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CARTA DE ALTER: propostas de infraestrutura para a Amazônia

“Somos contra projetos que nos matam, matam nossos rios e nossa floresta. Esses grandes projetos não são infraestrutura para nós, precisamos de pequenos projetos, que nos fortaleçam (…) A principal infraestrutura da Amazônia é a floresta em pé.”  Maura Arapiun, secretária do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns As organizações vinculadas ao GT Infraestrutura e redes aliadas reuniram-se em Alter do Chão, PA, de 4 a 6 de julho de 2022, com participação significativa de organizações e movimentos sociais da região, ouvindo relatos, buscando respostas e propondo estratégias e ações concretas frente a velhos e novos desafios da região. Como resultado, preparamos este documento dirigido à sociedade brasileira com vistas a contribuir com os debates do processo eleitoral, bem como com a construção e a implementação de políticas públicas a partir de 2023.    Nas últimas décadas, entre os principais vetores de desmatamento e conflitos socioambientais na Amazônia brasileira, estão obras de infraestrutura planejadas para sustentar o modelo de exploração predatória da região, tais como hidroelétricas, portos e estações de transbordo de grãos, hidrovias, ferrovias e rodovias. A situação se agravou no governo Bolsonaro, que promoveu uma série de retrocessos nos direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais, a partir do incentivo à grilagem de terras públicas e áreas protegidas, que se somam ao sucateamento das autarquias públicas que atuam no território amazônico. Mortes brutais, como as do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips estão longe de ser um caso isolado, e fazem parte de uma política de silenciamento de lideranças sociais submetidas a violações profundas dos mais básicos direitos humanos. O Brasil pode ajudar o planeta a mitigar os efeitos da crise climática. No quesito infraestrutura, para tanto precisamos de infraestrutura PARA a Amazônia e não apenas NA Amazônia. Devemos considerar fundamentalmente o respeito e a promoção de arranjos socioprodutivos capazes de conviver com a floresta e garantir o acesso a direitos básicos como saúde, educação, energia e saneamento. O GT Infraestrutura tem clareza de que a floresta é a principal infraestrutura da Amazônia. Em seu mais recente trabalho, conduzido por Ricardo Abramovay, propõe quatro dimensões necessárias para repensar o assunto: natureza, cuidado, serviços e organização coletiva. É com essa base que apresentamos propostas de ações concretas para cuidar do ambiente e das pessoas, movimentando uma agenda de desenvolvimento justo, participativo e inclusivo desse manancial de saberes dos quais são guardiões seus povos e comunidades tradicionais. Nossas propostas: Retomar as ações de comando e controle na Amazônia e em outros biomas, como o Cerrado, acabando com essa cultura onde o “ilegal” é “legal”. Reestruturar urgentemente as instituições públicas responsáveis pelo combate à economia da destruição, que consome rios e florestas, viola direitos humanos e aprofunda a desigualdade social.  Garantir a aplicação de políticas de proteção dos defensores da floresta e dos Direitos Humanos, mitigando riscos, para que essas pessoas possam seguir suas lutas junto com os povos indígenas, quilombolas, extrativistas e ribeirinhos. Fortalecer a campanha Vida Por Um Fio: Autoproteção das Comunidades e Lideranças Ameaçadas e também a rede de proteção, nacional e em cada estado. Discutir um modelo novo de logística para a Amazônia, repensando prioridades e institucionalizando o processo decisório, resultando em boas práticas de planejamento, incluindo a avaliação de alternativas, ampla participação da sociedade em todas as etapas e o atendimento às demandas de promoção dos produtos da sociobiodiversidade. Revisar de forma transparente, os projetos de infraestrutura de logística de transportes de cargas atualmente previstos no Programa de Parceria de Investimentos (PPI). Fortalecer políticas públicas de planejamento e licenciamento ambiental de obras de infraestrutura, com o objetivo de permitir melhores escolhas que maximizem benefícios para a sociedade e que evitem a repetição de desastres e as violações de direitos.   Envolver os beneficiários das comunidades no desenvolvimento de modelos energéticos distribuídos para a transição energética justa e inclusiva, garantindo energia limpa e de qualidade para todos e antecipando as metas de universalização do governo federal e dando condições energéticas para o desenvolvimento sustentável local. Adotar políticas efetivas de incentivo para o aumento da mini e micro geração distribuída na região amazônica, como contribuição à matriz elétrica nacional e a uma transição energética verdadeiramente justa e popular. Reivindicar um processo de moratória para novos grandes empreendimentos energéticos na Amazônia enquanto não houver a revisão do Plano Nacional de Energia à luz dos compromissos climáticos do país.  Considerar o desenvolvimento urbano como processo fundamental para a sustentabilidade e bem estar humano na Amazônia, com infraestruturas adequadas ao contexto local. Cidades e assentamentos humanos devem ser protagonistas na implementação de medidas de conservação socioambiental, de promoção da diversidade sociocultural e de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Adotar medidas para proteger os rios, elementos vitais para a manutenção da vida e da diversidade no ambiente amazônico. Apoiar o monitoramento de ações relacionadas ao estresse antropogênico imposto aos rios, bem como aquelas de suporte à manutenção dos recursos hídricos e da integridade dos sistemas fluviais. Respeitar o direito de consulta e consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas e outras populações tradicionais e fortalecer políticas de governança  Estruturar um plano integrado de combate ao garimpo em terras indígenas, a fim de fazer cumprir a vedação constitucional desta atividade nestes territórios. Reconhecer que o garimpo não é um vetor de desenvolvimento da Amazônia e que precisa ser substituído em benefício de outras cadeias produtivas, capazes de conviver com a floresta e os rios, assegurar direitos e reduzir a desigualdade social. Promover e aprimorar o controle social, em todo o ciclo da infraestrutura, incluindo uma maior aproximação das organizações da sociedade civil e representantes de povos com os tribunais de contas.  Garantir a transparência dos processos decisórios e o acesso à informação de forma integral, acessível e em tempo real sobre políticas, planos e projetos específicos, promovendo a integridade e o combate à corrupção nas entidades, órgãos públicos e empresas do setor de infraestrutura. Responsabilizar instituições financeiras e empresas para que tenham a obrigação de assumir compromissos e mecanismos robustos a respeito dos direitos humanos, da proteção ambiental e da construção de uma

