Teles Pires: Indígenas impactados por hidrelétricas estão sem água potável durante a pandemia da Covid-19

O Teles Pires é o rio mais impactado por grandes hidrelétricas na Amazônia. O agravamento dos impactos causados pelas quatro usinas que operam simultaneamente no rio são sentidos de forma mais intensa pelas comunidades indígenas que vivem às margens do Teles Pires, que é um dos formadores da Bacia do Tapajós e está localizado entre os estados de Mato Grosso e Pará.

A Associação Indígena Munduruku DACE, encaminhou no dia (15) de dezembro, uma nova denúncia ao Ministério Público Federal (MPF) sobre a falta de água potável na principal aldeia do povo munduruku da região do rio Teles Pires, localizada entre os estados de Mato Grosso e Pará. A comunidade é responsável pela atenção em saúde dos indígenas da região, que vivem em outras 9 aldeias menores ao longo do rio e é o local dos principais encontros políticos e culturais do povo, que segue sem casos registrados de contaminação pela Covid-19.

A nova denúncia foi encaminhada ao procurador Ricardo Pael do MPF/MT uma semana depois da audiência judicial que tratou sobre os impactos na água do rio Teles Pires causados por uma das hidrelétricas que operam na região, a usina de Teles Pires (UHE).

“Nossas lideranças e testemunhas retornaram da audiência sobre os impactos da Companhia Hidrelétrica Teles Pires no abastecimento de água das nossas aldeias e dos parentes Kayabi e Apiaká do rio Teles Pires em 02/12/2020 e encontramos situação muito mais grave de falta de água nas aldeias Munduruku do Teles Pires por falta de combustível pra ligar o motor.”, relata trecho da carta.

O Teles Pires é o rio mais impactado por grandes hidrelétricas na Amazônia. O agravamento dos impactos causados pelas quatro usinas que operam simultaneamente no rio são sentidos de forma mais intensa pelas comunidades indígenas que vivem às margens do Teles Pires, que é um dos formadores da Bacia do Tapajós.

Há mais de 10 anos as comunidades denunciam as mudanças negativas no rio, que afetam a segurança alimentar e a cultura dos povos indígenas. Pela primeira vez, nesse período, a Justiça Federal ouviu as comunidades indígenas impactadas pelos empreendimentos. Além da hidrelétrica de Teles Pires, outras três grandes usinas operam ao longo do rio. A UHE Sinop, UHE São Manoel e UHE Colíder passaram a operar simultaneamente com a UHE Teles Pires, desde 2019, ampliando ainda mais os impactos na região.

“10 anos passaram, a água do rio está poluída e quase todas as nossas comunidades estão obrigadas a continuar bebendo a água contaminada do rio Teles Pires pra não morrer de sede, no meio dessa pandemia de COVID 19, e estamos sem água pra tudo.”, denuncia os indígenas em um dos trechos da carta.

Além do MPF/MT a denúncia foi encaminhada para a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), para a Fundação Nacional do Índio (Funai), para a coordenação do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) do Tapajós e para os empreendimentos que operam na região.

“Antes das usinas chegarem aqui, a gente bebia a água do rio mesmo, ninguém adoecia, a água era limpa, sem cheiro e sem esse gosto ruim que está hoje e os animais viviam bem e tranquilos dentro do rio. Depois que as barragens chegaram, não param de aparecer problema na água e destruição de tudo que vive na nossa terra, trazendo muito sofrimento e injustiça pra nós. Tudo que essas usinas e esses órgãos fazem nunca consultam nós, desrespeitando nossos direitos, nossos líderes, a vida da nossa comunidade e de tudo que está vivo aqui junto com a gente.”, relata trecho da denúncia.

