio de instrumentos financeiros como Fiagros, CRAs, e LCAs. As regulamentações sobre esses produtos de investimento, vendidos a investidores privados, praticamente não possuem critérios socioambientais associados. Esses produtos são amplamente utilizados para financiar o setor agrícola e se tornaram uma fonte de capital fundamental para a expansão das atividades. Dados governamentais mostram que, em julho de 2024, o valor total dos instrumentos financeiros destinados ao setor agrícola brasileiro alcançou US$ 187 bilhões. “Sem mudanças regulatórias que imponham requisitos socioambientais mais rígidos e a responsabilização dos financiadores, o setor financeiro brasileiro continuará impulsionando a destruição das florestas e colocando em risco as metas de biodiversidade” disse Tarcísio Feitosa – articulador da Coalizão Florestas e Finanças para o Brasil. Enquanto incêndios florestais devastam a Amazônia durante uma das piores temporadas de queimadas já registradas, o relatório “Financiando o Colapso da Biodiversidade” detalha como a JBS, a maior empresa de processamento de carne do mundo, tem contribuído para a destruição de terras indígenas na Amazônia, apoiada por US$ 1,1 bilhão em crédito de grandes instituições financeiras. Apesar dos compromissos para práticas éticas, a JBS continua perpetuando o desmatamento e as violações de direitos humanos. Além disso, os relatórios apontam que as iniciativas voluntárias de sustentabilidade dos bancos estão falhando. Mais da metade dos 30 maiores bancos com risco de desmatamento florestal do mundo são membros de pelo menos uma iniciativa de sustentabilidade, como os Princípios para a Responsiabilidade Bancária (UNPRB), a Aliança Bancária por Zero Emissões Líquidas (NZBA) e a Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas à Natureza (TNFD). No entanto, tais compromissos não impediram a continuidade do financiamento para a destruição das florestas e as violações de direitos humanos. Sistemas de certificação como o Forest Stewardship Council (FSC) e a Mesa Redonda sobre Óleo de Palma Sustentável (RSPO) também não conseguiram evitar o desmatamento nem proteger os direitos humanos. “Bancos e investidores que dependem de esquemas de certificação falhos, como o FSC e a RSPO, são cúmplices do greenwashing e contribuem para as crises climática, de biodiversidade e de direitos humanos. As instituições financeiras devem assumir a responsabilidade pelos impactos de seus financiamentos e conduzir rigorosa diligência e verificação independente do cumprimento das políticas ambientais e sociais de seus clientes”, disse Jeff
Vozes da Amazônia ecoaram em Brasília
O workshop “Planejamento Estratégico no Setor de Transportes: Caminhos para Sustentabilidade com Transparência e Participação Social” ocorreu em Brasília no dia 12 de setembro, mas até hoje reverbera no coração de quem esteve lá Marcelo Vidal, então Coordenador-Geral de Transparência Ativa e Dados Abertos da CGU resume em uma frase o ineditismo da ação: “Se me dissessem há seis anos que eu estaria reunido com o governo federal, os órgãos de controle e a sociedade em uma sala para debater sobre infraestrutura durante um dia inteiro, eu diria que a pessoa era louca, mas aqui estamos”. O workshop reuniu representantes de ministérios e de órgãos reguladores com representantes da sociedade civil para discutir sobre a necessidade de uma nova forma de realizar o planejamento da política setorial de transportes. O evento realizado no dia 12 de setembro, no âmbito da Parceria para Governo Aberto, iniciativa internacional que conta com a participação do Brasil, voltada para melhorar a transparência e participação da sociedade civil nas políticas públicas. O workshop foi organizado pela Controladoria Geral da União (CGU) e o Ministério dos Transportes (MT), em parceria com o GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental (GT Infra), o Instituto de Energia e Meio ambiente (IEMA), o Instituto Socioambiental (ISA), o Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas (IBRAOP) e a Transparência Internacional – Brasil (TI Brasil). O objetivo do encontro foi discutir a necessidade de fortalecimento de instrumentos e processos decisórios no planejamento estratégico no setor de transporte, considerando suas dimensões socioambientais, econômicas e políticas, com destaque à região amazônica. George Santoro, secretário-executivo do Ministério dos Transportes, comentou na abertura do evento que é fundamental debater com a sociedade aquilo que queremos dos investimentos em transportes, mas que não basta consultar, é preciso tomar as decisões de forma conjunta, com escutas qualitativas. “É necessário