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As quatro dimensões para planejar a infraestrutura na Amazônia

“Infraestrutura para o desenvolvimento sustentável da Amazônia”, novo livro de Ricardo Abramovay, da USP, oferece uma abordagem para investimentos bons para as pessoas e para o meio ambiente da região. Será lançado nesta quarta-feira (6/7), em Alter do Chão (PA) O Brasil tem condições de sair na frente na busca por soluções que ajudem o planeta a mitigar os efeitos da crise climática. Apesar disso, está se tornando um pária internacional no quesito proteção da natureza. Em resposta ao paradoxo, o professor Ricardo Abramovay, lança um novo trabalho durante o Encontro do GT Infraestrutura, em Alter do Chão (PA), nesta quarta-feira (6/7). No livro “Infraestrutura para o desenvolvimento sustentável da Amazônia” (Elefante), o pesquisador desenvolve um novo modelo para promover, de fato, o desenvolvimento sustentável na Amazônia, virando referência para o mundo. O novo trabalho responde a uma solicitação elaborada pelo GT Infraestrutura, uma rede com mais de 40 organizações socioambientais, em torno da pergunta: quais as infraestruturas necessárias à melhoria da qualidade de vida das pessoas, na Amazônia, e a suas atividades produtivas vinculadas ao uso sustentável da biodiversidade? Numa visão contemporânea, Ricardo Abramovay apresenta ao leitor quatro dimensões necessárias para repensar o assunto: natureza, cuidado, serviços e organização coletiva. Essa organização nos ajuda a pensar a infraestrutura tirando o foco dos megaprojetos, transferindo o olhar para essas quatro dimensões, que resultam num cuidado maior com as pessoas, tanto no campo quanto nas cidades. Só na parte brasileira da Amazônia, vivem mais de 29,6 milhões de pessoas. Abramovay sugere que, as políticas públicas para a região, precisam, antes de mais nada, focar nelas, numa economia do cuidado. Suas provocações apontam alternativas para enfrentar um dos mais importantes desafios contemporâneos: como melhorar as condições de vida e reduzir as desigualdades, não apenas evitando a destruição, mas fazendo uso e regenerando a riqueza natural da qual a própria vida na Terra depende? “Mas tão importante quanto as iniciativas voltadas a preencher as necessidades em infraestrutura das populações da Amazônia e de suas atividades econômicas (sobretudo as ligadas ao uso sustentável da biodiversidade) é a reflexão sobre o próprio sentido destas infraestruturas e os valores aos quais elas devem obedecer. E na discussão brasileira, latino-americana e global sobre Amazônia é fundamental redefinir o que se entende por infraestrutura do desenvolvimento sustentável”, afirma o autor no sumário executivo do livro. Para Abramovay, a floresta “é a mais importante e promissora infraestrutura para o desenvolvimento sustentável” e precisa ser olhada como tal. O trabalho, que organiza a reflexão em torno de infraestruturas voltadas às pessoas e ao desenvolvimento sustentável, termina com um conjunto de propostas, das quais a primeira é a criação de um Observatório das Infraestruturas voltadas ao uso sustentável da biodiversidade na Amazônia. O novo livro pode ser adquirido no site da editora Elefante e em livrarias do país. Em 2 de agosto, haverá outro lançamento com a presença do autor, em São Paulo. Infraestrutura no centro do debate Os caminhos da infraestrutura brasileira, principalmente os que dizem respeito às regiões brasileiras mais afetadas pelos grandes empreendimentos, como a Amazônia, são o tema central de um evento que reúne, entre os dias 4 e 6 de julho em Alter do Chão (PA), movimentos representativos locais, lideranças indígenas e ribeirinhas, movimentos dos atingidos por barragens, organização da sociedade, academia e jornalistas. A proposta do encontro é a de promover a articulação das organizações e movimentos sociais na defesa do território e a construção de propostas para uma economia sustentável na Amazônia, cuidando da floresta, das suas cadeias de valor e das pessoas que nela vivem. Sobre o autor Ricardo Abramovay é Professor Sênior do Programa de Ciência Ambiental do IEE/USP. Autor de “Amazônia: Por uma Economia do Conhecimento da Natureza”, também da editora Elefante. Foto: Rodrigo Vargas/ ICV

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Em ano eleitoral, pesquisadores apresentam 12 recomendações para o futuro da infraestrutura terrestre na Amazônia