Confira a íntegra do documento:
Carta nº /2020 Aldeia Teles Pires, 14 de dezembro de 2020

Ao Sr. Dr. Procurador Ricardo Pael
Procurador da República no Mato Grosso – PRMT
Ofício de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais/MPF

Ao Sr. Robson Santos Silva
Secretário Especial de Saúde Indígena – SESAI/Brasília

À Sra. Cleidiane dos Santos
Coordenadora do DSEI – Tapajós

À Sra. Vivian Gladys de Oliveira Souza
Fundação Nacional do Índio – FUNAI

Ao Sr. Luiz Otávio Assis Henriques

Ao Sr Arthur Teixeira Loiola
Companhia Hidrelétrica Teles Pires

THIAGO JOSE MILLANI

Assunto: Situação do abastecimento de água nas aldeias do rio Teles Pires – Dezembro 2020

Prezadas Empresas e Autoridades,

A Associação Indígena Dace do povo Munduruku do baixo rio Teles Pires informa as empresas e autoridades responsáveis que nossas lideranças e testemunhas retornaram da audiência sobre os impactos da Companhia Hidrelétrica Teles Pires para o abastecimento de água das nossas aldeias e dos parentes Kayabi e Apiaká do rio Teles Pires em 02/12/2020 e encontramos situação de falta de água nas aldeias Munduruku do Teles Pires muito mais grave por falta de combustível para ligar o motor, por falta de manutenção do sistema de abastecimento e pela falta de sistema de abastecimento na maioria das aldeias.

As usinas Teles Pires, São Manoel, Colíder e Sinop estão funcionando juntas no nosso rio Teles Pires desde o ano passado. Nenhuma dessas empresas e das autoridades que autorizaram as usinas serem instaladas no nosso rio fez Consulta Prévia do nosso Povo, nem dos nossos parentes Kayabi e Apiaká sobre as medidas e decisão que tomaram sobre esses empreendimentos e agora os impactos estão destruindo nossas águas.
A CHTP fez a usina e três programas sobre água no Plano Básico Ambiental do Componente Indígena Munduruku -PBA-CI. Não fomos consultados sobre esse Plano e esses Programas que desrespeitam nossos costumes, crenças, tradições e nunca compensaram nenhum impacto aqui. O PBA-CI da CHTP chegou pronto na aldeia, ninguém explicou o que estava escrito e fomos ameaçados pelos funcionários e pela FUNAI de perder nossos direitos se a comunidade recusasse o empreendimento e o PBA-CI. Agora a CHTP tá funcionando no nosso rio, produzindo energia elétrica e continua causando muito impacto na nossa água e em nossa vida.

A hidrelétrica EESM também fez usina, repetiu o mesmo PBA-CI Munduruku da CHTP. Fez o Acordo de Cooperação Técnico-Financeiro nº 3/2018/GM/MS com o Ministério da Saúde e a SESAI, mas nem a hidrelétrica São Manoel, nem a SESAI consultaram nossa comunidade sobre essas medidas. Já pedimos para a Usina São Manoel mandar pra Associação Dace a cópia desse acordo, mas eles não enviam, nem respondem, desrespeitando nosso Povo. Nesse acordo e nos anexos a empresa São Manoel assinou a responsabilidade de realizar durante 10 anos a manutenção dos sistemas de abastecimento que a SESAI instalou nas aldeias e a SESAI está responsável de mandar combustível para as aldeias onde tem sistema de abastecimento de motor que depende de combustível para produzir energia elétrica e poder puxar água para comunidade beber. É o que encontramos acontecendo agora, em dezembro de 2020, na aldeia Teles Pires e nas demais aldeias Munduruku do baixo Teles Pires.

O governo do Mato Grosso autorizou a COPEL fazer hidrelétrica de Colíder e a EDF de fazer a hidrelétrica de Sinop. Essas duas usinas nunca nos consultaram, nem fizeram PBA-CI pra compensar nosso povo, mas estão usando junto com a CHTP e a EESM as águas do nosso rio pra produzir energia elétrica e ganhar muito dinheiro. Enquanto isso, nossa população está completamente no escuro e sem água porque sem combustível não temos energia elétrica para ligar o motor e a CHTP e a EESM sabem disso. Antes das usinas chegarem aqui, a gente bebia a água do rio mesmo, ninguém adoecia, a água era limpa, sem cheiro e sem esse gosto ruim que está hoje e os animais viviam bem e tranquilos dentro do rio. Depois que as barragens chegaram, não param de aparecer problema na água e destruição de tudo que vive na nossa terra, trazendo muito sofrimento e injustiça pra nós. Tudo que essas usinas e esses órgãos fazem nunca consultam nós, desrespeitando nossos direitos, nossos lideres, a vida da nossa comunidade e de tudo que está vivo aqui junto com a gente.