criar mecanismos de consulta para a população. É preciso ter consulta sobre os empreendimentos e os impactos que eles terão sobre a sociedade naquele momento. Isso significa avaliar o planejamento antes da seleção dos projetos, antes da fase de licenciamento ambiental. É uma mudança cultural complexa”, afirmou. O Secretário Executivo reconheceu que, historicamente, o Ministério dos Transportes não tem possuído uma cultura de transparência e participação e que esta cultura precisa ser implementada. Adriana Portugal, presidente do IBRAOP, argumentou que é preciso mudar as premissas no planejamento de transportes. “As questões ambientais e de sustentabilidade são vistas como risco de negócio. Mas não se trata de risco. Elas devem ser uma premissa e um dado de projeto que precisam ser tratadas desde o início”, diz. Para André Ferreira, diretor do IEMA, “as organizações da sociedade civil estão dando importância crescente a questionamentos acerca do propósito e da gênese dos projetos, reconhecendo a necessidade de participação nas etapas iniciais do processo decisório de infraestrutura de transportes”. O workshop discutiu a importância de garantir, em cada etapa do processo decisório, a utilização de critérios transparentes, incorporando a análise de riscos sociais e ambientais e de alternativas, desde a fase de planejamento setorial, com ampla e qualificada participação social. Isso é especialmente necessário neste momento em que o Governo Federal está começando a preparação do Plano Nacional de Logística 2050, de forma articulada à Estratégia Brasil 2050 e ao Plano de Transformação Ecológica. Adriana Portugal, do IBRAOP, destacou a importância de planejar, a partir da fase de levantamentos, a priorização de necessidades de transporte com transparência e participação social “Isso é necessário para que o poder público não fique com um conjunto de obras propostas, muitas das quais questionáveis sob a ótica do interesse público, que viram fatos consumados, sobre os quais a sociedade brasileira só vai conseguir debater, de forma parcial e pouco consequente, na etapa do licenciamento ambiental. A transparência deve acontecer desde o início da identificação das necessidades, incluindo até as decisões de prosseguir ou não com determinado projeto.” Amanda Faria Lima, analista da Transparência Internacional – Brasil, completa: “Existe uma oportunidade inédita de fortalecer o setor por meio da transparência, integridade e participação social no âmbito do 6° Plano de Ação de Governo Aberto”. “Todas as áreas precisam estar abertas à inovação, senão não respondem às necessidades que estão postas”, afirma Marcelo Vidal, Coordenador-Geral de Transparência Ativa e Dados Abertos da CGU. “Integridade não basta parecer. Tem que ser. É preciso atender às necessidades do governo e da sociedade, e o controle social faz diferença no trabalho.” Vidal ainda destacou a importância do workshop como subsídio para o trabalho do 6º Plano de Ação Nacional da Parceria de Governo Aberto, no que tange ao compromisso com a transparência e participação em grandes obras de infraestrutura. Um dos pontos centrais do debate foi a necessidade de obter um bom processo para decidir prioridades de investimentos em infraestrutura. Para André Ferreira, diretor executivo do IEMA, o Decreto nº 12.022, de 16 de maio de 2024, instituiu a transparência no planejamento integrado de transportes (PIT) e suas instâncias de governança. “É uma oportunidade de ação de governo aberto, de tratar o planejamento integrado de transporte com participação pública no processo decisório. Isso é essencial para garantir que as escolhas sejam feitas segundo o interesse geral do país e resultem em uma agenda de Estado e não apenas na agenda de um ou outro grupo econômico com mais acesso aos tomadores de decisão” . Essa necessidade de decidir melhor com planejamento é apontada pelos próprios órgãos do governo. Gabriela Avelino, subsecretária de fomento e planejamento no Ministério dos Transportes, afirma que está acompanhando os trabalhos de auditoria do Tribunal de Contas da União para atualizar a realização dos planos setoriais de transporte. Ela afirma que a construção dos planos setoriais foi responsabilidade da gestão passada para ser entregue em 2022. “A nova gestão recebeu um rascunho em 2023 com indicadores que foram considerados problemáticos”, diz. O ministério está propondo nesse novo ciclo do PIT, as mudanças metodológicas e oportunidades de participação social, diz Gabriela. AS VOZES DA AMAZÔNIA Foram quatro mesas, com técnicos e representantes da sociedade, mas as falas da Mesa 3, repleta
Mais que otimistas, precisamos ser radicalmente realistas!