Novo levantamento do Climate Policy Initiative/PUC-Rio aponta propostas de ação para desassociar projetos de desmatamento Infraestrutura em quantidade e de qualidade reduz os custos de produção e provisão de  serviços básicos à população, gerando crescimento econômico e qualidade de vida. No entanto, no Brasil, a infraestrutura de transporte terrestre é um dos indutores do desmatamento na Amazônia — até 2006, aproximadamente 95% ocorreu em uma  distância de 5,5 km das estradas. Visando recuperar a economia, num cenário pós-Covid, o governo federal tem investido em portfólio de empreendimentos de infraestrutura na região. Mas, para que eles contribuam, de fato, para o desenvolvimento do país e da Amazônia, precisamos desassociar desmatamento e infraestrutura terrestre. Um novo estudo do Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio) apresenta propostas concretas para apoiar a tomada de decisão a esse respeito. Lançado nesta segunda-feira (04/07) durante o painel “Infraestrutura para uma economia da sustentabilidade na Amazônia”, que contou com a presença do pesquisador da Universidade de São Paulo, Ricardo Abramovay, no encontro da rede GT Infraestrutura em Alter do Chão (PA), o trabalho faz doze recomendações capazes de ter um impacto positivo relevante na condução do processo decisório, na redução de riscos de execução dos projetos e na qualidade da infraestrutura terrestre, especialmente na Amazônia. Somente no estado do Pará, estão previstos três grandes investimentos federais do gênero – Ferrogrão, BR-155/158 e BR-163/230/MT/PA –, com o  potencial de desmatar 6.989 km² em 30 anos.  Apresentadas sob a forma de uma agenda propositiva para o futuro da infraestrutura terrestre na Amazônia, a agenda é baseada em três pilares: I) o processo de tomada de decisão da Administração Pública visando à antecipação da análise socioambiental; II) a qualidade dos estudos socioambientais; III) e a transparência. Para cada pilar, esta agenda propõe ações concretas e indica os entes governamentais responsáveis por impulsionar aprimoramentos. Entre elas, a de incluir componentes socioambientais em qualquer planejamento, de curto, médio e longo prazo, do setor. Outras recomendações apontadas pelos pesquisadores dizem respeito à necessidade de implementação de base de dados e códigos única e pública sobre projetos de infraestrutura, bem como a construção e manutenção frequente de um Sistema de Informações Geográficas (SIG) com a localização e a condição dos empreendimentos de infraestrutura e das Unidades de Conservação, Terras Indígenas, comunidades quilombolas e tradicionais, assentamentos, áreas privadas e terras públicas não designadas. “Neste ano eleitoral, são necessários debates qualificados para se pensar em uma estratégia de desenvolvimento para o país e a infraestrutura é um poderoso instrumento para alcançar os objetivos nacionais. Em nosso estudo, apesar de se aplicarem para projetos de infraestrutura terrestre implementados em todo o país, as recomendações são particularmente relevantes para o desenvolvimento da infraestrutura terrestre na Amazônia porque os impactos socioambientais dos projetos ali localizados são tipicamente maiores do que no resto do país”, explica Joana Chiavari, diretora associada de Direito e Governança do CPI/PUC-Rio e coordenadora do estudo. Para acessar o estudo completo, clique aqui. Sobre o CPI O CPI possui parceria com a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) por meio do Núcleo de Avaliação de Políticas Climáticas (NAPC). Atua dando apoio à formulação de políticas públicas no Brasil através de rigorosa análise e pesquisa baseada em evidência, parcerias estratégicas com membros do governo e da sociedade civil, por meio de uma abordagem construtiva e colaboração direta com tomadores de decisão. Contando com um longo histórico acerca de políticas de conservação e uso da terra, o CPI Brasil conduziu significativas pesquisas e avaliações de políticas de desmatamento e conservação da terra na Amazônia, tornando-se referência acadêmica na área. O CPI utiliza seu conhecimento institucional junto com seu entendimento sobre políticas de conservação e rigorosa análise econômica e legal. Foto: Rodrigo Vargas – ICV    

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Indígenas denunciam que foram excluídos de estudos sobre a usina Tabajara

