Devemos ouvir a ciência, que não nos oferece só previsões catastróficas, mas também as soluções para os problemas que causamos
Por Sérgio Guimarães*
Definir e ensinar a respeitar limites, nos dizem a psicologia e a pedagogia, é uma das atitudes mais importantes para criar uma criança segura e feliz. Fundamental para propiciar o crescimento emocional e o amadurecimento de todo ser humano. Por outro lado, um adulto que não aprendeu a respeitar limites, carrega e cria dificuldades para si e para os outros durante toda a sua vida. Quando isso se torna uma característica de uma sociedade, os problemas se multiplicam.
Cientistas de todo o mundo alertam há décadas que precisamos mudar a forma como nos relacionamos com o planeta. Nos últimos anos, muito tem se falado sobre os tipping points, ou pontos de não retorno, limites que não podem ser ultrapassados sob pena de graves consequências. É sobre isso o mais novo documentário de David Attenborough, “Breaking Boundaries” ou, em bom português: “Quebrando os Limites”. O filme explora os nove limiares planetários apontados pelo trabalho do professor sueco Johan Rockstrom, que explica em detalhes por que a vida na Terra está seriamente ameaçada se não mudarmos a forma como nos relacionamos com os recursos naturais. É para ontem!
A Amazônia, maior floresta tropical do globo, claro, tem destaque no filme, como não poderia deixar de ter. Esse é um bioma fundamental para o equilíbrio climático regional e global e, com o aumento do desmatamento, grilagem e queimadas, está seriamente ameaçado. Todo mundo sabe disso. E, mesmo assim, cada nova pesquisa na região nos mostra números cada vez mais alarmantes. Todos os estudiosos entrevistados no documentário deixam bem claro que não podemos mais esperar. Lideranças de vários países já entenderam isso, mas, por aqui, a mensagem parece ainda não estar clara para algumas pessoas. Deveria.
Um dos pontos fortes do filme é não ficar apenas nas previsões catastróficas, mas também apresentar soluções de mudanças de hábitos que podemos adotar agora para garantir a nossa própria sobrevivência. Johan Rockstrom chega a dizer que, mesmo que você seja uma pessoa que não está preocupada com o coletivo e só pensa no seu próprio bem estar e da sua família, deveria estar preocupado com o clima. Afinal, todo mundo se beneficia em viver em um planeta com ar mais puro, economias mais estáveis e menos chance de catástrofes ambientais. Ele tem razão.
Adotar uma dieta com menos ou sem carne vermelha, e mais plantas como base, não só é mais saudável, como menos agressivo para o planeta. Diminuir a quantidade de lixo que geramos, também. E essas são escolhas que todos nós podemos fazer hoje, sem esperar a ação dos governantes ou outras autoridades.
Mas nós também precisamos cobrar e agir pela redução urgente de emissões de gases poluentes, adotando fontes de energia limpas e renováveis, por exemplo.
A crise hídrica que o Brasil enfrenta neste momento é só mais uma maneira de o planeta nos mostrar de forma contundente que precisamos parar e repensar. Outra sugestão dos especialistas do filme é, não só preservar os nossos biomas, como também recuperá-los, plantando árvores. Que o diga o Rio Iguaçu e tantos outros, que sofreram grandes desmatamentos em suas bacias, praticamente secos no momento. Juntas, essas ações podem transformar nosso futuro no planeta. E ainda melhoram a nossa vida agora.
O que fizermos nesta década será determinante para as condições do planeta nos próximos séculos, ou seja, para a vida humana por aqui. Além das sugestões do filme, precisamos de uma ação articulada entre setores da sociedade e países. A pandemia nos mostrou claramente que o que acontece em um lugar pode rapidamente afetar todos os outros. Por isso, é tão importante começar fazendo a nossa lição de casa, mas depois também ajudar nosso vizinho que não completou a dele.
Um caminho para isso é olhar para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, os ODS. Eles listam metas concretas para desafios como erradicação da pobreza, educação de qualidade, igualdade de gênero, água potável, etc. e sintetizam um conjunto de ambições dos países das Nações Unidas para essa década. Justamente o período decisivo para não ultrapassarmos os limites do planeta.
As ODS são metas para 2030, com foco na economia, na sociedade e no planeta. São 17 pontos que devem ser encarados não como coisas separadas que se complementam, mas como indissociáveis. Essa é a proposta do trabalho de Johan Rockstrom e Pavan Sukhdev, que coloca os ODS como um “bolo de noiva”, deixando claro que eles são integrados e também que não há tempo para construirmos um por vez.
Esse modelo deixa claro que um não anda sem o outro e que a natureza é a base para a sustentação para todos. Simplesmente porque não existe planeta B. Falamos nesses objetivos desde 2015 e, embora eles venham servindo de base para muitas ações estratégicas, ainda não são protagonistas de todos os planos e políticas públicas, como precisam ser. Se forem usados para orientar nossas estratégias em todos os aspectos, desde planos de negócios, projetos de infraestrutura e políticas de desenvolvimento, certamente nos levarão a uma economia mais próspera, com uma sociedade mais justa em um planeta mais saudável, com seus limites respeitados.
*Sérgio Guimarães é secretário executivo do GT Infraestrutura, uma rede com mais de 40 organizações engajadas em promover as mudanças que o país precisa para ter uma economia mais sustentável e resiliente.
Este artigo foi originalmente publicado na coluna do O Mundo Que Queremos, no Um Só Planeta.