Sérgio Guimarães* Foto Marcos Amend -WCS/Brasil Pra não ser exaustivo, nem falar nas centenas de dramas cotidianos mundo afora, nem na cheia dramática que inundou o Rio Grande do Sul há 4 meses, me restringindo apenas às tragédias em curso no Brasil; a seca histórica e a pandemia do fogo que assolam o país nesse momento e que algumas manchetes, buscam reportar a dramaticidade da situação: “Queimadas custam ao menos R$ 2 bi em SP, e seca deve aumentar prejuízos no Brasil”; “Gás sem cheiro e letal se espalha em nível altíssimo; culpa é das queimadas”; “Puxado por Brasil, incêndios na América do Sul quebram novo recorde”; “Brasil tem ao menos 10 milhões de afetados em cidades em emergência por queimadas”; “Incêndios e queimadas fazem da Amazônia região que mais emite carbono no planeta”; “SP é metrópole com ar mais sujo do mundo, mas há cidades piores no Brasil”; “Brasil tem quase 200 cidades com umidade igual ou menor que a do Saara”; “Parque Indígena Xingu que registrou paredão de fogo tem mais de 34 mil hectares queimados em MT”; “Seca no Rio Solimões isola mais de três mil pessoas: ribeirinhos usam enxadas para abrir canais para embarcações no AM”. O portal G1 mostra uma sequência de imagens impressionantes da seca e dos incêndios no Brasil.Mesmo diante das catástrofes diárias e crescentes e, das apavorantes perspectivas, previstas pela quase totalidade dos cientistas, existe um mantra que é repetido, inclusive por quem está engajado em busca de soluções, que é “temos que ser otimistas”; pois caso não acreditarmos na reversão, da cada vez mais grave situação que o planeta e a humanidade enfrentam, poderemos cair numa perigosa paralisia, deixando as coisas seguirem seu curso.Mas como ser otimistas se continuamos intensificando as causas que produzem o atual estado de coisas? Seria o mesmo que perguntar a um paciente portador de doença grave, se ele é otimista e tem esperança de cura, mesmo sem fazer tratamento e seguisse reproduzindo os comportamentos que causaram a doença. Independentemente de sua resposta, todos concordaríamos que as possibilidades de cura (a não ser por um milagre divino) na prática não existiriam. Pior ainda, no caso da crise climática, ainda existem pessoas que negam o óbvio, de que a situação é causada pela ação humana; outros que, literalmente, continuam colocando lenha na fogueira e uma grande maioria, que mesmo sabendo da gravidade e das causas da crise, continua agindo como se não tivessem qualquer responsabilidade sobre ela. Talvez na esperança, vã, de que não serão atingidos ou de que serão encontradas soluções paliativas que não impliquem em mudanças profundas em práticas enraizadas nas formas de produção e nos nossos comportamentos.Ou ainda, como é o caso do governo brasileiro, que vive uma contradição entre anúncios de metas de desmatamento zero e de transição energética e o incentivo a projetos com gigantesco potencial de impactos, como é o caso da repavimentação da BR-319, da ferrogrão e dos “corredores de integração sul-americana”. Projetos que, caso sejam implantados, causarão desmatamento de tal ordem, que levaria a floresta ao colapso. Isso, sem citar as mirabolantes propostas de aumento da produção de petróleo, inclusive na Amazônia. Mas a realidade dos acontecimentos extremos em sequência, com previsões nada animadoras para os próximos anos, mostra que não dá pra continuar acreditando, otimistamente, que soluções ‘meia boca” tenham alguma chance de enfrentar o problema. Carlos Nobre, principal cientista climático brasileiro, reconhecido em todo o mundo, nos dá uma dimensão da gravidade da situação. Num recente artigo, intitulado “Crise climática: mundo pode não ter mais volta e isso me apavora” confessa que “a ciência climática do mundo inteiro não previa uma aceleração tão intensa das mudanças climáticas como temos visto recentemente”. O que se espera (e aí entra uma boa dose de esperança) é que a dramática realidade contribua para nos trazer consciência de que não dá para continuar nessa toada, sem uma mudança radical na nossa rota. A palavra radical indicando que precisamos ir até a raiz dos problemas para encontrar soluções efetivas.Enfrentar as emergências, como tem sido feito pelos governos e alguns setores da sociedade, é urgente e necessário, mas não chega nem perto de ser suficiente. São necessárias, e também urgentes, soluções de fundo, bem além das emergências, como a redução radical das emissões de gases de efeito estufa (GEE) e o desmatamento zero. E aí, é onde “o bicho pega”. Claro, não é fácil, mas é tão emergencial como combater os incêndios. É preciso enxergar além a fumaça que hoje cobre o país e ter a coragem paraimplementar soluções radicais. Bem além de sermos otimistas, precisamos ser profundamente realistas para ter alguma chance de sobrevivência. Sérgio Guimarães é engenheiro civil e Secretário Executivo do GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental.