Os povos Arara, Gavião e Jiahui, junto com grupos de indígenas em isolamento voluntário, foram ignorados no Estudo de Componente Indígena (ECI) da Usina Hidrelétrica Tabajara, que deve alagar uma área de pelo menos 100 quilômetros quadrados em Rondônia, na divisa com o Amazonas, e barrar o rio Ji-Paraná. Ainda assim, o Ibama autorizou a realização de duas audiências públicas no início de abril deste ano, na cidade de Machadinho do Oeste, em Rondônia. A reportagem é de Alicia Lobato, publicada por Amazônia Real, 02-06-2022. O ECI é um dos estudos obrigatórios que integram as etapas do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) do licenciamento de todo empreendimento que causa impactos em terras indígenas. Ele garante que os povos indígenas sejam ouvidos e consultados sobre a obra. O líder indígena Josias Cebirop Gavião, da Aldeia Ikolen, localizada na Terra Indígena Igarapé Lourdes, em Rondônia, afirmou à Amazônia Real que desde o início do projeto a comunidade foi contra o empreendimento. O povo Gavião tem seu território demarcado e conta com cerca de 800 pessoas. Segundo ele, apesar do território não estar na área de influência direta da usina, determinada como “área de impacto”, o povo Arara considera necessário ser ouvido e consultado, ou seja, incluído no Estudo de Componente Indígena. Conforme Josias, o território está distante de 200 a 300 km do ponto da obra e será afetado indiretamente, com impactos em cursos d´água e fontes de alimento. “Uma parte da terra indígena nós sabemos que vai afetar. Acreditamos que, de uma certa forma, pode afetar os igarapés e os rios que passam pela terra indígena, assim como a caça”, diz. O Estudo de Componente Indígena do empreendimento abrangeu apenas a Terra Indígena Tenharim/Marmelos, localizada no município de Humaitá, no sul do Amazonas. Ainda assim, segundo o líder Angelisson Tenharim, os indígenas deste povo estão descontentes com o resultado. Segundo ele, o principal ponto é a maneira duvidosa como o estudo foi feito. Ele solicita a mudança da empresa JPG Consultoria e Participações Ltda, que elaborou o documento. De acordo com Angelissom Tenharim, o ECI está incompleto e precisa ser refeito. Representantes dos Tenharim não participaram das audiências públicas realizadas no início de abril. Angelisson afirma que o assunto está “suspenso”. “Nós não íamos nos fazer presentes na audiência porque temos a organização própria do nosso povo e, quando chegar o momento certo, a partir do momento que a Eletronorte contratar uma outra empresa para fazer o estudo do componente indígena, vamos recebê-los na nossa aldeia para discutirmos sobre o assunto. Fora isso, o assunto da Tabajara com o povo Tenharim está suspenso”. As audiências públicas foram realizadas para apresentação e discussão do Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) da usina. Elas são fundamentais no processo de licenciamento ambiental e têm o objetivo de apresentar os resultados dos estudos ambientais, elucidar dúvidas e ouvir críticas e sugestões das pessoas presentes. Elton Jiahui, coordenador da Associação do Povo Indígena Jiahui da TI Jiahui, conta que em nenhum momento seu povo foi consultado sobre a obra, apesar de estarem localizados próximos da TI Tenharim/Marmelos. Ele afirma também que recentemente os Jiahui foram a Brasília buscar apoio em uma ação contra o projeto da usina. O povo Jiahui tem seu território localizado no sul do Amazonas, no município de Humaitá, com uma população reduzida de 90 pessoas, distribuídas em 23 famílias. “Nós não fomos consultados até agora se vamos ser atingidos ou não, mas moramos aqui, sabemos que vamos ser atingidos. Estávamos em Brasília falando sobre a usina, mas aqui mesmo na aldeia nós não fomos procurados”. Elton Jiahui enfatiza que, apesar da comunidade ter certeza dos impactos que irá sofrer com a obra, no estudo é afirmado que eles não serão afetados. Em relação a povos indígenas isolados, no ECI emitido em junho de 2020 há um trecho relatando que os Tenharim foram explícitos sobre os parentes sem contato. O documento afirma que em vários momentos os Tenharim comentaram sobre vestígios e encontros com grupos indígenas em situação de isolamento. Em outro trecho, é compartilhado que os Tenharim explicaram que os indígenas isolados são pessoas da própria comunidade que migraram para áreas distantes das aldeias, ocupando outros espaços da floresta. Apesar disso, a conclusão do estudo diz o seguinte: “Sugere que ainda não havia, até o momento de realização deste ECI, a mobilização institucional que comprovasse a existência dos grupos isolados. Nem a FUNAI, nem as ONGs, nem as próprias instituições da chefia Tenharim foram capazes de confirmar a presença ou não destes grupos”. No segundo volume do ECI da Terra Indígena Tenharim/Marmelos também consta que os indígenas deste povo são contrários ao empreendimento e apenas aceitaram receber a equipe técnica da obra. “É importante ressaltar que os Tenharim não estão de acordo com a construção do empreendimento, posição esta que é defendida, ainda que tenham aceitado receber a equipe técnica para a realização deste ECI e discutir os impactos e as medidas de mitigação e/ou compensação cabíveis”, diz o documento. O posicionamento é baseado no conhecimento dos indígenas de experiências vividas por outros grupos, como no caso da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, que provocou interferências importantes nos traços culturais, modo de vida e uso das terras pelos povos indígenas impactados pelo empreendimento. Os Tenharim têm certeza que a construção e operação da usina Tabajara causarão impactos negativos no seu modo de vida. Além disso, segundo o Comin (Conselho de Missão entre Povos Indígenas), estudos iniciais sobre os impactos ambientais do empreendimento apontaram que ao menos dez terras indígenas seriam impactadas. No entanto, as portarias ministeriais 419/211 e 60/2015 restringiram os impactos em terras indígenas até 40 km do reservatório hidrelétrico, o que fez a Funai limitar a área a ser estudada à TI Tenharim/Marmelos. Para o Comin, isso foi feito sem levar em conta critérios técnicos. Audiências em abril Realizadas no mês de abril, as duas audiências públicas na cidade de Machadinho do Oeste, em Rondônia, foram duramente criticadas por organizações de povos ribeirinhos e indígenas. No dia 5 do mesmo mês, uma rede de movimentos sociais e aliados divulgou nota pedindo a anulação das audiências. Na nota, as organizações reuniram uma série de denúncias divulgadas em anos anteriores, como a carta do Encontro de Guerreiras e Guerreiros em Defesa dos Povos e do Rio Ji-Paraná (Machado), de 2018, na qual os indígenas citam territórios que serão impactados pelo empreendimento e que não foram levados em conta nos estudos. “Denunciamos que a Funai apresentou no Termo de Referência da UHE-Tabajara só a TI Tenharim/Marmelos como a

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Direitos humanos e defensoras do meio ambiente são tema de nova publicação do Fundo Casa

