Necessidades de valorizar a biodiversidade da floresta e pensar em uma infraestrutura que considere a natureza e as pessoas foram pontos de destaque no último dia de debate
O conceito e as práticas de desenvolvimento sustentável e a Agenda 2030 da ONU são, juntamente com os esforços de adaptação, oportunidades de influenciar mais efetivamente na construção de políticas públicas urbanas sustentáveis. Mas essa teoria precisa considerar a prática das comunidades tradicionais. Esse foi um dos pontos centrais do último webinário da série “Nós Fazemos a Cidade”, realizado nesta quinta-feira (20/1), com transmissão pelo Youtube do GT Infra.
“É um projeto de desenvolvimento inadequado, ineficiente e caro”
“O desafio da Amazônia é do tamanho dela”, afirmou Claudio de Oliveira, membro da secretaria executiva do GT Infra, um dos convidados do encontro. Ele destacou como é difícil convencer uma pessoa que ela está errada, quando as coisas estão aparentemente dando certo, citando números do agronegócio, que cresce na região da floresta. “É um projeto de desenvolvimento inadequado, ineficiente e caro”, observou, destacando que quem pensa esses projetos não está preocupado com o amanhã, mas como o agora, com o lucro. “Precisamos que as pessoas percebam a necessidade de desmatamento zero e também de reflorestamento”.
Para Claudio, entre os caminhos para a Amazônia estão a biotecnologia, a biodiversidade e a inovação. “Mas é necessário haver uma infraestrutura que possibilite isso”, afirmou. Ele também lembrou que o GT Infraestrutura também vai lançar, em breve, um trabalho, conduzido pelo professor Ricardo Abramovay, sobre a infraestrutura que queremos. Esse trabalho foi construído levando em conta o conhecimento de quem vive na floresta que, segundo ele, é o que todos os projetos para o desenvolvimento sustentável da região deveriam fazer. “A primeira dimensão é considerar a natureza como uma infraestrutura e o segundo é a necessidade de uma infraestrutura para as pessoas”, adiantou.
“As cidades não são seguras para enfrentar esse momento”
“A pandemia levou muita gente que vivia nos centros urbanos a buscar as comunidades ribeirinhas e indígenas como um refúgio. O que nos leva à conclusão que as cidades não são seguras para enfrentar esse momento”, afirmou Iremar Antonio Ferreira, membro da coordenação do Instituto Madeira Vivo. “Quem não pôde voltar, articulou para que os conhecimentos tradicionais viessem para ajudar a enfrentar esse vírus desconhecido”, completou, lembrando que os sistemas de saúde colapsaram em muitas cidades da região da floresta. “Ou seja, nossas cidades não são sustentáveis, seus planejamentos não consideram os conhecimentos das populações tradicionais que compõem esses espaços”, lamentou.
Iremar acredita que o caminho para as cidades é pensá-las na integração com as florestas e os rios, visando protegê-los antes de qualquer coisa. Segundo ele, temos muito a aprender com a natureza. “Ao colocar iluminação por toda a cidade, esquecemos que o escuro é parte integrante da manutenção do ciclo da vida. A gente luta para que todas as ruas sejam iluminadas porque temos medo da criminalidade, por exemplo. Mas, nos esquecemos que precisamos do escuro para recarregar nossas energias para o dia seguinte e já acordamos saturados”, provocou.
“A gente coloca o setor privado para pôr a mão na massa”
Sob um prisma um pouco mais econômico, Augusto Corrêa, secretário executivo do Parceiros Pela Amazônia (PPA), lembrou que essa discussão é sobre um território que está sob risco, porque precisamos garantir a floresta em pé e melhorar o Índice de Desenvolvimento Urbano, entre outros desafios. Ele explicou que a PPA é uma plataforma de ação coletiva liderada pelo setor privado que busca fomentar soluções de desenvolvimento sustentável para a Amazônia, mobilizando os atores locais e catalisando iniciativas que atuam nesse ecossistema de impacto. “Tudo isso só é possível porque temos parceria com grandes empresas que atuam na Amazônia. A gente coloca o setor privado para pôr a mão na massa e se aproximar dessas iniciativas não só com recursos, mas também com a colaboração ativa de seus colaboradores”, explica.
“Os problemas ambientais e sociais jamais podem ser dissociados”
Com ampla experiência no mercado financeiro, Luciano Gurgel, diretor executivo da Artemisia, destacou como a falta de financiamento e capital de giro pode perpetuar ciclos de pobreza que se prolongam por gerações. “Economistas são muito pouco afeitos ao trabalho de campo. Eles vão à bolsa de valores e acham que estão fazendo trabalho de campo”, comentou, citando um trabalho do professor Muhammad Yunus, autor do livro “O Banqueiro dos Pobres” e criador do movimento mundial de microcrédito. “Ele faz essa descoberta, que uma das causas da pobreza é a falta de acesso ao crédito que dá às pessoas da base da pirâmide exercitarem seu papel empreendedor, uma forma de protagonismo sobre suas próprias vidas”.
Conversando com diversas organizações e arranjos produtivos, a Artemisia hoje incentiva o empreendedorismo de base comunitária, apontado por Luciano como uma das soluções para as cidades amazônicas. “Os problemas ambientais e sociais jamais podem ser dissociados”, comentou. “A grande barreira de contenção ao desmatamento é o favorecimento de condições econômicas”, completou. Para o especialista, proteger economicamente as populações que vivem na região é fundamental porque elas são as verdadeiras garantidoras da permanência da floresta em pé, que vale muito mais e influencia na forma de se viver também nas cidades.
Nós Fazemos a Cidade
O encontro foi o último do ciclo “Nós Fazemos a Cidade”, uma série de encontros online sobre as cidades amazônicas e a adaptação delas às mudanças climáticas. Nesta terça (18/1), o primeiro evento tratou do planejamento urbano e adaptação de cidades amazônicas às mudanças climáticas. Nesta quinta (20/1), o último webinário vai falar sobre desenvolvimento sustentável e adaptação de cidades amazônicas às mudanças climáticas, às 16h (Brasília), com transmissão pelo Youtube do GT Infra.
Como parte do mesmo projeto, o GT Infraestrutura, em parceria com o Fundo Casa Socioambiental e a Fundação Vitória Amazônica, também acaba de lançar o guia “Nós Fazemos a Cidade”, uma cartilha que destaca o papel das organizações da sociedade civil de nível local e apresenta um roteiro para planejamento, gestão e governança de políticas públicas para adaptação das cidades às mudanças climáticas. Junto com a cartilha, também foram lançados três vídeos de sensibilização e um estudo técnico que vai servir de base para nossos trabalhos com essa temática daqui para frente.
Imagem: reprodução/ Youtube