Aviso de Processo Seletivo
Contratação de Assessor Técnico – Política de Transportes 1. Contextualização O GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental – GT Infra – (https://gt-infra.org.br/) – rede de organizações da sociedade civil brasileira – e o Instituto de Energia e Meio Ambiente – IEMA (https://energiaeambiente.org.br/) estão desenvolvendo um projeto, em conjunto com parceiros, voltada para promover melhorias estruturantes em instrumentos e processos de tomada de decisão sobre a infraestrutura de transportes, abordando questões de governança territorial, direitos socioambientais e viabilização de alternativas a corredores logísticos de transporte de mercadorias na Amazônia.” 2. Objeto da Contratação O IEMA, como administrador do projeto, contratará serviços especializados de assessoria técnica em políticas e projetos de transporte para apoiar a Secretaria Executiva do GT Infra no âmbito do projeto “Fortalecimento da Governança Participativa para Infraestrutura Sustentável, Inclusiva e Resiliente na Amazônia”. A contratação ocorrerá na modalidade de consultoria externa, como Pessoa Jurídica (PJ). 3. Atividades e Produtos As principais atividades a serem exercidas incluem: 4. Período de contratação O período de contratação será de 12 meses, a partir de outubro de 2024, com possibilidade de renovação por até mais dois anos. 5. Perfil do profissional responsável pelo trabalho O profissional a ser contratado deve ter formação de, no mínimo, nível de graduação (de preferência Mestrado) em Geografia, Ciências Políticas ou outra área afim. Deve ter, no mínimo, três anos de experiência sobre a temática de políticas de transporte e suas interfaces com direitos socioambientais e governança territorial. Preferência para candidatos com experiência de pesquisa na região amazônica e atuação com movimentos sociais em trabalhos afins. Será importante a disponibilidade para viagens e atividades de trabalho; conhecimentos de informática, inclusive ferramentas de MS Office ou equivalente; plataformas colaborativas on-line (planilhas, apresentações, documentos, gestão de arquivos, conferências online, entre outros); e dispor de equipamento próprio (computador) para as atividades. O IEMA e o GT Infraestrutura valorizam a diversidade na composição de suas equipes e não coadunam com práticas de discriminação de qualquer natureza (gênero, raça, idade, orientação sexual). São especialmente bem-vindas candidaturas de mulheres e de pessoas negras ou indígenas. 6. Processo de inscrição Os candidatos interessados em participar do processo seletivo devem enviar o currículo vitae (CV), uma breve carta explicativa sobre motivação para concorrer ao cargo, pretensão salarial, e duas referências profissionais (com informações de contato) para o e-mail brent.millikan@gmail.com com cópia para monica@energiaeambiente.org.br. Informar na linha do assunto “ASSESSOR_TRANSPORTES_IEMA-GT INFRA_2024Moore”. Prazo para inscrições: 04/10/2024 (até 23h59)
Organizações da sociedade civil alertam sobre impactos na construção e no planejamento do uso de rios para transporte de cargas
Um dos principais desafios na infraestrutura brasileira é ter um planejamento para o transporte de cargas em áreas sensíveis que integre, desde o início, aspectos sociais e ambientais, com transparência e participação social Um dos grandes desafios para o desenvolvimento econômico e social do Brasil com responsabilidade ambiental é a melhoria da infraestrutura nacional. Isso envolve decisões para melhorar a logística interna e de conectividade com outros países. Um dos possíveis caminhos é o país criar formas para planejar e decidir melhor onde priorizar seus investimentos em infraestrutura de transportes, como hidrovias e portos. Estes podem ser vetores de desenvolvimento sustentável ou geradores de desastres ambientais, exclusão social e desperdício de recursos. Depende de como são pensados, planejados e realizados. Essa foi uma das principais conclusões do webinar “Hidrovias e Portos para a Exportação de Commodities: Desafios para a Governança Socioambiental”, realizado no dia 15 de agosto, organizado pelo GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental. Contando com a participação de pesquisadores, lideranças de movimentos sociais e Ministério Público Federal, o evento analisou o contexto político-institucional, o marco legal de planejamento, licenciamento ambiental e concessões, e casos específicos de hidrovias e portos na Amazônia e na bacia do Alto Paraguai, abordando impactos socioambientais e estratégias de defesa de territórios e direitos. Segundo a maioria dos participantes, existe a necessidade de melhorar a transparência e a participação da sociedade civil no planejamento de transportes, com a institucionalização de mudanças no processo decisório. A carência por melhorias começa na fase inicial de planejamento setorial, momento em que devem ser avaliadas as demandas do país e as melhores alternativas para o seu atendimento, argumentou André Luis