O Fundo Casa Socioambiental, em parceria com a Embaixada da França no Brasil, lança a publicação “Direitos humanos e defesa do ambiente: relações de gênero, cumprimento do Acordo de Escazú e oportunidades para filantropia”. O lançamento será no dia 19 de maio às 15h pelo Zoom. A obra é o resultado dos debates que surgiram no Encontro de Defensoras de Meio Ambiente como Líderes nas Ações pelo Clima, realizado em 2021, organizado pela Embaixada da França no Brasil e pelo Fundo Casa, com a colaboração do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), ONU Mulheres, Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), WWF-Brasil, Front Line Defenders. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) também assina esta publicação. Os encontros tiveram como objetivo proporcionar um espaço de acolhimento, com foco especial em mulheres defensoras do meio ambiente, um espaço para o diálogo, a troca de experiência e o fortalecimento das redes já existentes. O evento também trouxe à tona os grandes desafios dessas pessoas, alguns deles em destaque no livro, como no capítulo “Racismo Ambiental e Mulheres Defensoras”, escrito pela autora Elionice Conceição Sacramento. Mulher preta, Elionice é pescadora de profissão, tradição e por decisão política, como gosta de afirmar. Militante da Articulação Nacional das Mulheres Pescadoras e do Movimento de Pescadoras e Pescadores, compõe a coordenação da Associação de Pescadoras/es Artesanais e Quilombolas de Conceição de Salinas. Mestra no Saber Tradicional e em Sustentabilidade junto Povos e Terras Tradicionais pela UnB e doutoranda em Antropologia. Sacramento é autora do Livro ‘Da Diáspora Negra ao Território de Terra e Águas – Ancestralidade e Protagonismo de Mulheres na Comunidade Pesqueira e Quilombola Conceição de Salinas – BA’ e co-autora de outras como ‘Salinas, o mar, a lama e a vida’. Vanessa Purper, Gestora de Programas do Fundo Casa, fala sobre a importância das Rodas de Conversas promovidas junto às mulheres defensoras. “É sempre muito importante ouvir as pessoas, especialmente as mulheres que são a linha de frente de atuação onde as maiores injustiças socioambientais acontecem. Escutar sobre a vivências, as particularidades e detalhes de cada região e de cada desafio que essas mulheres enfrentam é o que nos alimenta de detalhes, dados, informações e registros direto da fonte de quem está vivendo esses desafios e esses perigos, e isso é imprescindível para o nosso trabalho enquanto Fundo para fazer captação de recursos que sejam melhor investidos e melhor canalizadas para esses territórios e para essas comunidades”. A publicação, é escrita a várias mãos, fornece dados, detalhes, experiências e conteúdos que poderão ser levados para espaços estratégicos, visando também facilitar dados importantes aos financiadores para que se sensibilizem e ampliem seus apoios a projetos liderados por mulheres defensoras do meio ambiente. De 2019 a março de 2022, o Programa de Defensores e Defensoras de Meio Ambiente e Justiça Climática do Fundo Casa realizou 214 apoios a lideranças e coletividades em situação de ameaça e violação de direitos, totalizando R$2.838.215,32 doados diretamente para esses defensores e defensoras. Além disso, para Vanessa “a obra também tem um significado para as próprias defensoras, porque é importante que elas se percebam escutadas, documentadas com respeito e com fidelidade ao que elas estão vivendo.” A produção conta ainda com a colaboração de Rubens Harry Born, doutor em saúde pública e ambiental e membro do conselho deliberativo do Fundo Casa, e Rodrigo Montaldi Morales, gestor de programas do Fundo Casa e responsável pelo Programa de Apoio a Defensores e Defensoras. O evento de lançamento da publicação será aberto a todo o público e contará com interpretação simultânea em espanhol. As inscrições estão abertas no link. Fonte: Fundo Casa Socioambiental

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Como construir uma economia capaz de conviver com a floresta

Precisamos conter a economia da destruição e iniciar a devida transição ecológica Danicley de Aguiar* Basta uma passada rápida pelo noticiário para que qualquer um perceba que a Amazônia passa por um momento difícil e está gravemente ameaçada. Mas, mais que falar de todos os problemas, precisamos começar a apontar caminhos de para onde a gente quer ir. Como vamos construir uma economia capaz de conviver com a floresta? A resposta é complexa mas, ao mesmo tempo, simples: substituir esse modelo de desenvolvimento econômico que temos na Amazônia hoje. Um modelo que impõe à Amazônia a condição de província, mineral, energética ou agropecuária. É urgente rompermos com a lógica que há mais de quatro séculos condiciona o desenvolvimento regional a uma matriz extrativista que aprisiona a Amazônia aos interesses externos e condena sua população a conviver com os piores índices sociais do país, subjugando gerações a uma eterna espera pelo desenvolvimento. Entre os muitos desafios postos, um deles tem ganhado notória atenção da mídia recentemente e está intimamente ligado a todos os demais: a mineração. Em franco processo de expansão na Amazônia, a matriz mineral precisa ser superada e substituída por outros vetores econômicos capazes de promover o desenvolvimento de uma matriz econômica fundada no convívio com a floresta, no respeito aos direitos e na superação da pobreza. Não será com o aprofundamento da mineração que libertaremos a Amazônia da lógica que aprisiona ao eterno subdesenvolvimento que alimenta a destruição das florestas e dos muitos modos de vida que sustentam a convivência dos povos e comunidades tradicionais com seus territórios. Na bacia do Tapajós, já é perceptível que está em curso um processo de territorialização de uma matriz mineral que tende a substituir os garimpos por grandes empreendimentos de mineração, em grande medida financiado com capital internacional que transferem as riquezas minerais para fora da região sem entregar o tão esperado desenvolvimento da região. Para além da transferência da riqueza regional, esse processo ignora os milhares de garimpeiros que em pouco tempo devem se tornar a principal força a pressionar as dezenas de terras indígenas e unidades de conservação que contribuem para a manutenção do equilíbrio ecológico da região e do bioma amazônico. A questão energética na região da Amazônia como um todo é outro desafio que precisa ser devidamente entendido e equacionado sob a luz dos interesses regionais e da conservação do bioma; não havendo mais espaço para um modelo energético baseado na geração centralizada, que menospreza a diversificação e produz um conjunto amplo de impactos sobre os recursos naturais e viola direitos e garantias fundamentais da população local. Romper com a economia da destruição que se baseia no monocultivo de soja e na pecuária extensiva também está entre os desafios que demandam nossa atenção máxima, haja vista que a infraestrutura imposta para viabilizar tal economia, segue aprofundando as desigualdades e reproduzindo o subdesenvolvimento que se alimenta da concentração de renda e terra. Se ainda não carecemos de um debate regional para definir os passos para transição ecológica da atual ordem econômica que nos aprisiona nessa espiral de destruição, já passa da hora de exigirmos que o poder público assuma compromissos concretos com a contenção dessa matriz econômica extrativa, e inicie o caminho que rompa com o aprofundamento dessa matriz e de toda infraestrutura que a sustenta. Por último, é chegada a hora da sociedade brasileira exigir um debate nacional capaz de ressignificar o papel da Amazônia para o desenvolvimento nacional e exigir que o processo de construção de soluções para a Amazônia se dê em profundo diálogo com a sociedade regional e rompa com a lógica histórica de pensar a Amazônia de fora para dentro, sem respeito aos saberes e fazeres de quem aqui aprendeu a conviver com a floresta. Do contrário, seguiremos reproduzindo a lógica que nos aprisiona ao eterno subdesenvolvimento, que segue produzindo infraestrutura na e não para a Amazônia e seus povos. *Danicley de Aguiar é coordenador de campanhas no Greenpeace Brasil e membro do GT Infraestrutura, uma rede de mais de 40 organizações unidas para debater modelos sustentáveis de desenvolvimento. Este artigo foi, originalmente, publicado na coluna do O Mundo Que Queremos, no Um Só Planeta. Foto: deposiphotos