Nos últimos 10 anos, depois grandes mudanças aconteceram nas águas, na cor, no gosto, no cheiro; aumentou muito a malária, aparecem doenças da barriga e da pele, quando a gente bebe e toma banho e outras doenças que nunca tivemos antes dessas barragens chegarem. Mudanças graves também aconteceram e acontecem pra nós, pros animais, pras matas porque agora, quando rio enche e seca, não é mais natural, é tudo controlado pelas hidrelétricas. Elas tiraram nosso direito e liberdade de navegar no rio, sair pra pescar, caçar, causaram e continuam causando muita doença, morte e desaparecimento dos peixes, tartarugas e tracajás e todo dia outros problemas e sofrimentos estão aparecendo aqui. 10 anos passaram, a água do rio está poluída e quase todas as nossas comunidades estão obrigadas a continuar bebendo a água contaminada do rio Teles Pires pra não morrer de sede, no meio dessa pandemia de COVID 19, e estamos sem água pra tudo. Tudo porque essas usinas fizeram PBA-CI pra compensar os impactos sem nos consultar e esses programas não serviram pra nada. Trouxeram destruição e problema e agora a gente tem que resolver. A Empresa de Energia São Manoel, a SESAI e o Ministério da Saúde instalaram poços de péssima qualidade, com motores usados e equipamentos velhos, nos humilham, negam e ameaçam fim do PBA quando precisamos pedir combustível. Demoram muito pra responder nossas mensagens e quando respondem, nunca resolvem essa situação, que é responsabilidade deles.

Quando informamos desse problema para Usina São Manoel os funcionários mandam a gente falar com a SESAI. Quando falamos com a SESAI, os funcionários falam pra gente falar com a Usina São Manoel. Por isso, exigimos que a Usina de São Manoel junto com o Ministério da Saúde e a SESAI nos enviem combustível para podermos ter água limpa pra beber nas aldeias com urgência até que a EESM junto com a SESAI instalem sistema de abastecimento novo com energia solar em nossas aldeias e realizem manutenção nos sistemas de abastecimento de todas as aldeias. Esse combustível precisa chegar nas aldeias o mais rápido possível porque não podemos esperar passar o natal, férias, carnaval e outros feriados da empresa e dos orgãos pra essa situação ser resolvida. NOSSAS COMUNIDADES E PARENTES NÃO TEM CULPA DO IMPACTO DESSAS USINAS E NÃO PODEM MAIS ESPERAR, MUITO MENOS PAGAR POR ISSO E FICAR SEM ÁGUA, ESTAMOS EM UMA PANDEMIA!
Pedimos que o MPF manifeste sua Recomendação para os empreendimentos, principalmente para São Manoel e para os órgãos do Ministério da Saúde resolverem nosso abastecimento de água e de energia elétrica de uma vez por todas. Porque essas usinas destruíram o rio Teles Pires que matava nossa sede. Elas tem que pagar por isso. Nós não pedimos, nem concordamos com elas se instalarem no nosso rio.

Pedimos que a FUNAI, o DSEI –Tapajós se manifestem sobre isso, e exigimos que a SESAI e a Usina Hidrelétrica São Manoel enviem para a Associação DACE com cópia para nossa advogada e o MPF a cópia do ACORDO DE COOPERAÇÃO TÉCNICO-FINANCEIRO Nº 3/2018/GM/MS junto com todos os seus anexos – ANEXO I – Plano de Trabalho (ID 3368908); ANEXO II- Matriz de Indicadores para o Programa de Monitoramento dos Indicadores de Saúde Indígena do Componente Indígena do PBA da UHE São Manoel (ID 3368920); ANEXO III – Projetos técnicos e executivos das SAA aprovados pela SESAI, encaminhados através do ofício nº 36/2018 (ID 2096227);ANEXO IV – Projetos técnicos e executivos das Unidade Básica de Saúde Indígena apresentados (ID 2096227); ANEXO V – Lista de equipamentos e mobiliários das Unidades Básicas de Saúde Indígena (ID 0409550 e 0409677).

Aguardamos resposta da empresa e de cada autoridade endereçada nessa carta com máxima urgência.

Atenciosamente,

Laureci Muo Munduruku
Coordenador da Associação Indígena Dace do Povo Munduruku

> Este texto foi originalmente publicado no site do Proteja Amazônia.

Compartilhe:

Facebook
Twitter
Pinterest
LinkedIn