Ferreira, diretor-executivo do Instituto Energia e Meio Ambiente (IEMA). De acordo com as boas práticas de planejamento, o primeiro passo é identificar os problemas atuais e futuros relacionados à infraestrutura do país. Nesse processo, é importante esclarecer as posições dos diferentes grupos de interesse envolvidos (como usuários, operadores de transporte, pesquisadores e cidadãos) em relação a esses desafios. “Apesar dos avanços inegáveis verificados nos últimos anos, persistem alguns problemas importantes no processo decisório de investimentos em infraestrutura de transportes no Brasil. Grandes projetos de infraestrutura de transporte ainda são definidos a priori e considerados dados de entrada nos planos setoriais, e não o resultado de um exercício de planejamento orientado para identificar gargalos logísticos, priorizá-los e encontrar as melhores alternativas econômicas e socioambientais para solucioná-los.” Uma proposta discutida no webinário é que o planejamento de hidrovias, e de forma mais ampla o Planejamento Integrado de Transportes (PIT) e o Plano Nacional de Logística 2050, expressem compromissos com a inclusão social e a sustentabilidade ambiental, garantindo mecanismos de transparência ativa da sociedade civil, com a institucionalização de melhorias no marco legal dos projetos decisórios. “É preciso garantir que todas as etapas técnicas sejam transparentes com participação pública e que cada uma procure analisar riscos sociais e ambientais com ampla participação da sociedade. Riscos sociais e ambientais precisam ser incorporados no nível de planejamento setorial, quando se avalia soluções alternativas para problemas de infraestrutura de transportes”, afirma Ferreira. Do contrário, explica, as preocupações sociais e ambientais só aparecem no licenciamento ambiental, quando o projeto se encontra em estágio já avançado, dificultando a inserção pautas sociais e a inclusão das demandas territoriais. O que resta é um trabalho de compensação ambiental, de melhorar os projetos, que dificilmente são revertidos. Tendências de expansão e atores econômicos A maior parte dos atuais planos de expansão do transporte fluvial está focada na região amazônica, priorizando o barateamento dos custos de exportação do agronegócio e da mineração via a chamada “Arco Norte”, tipicamente envolvendo conexões “intermodais” com rodovias, ferrovias e portos. Porém, pouco se menciona as consequências na Amazônia para o equilíbrio de ecossistemas aquáticos e terrestres e para a segurança alimentar e territorial de comunidades ribeirinhas. Por exemplo, um dos riscos apontados no webinar, que tem recebido pouca atenção, é aumento significativo da contaminação da água por óleos oriundos do transporte fluvial. Outro problema central é quando hidrovias e outras obras para corredores de exportação de commodities impulsionam processos como a expansão desenfreada da soja, associada ao desmatamento, grilagem de terras públicas e expulsão de comunidades locais, em contextos de fraca governança territorial. Licenciamento ambiental O licenciamento ambiental de hidrovias é sempre tratado de forma pontual, como no caso de portos ou dragagem de um trecho de rios, sem considerar os impactos mais amplos de hidrovias, inclusive impactos sinérgicos e cumulativos, e sem coordenação efetiva entre o governo federal, estados e municípios. Além disso, a outorga do uso da água pela Agência Nacional de Águas (ANA) não é articulada com o licenciamento ambiental o que, segundo os debatedores, já configura um problema em si, pois não considera os reais impactos socioambientais. O Procurador da República, Ministério Público Federal do Pará (MPF/PA), Igor Lima, ainda afirma que atividades inerentes a atividades econômicas que precisam de água, que são considerados usos indiretos, não entram nessa outorga. Para Lima, “não há preocupação com a solução de problemas socioambientais reais”. “É uma questão puramente mercantilista, que leva em consideração apenas aspectos econômicos, e não como isso vai impactar o consumo humano e o ecossistema.” No caso do planejamento e licenciamento ambiental da hidrovia Tocantins, foi identificada uma série de problemas que colocam em xeque a viabilidade socioambiental e econômica do empreendimento. Mesmo assim, ela obteve uma Licença Prévia no apagar das luzes do Governo Bolsonaro e está prestes a receber uma Licença de Instalação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), permitindo a derrocagem do Pedral de Lourenção, sítio de enorme relevância socioambiental e obras de dragagem do rio. O estudo de impacto ambiental, realizado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), ignora uma série de riscos socioambientais como impactos sobre espécies de peixes que habitam os pedrais, fundamentais para a segurança alimentar e a economia de comunidades locais, não mencionadas e nem identificadas. Além disso, o DNIT e o Ibama cometeram equívocos ao desconsiderar impactos cumulativos com outros empreendimentos e alternativas