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Movimentos sociais e aliados dizem não à Hidrelétrica De Tabajara, mais um mega-projeto destrutivo na Amazônia

NOTA PÚBLICA Os movimentos sociais e organizações aliadas da sociedade civil que assinam esta Nota, em conjunto com pesquisadores da comunidade científica, vêm expressar a sua preocupação com as graves irregularidades que têm caracterizado o licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica (UHE) Tabajara – proposta pela Eletronorte como grande barragem no rio Machado, afluente do Madeira, na fronteira entre os estados de Rondônia e Amazonas. Considerando as graves violações da legislação ambiental e dos direitos de povos indígenas e de outras populações tradicionais ameaçados, na condução de um empreendimento sem viabilidade econômica, social e ambiental, os signatários desta Nota registram o seu firme posicionamento contrário à realização de Audiências Públicas convocadas pelo IBAMA para os dias 06 e 07 de abril de 2022, considerando os motivos abaixo expressos: a) Em carta divulgada no final do Encontro de Guerreiras e Guerreiros em Defesa dos Povos e do Rio Ji-Paraná (Machado), realizado entre os dias 13 a 15 de setembro de 2018, com a presença de lideranças dos Povos Tenharim do sul do Amazonas, Karo Arara, Karipuna, Oro Waram Xijein de Rondônia – com a participação do Instituto Madeira Vivo – IMV, Conselho Indigenista Missionário – CIMI, Conselho de Missão entre Povos Indígenas – COMIN, e Comissão Pastoral da Terra – CPT/Rondônia – convocados pela Associação do Povo Indígena Tenharim Morogitá – APITEM, Organização dos Povos Indígenas do Alto Madeira – OPIAM e Aliança dos Rios Panamazônicos / Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social, os povos indígenas deixam claro que: “Somos contrários à UHE Tabajara porque ameaça a vida de vários povos indígenas em condições de isolamento e risco e nós temos o compromisso de defender a vida destes povos. Além dos dois povos já mencionados no laudo pericial do MPF, ainda existem outros três grupos em condições de isolamento que perambulam fugindo dos invasores no Maici, próximos da TI Jiahui, próximos da T.I. Igarapé Preto e na Reserva Biológica do Jarú”. Em outro trecho do documento destacam a preocupação com a situação de indígenas isolados: “Nossa preocupação aumenta porque na Bacia do Rio Madeira havia vários grupos em condição de isolamento e risco, de conhecimento da própria FUNAI, e só citados por ela posteriormente ao licenciamento da UHE Santo Antônio e Jirau. Não foi constituída nenhuma ação de proteção aos mesmos e ainda extinguiram a Frente Etnoambiental do Madeira, responsável pela localização e proteção desses povos. Por isso, denunciamos que os vestígios dos isolados na Serra Três Irmãos e Jacareúba desapareceram, o que pode significar o genocídio destes grupos em decorrência do forte processo de migração e desconfiguração da floresta por desmatamento e alagação, o que coloca o governo e empresas construtoras na condição de criminosas”. No tocante ao papel da Funai foram enfáticos: “Denunciamos que a FUNAI apresentou no Termo de Referência da UHE Tabajara só a T.I. Tenharim Marmelos como a única Terra Indígena atingida, ignorando as demais do entorno e principalmente os indígenas em condição de isolamento e risco. Esta omissão permitiu que os estudos feitos pela empresa JGP para viabilizar o projeto da UHE Tabajara, fossem incompatíveis com a realidade. Reafirmamos nosso posicionamento de que o Termo de Referência, de qualquer projeto de infraestrutura, deve ser feito junto a todos os povos afetados para evitar os erros cometidos”. No que diz respeito às demais populações tradicionais e unidades de conservação pontuaram: “Denunciamos o governo brasileiro pela omissão e pela violação de territórios ambientais de vital importância para o bioma Amazônia, com a supressão de partes de Unidades de Conservação como da Rebio Jaru e do PARNA Campos Amazônicos. Assim como a total omissão frente às graves ameaças sofridas na reserva do Rio Preto Jacundá que, sequer aparece como território ameaçado, hoje já violado por madeireiros”. b) Em documento datado em 28 de janeiro deste ano, o Comitê de Defesa da Vida Amazônica na Bacia do Rio Madeira – COMVIDA emitiu Nota Pública onde vem: “manifestar nossa indignação frente a decisão monocrática proferida pelo desembargador federal Jamil Rosa de Jesus Oliveira, que, analisando recurso interposto pela AGU, cassou decisão proferida pela 5ª Vara Federal de Rondônia, nos autos de uma Ação Civil Pública movida pelos Ministérios Públicos Federal e do Estado de Rondônia”, que suspendeu em dezembro de 2020 a realização de audiências públicas virtuais sobre a UHE Tabajara, em função de graves riscos à saúde de populações locais no contexto da pandemia, assim como sérios impedimentos logísticos de transporte e de comunicação, além de um conjunto de falhas e lacunas no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) que seria objeto de discussão. Segundo a carta do COMVIDA, a decisão monocrática do desembargador do TRF-1, de reverter essa decisão judicial em primeira instância, “coloca em risco a sobrevivência física e cultural de Povos e Comunidades Tradicionais da bacia do rio Machado e do rio Madeira, dadas as suas conexões hidrográficas”, uma vez que a implantação da UHE Tabajara, ignorando uma série de ilegalidades, “poderá representar o escancarar da porteira na região dos Campos Amazônicos, assim como o extermínio de indígenas em condição de isolamento, a morte da floresta e do próprio rio Machado”. c) No último dia 17 de março, os povos Karo Arara e Ikólóéhj Gavião, por meio de suas representações sociais: a Associação Indígena Karo Paygap, a Associação Indígena Ma’pâyrap Karorap e a Associação Indígena Zavidjaj Djiguhr-ASSlZA, ambas da Terra Indígena Igarapé Lourdes, em documento enviado à Procuradoria da República em Rondônia, recordaram: “que em 2018 o MPF, por meio da Antropóloga Rebeca A.A. de Campos Ferreira realizou diversas perícias técnicas apontando falhas do Estudo de Impacto Ambiental da Usina Hidrelétrica de Tabajara, o que motivou o MPF a fazer uma Recomendação à FUNAI para que incluísse no Termo de Referência as Ter ras Indígenas Tenharim do Rio Sepoti, Tenharim do Igarapé Preto, Pirahã, Ipixuna, Nove de Janeiro, Igarapé Lourdes e TI Djahui. Também, que este Parquet moveu duas ações na Justiça Federal, uma para evitar que a audiência de dezembro de 2020 acontecesse em formato virtual e outra para a inclusão dessas Terras Indígenas no referido

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Movimentos sociais se posicionam contra hidrelétrica em afluente do Rio Madeira

Proposta viola legislação ambiental e direitos dos povos indígenas e de outras populações tradicionais. Organizações pedem que Ibama cancele audiências públicas previstas para os dias 6 e 7 de abril Mais de 40 representantes de movimentos sociais e outras organizações da sociedade civil, em conjunto com pesquisadores científicos, divulgaram uma nota expressando preocupação com as graves irregularidades que têm caracterizado o licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica (UHE) Tabajara – proposta pela Eletronorte como grande barragem no rio Machado, afluente do Madeira, na fronteira entre os estados de Rondônia e Amazonas. A nota pede que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) não realize audiências públicas sobre o assunto, previstas para os dias 6 e 7 de abril de 2022. Segundo o texto, o projeto de mais uma megaobra na Amazônia viola a legislação ambiental, ameaçando os direitos de povos indígenas e de outras populações tradicionais. De acordo com os signatários do documento, o empreendimento não tem viabilidade econômica, social e ambiental e ignora as normativas nacionais e internacionais que exigem a participação das comunidades afetadas no processo de licenciamento ambiental, inclusive o direito à consulta e consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas e outras populações tradicionais. O documento lista vários motivos que endossam o argumento, entre eles o fato de que esse tipo de projeto hidrelétrico negligencia os efeitos sobre a sociobiodiversidade, ou seja, as interconexões entre a diversidade sociocultural e a biodiversidade. “Com a UHE Tabajara, repete-se um cenário de atropelos dos últimos anos em processos de licenciamento de empreendimentos hidrelétricos na Amazônia, como Santo Antônio, Jirau, e Belo Monte, com graves prejuízos a populações atingidas e ao meio ambiente, comprometendo oportunidades na região para um desenvolvimento com justiça social e sustentabilidade ambiental e econômica”, diz o texto. “É absolutamente inaceitável que, no caso da UHE Tabajara, se persista na mesma repetição de erros do passado, com graves consequências socioambientais e o desperdício do dinheiro público”, completa a nota, que você pode conferir, na íntegra, aqui. Foto: Cachoeira Dois de Novembro, lugar cogitado para a barragem Tabajara no Rio Machado/ Artur Moret

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Organizações da sociedade civil cobram transparência, participação e inclusão de comunidades tradicionais no Pacto de Letícia e iniciativas financeiras para sua implementação

– Grupos denunciam que o Pacto de Letícia não contempla soluções que garantam a sustentabilidade da Amazônia, um dos principais ecossistemas dos quais a humanidade depende. – Existe a preocupação de que as medidas propostas no Pacto de Letícia afetem áreas sociais e ambientais altamente sensíveis. Em 2019, os governos do Peru, Colômbia, Brasil, Guiana, Suriname, Equador e Bolívia assinaram o Pacto de Letícia e junto com o apoio de recursos financeiros, tem o objetivo de conter o desmatamento e atividades ilegais. No entanto, observou-se que seu desenho, na prática, o configura como uma ameaça às comunidades tradicionais e povos indígenas da região. Nesse contexto, mais de 70 organizações da sociedade civil da América Latina e de outras regiões se pronunciam sobre o Pacto de Letícia, com o objetivo de enviar suas solicitações aos representantes dos estados e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e reformular o pacto em direção a uma perspectiva intercultural, com abordagem de direitos humanos, com governança socioambiental, e que integre a bacia amazônica como um ecossistema que passa por uma crise sem precedentes. Em 2020, a Amazônia perdeu cerca de 2,3 milhões de hectares de florestas nos 9 países amazônicos, número superior ao de 2019. Atualmente, o Pacto coloca em risco os esforços de combate ao desmatamento, ao deixar de fora a criação do Pacto os povos indígenas e comunidades tradicionais, não levando em conta a situação que os defensores ambientais e indígenas estão passando. Cada vez mais registra-se um aumento da violência contra estes líderes na bacia amazônica; Brasil, Colômbia e Peru são os países mais perigosos para quem defende a natureza e o território, situação esta que deve ser levada em consideração, se você deseja promover uma Amazônia segura e protegida. Por outro lado, um dos principais parceiros do Pacto é atualmente o BID. Até o momento, propõe-se transferir aos governos amazônicos a soma repassar aos governos amazônicos a quantia de aproximadamente 334 milhões de dólares, por meio de iniciativas como; o Programa Sementes Estratégicas para a Amazônia (US$ 20 milhões), o Fundo Multidoador de Bioeconomia e Florestas da Amazônia (US$ 35 milhões) e o Fundo de Bioeconomia da Amazônia (US$ 279 milhões), este último testado pelo Fundo Verde para o Clima. Nesse sentido, a bioeconomia é atualmente uma tendência de investimento pouco conhecida, e “não está claro quais são os objetivos para combater o desmatamento e a restauração florestal e como lidar com atividades predatórias e mudanças no uso da terra com base na bioeconomia”, explica Claudio de Oliveira, do Grupo de Trabalho de Infraestrutura. Com base nessa relação, um comunicado foi lançado no âmbito do evento organizado pelas organizações da sociedade civil realizado em 30 de março, intitulado “O papel do Banco Interamericano de Desenvolvimento no contexto pós-pandemia: Desafios e oportunidades para uma recuperação mais justa e sustentável “, cujo objetivo é apresentar as observações da sociedade civil sobre as deficiências, lacunas que o BID tem na implementação de seus empréstimos na região; evidenciando assim a falta de espaços de participação da sociedade civil na reunião anual do banco. No evento, Denisse Linares, especialista do programa Amazônia do DAR (Peru), destacou que “o Pacto de Letícia não previa um diálogo intercultural com os povos indígenas. Tampouco aborda em sua narrativa os grandes problemas da Amazônia e as iniciativas que os povos já têm, como seus projetos de vida. Por isso, a declaração publicada hoje por organizações da sociedade civil pede ao BID que financie respeitando os direitos humanos e ambientais”. Nesse sentido, essas iniciativas também implicam um risco, pois estão sendo aprovadas com as mesmas deficiências do Pacto. Portanto, é preciso dizer ao BID que as instituições financeiras são obrigadas a mudar a lógica do mercado de exploração da natureza. Por isso, as comunidades tradicionais, afrodescendentes e outras organizações da sociedade civil da América Latina exigem mudanças dos representantes dos Estados, comos seguintes pedidos: – Processo de diálogo multissetorial para revisão do Pacto e suas estratégias de implementação. – Tornar o planejamento do Pacto transparente em nível nacional. – Inclusão de instrumentos, estratégias para garantir o reconhecimento e regularização dos direitos territoriais dos povos indígenas e demais comunidades tradicionais. – Inclusão das iniciativas dos povos indígenas para a proteção da Amazônia. – Proteção dos defensores ambientais e indígenas, sendo o Acordo de Escazú um elemento chave para o desenvolvimento do Pacto. – Incorporação de uma visão inclusiva da bioeconomia. – Construir uma estratégia clara e inovadora sobre infraestrutura sustentável e inclusiva. Finalmente, é necessário desenvolver o debate sobre o Pacto e as iniciativas do BID em nível regional com os representantes dos estados, para que sejam propostas soluções integrais e respeitem os direitos de todos. Veja o pronunciamento: Espanhol / Português / Inglês Imagem: depositphotos

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A Amazônia que queremos e precisamos

Pacto de Letícia pretende ser instrumento para que países amazônicos colaborem mutuamente, mas não responde a várias perguntas fundamentais Por Claudio de Oliveira* A Amazônia não é brasileira. Nem colombiana, nem peruana, nem equatoriana… a Amazônia atravessa fronteiras como os rios que não pedem permissão para seguir com sua trajetória rumo ao mar. Nós, brasileiros, temos sim a maior fatia desse inigualável patrimônio da biodiversidade; água, clima, saberes ancestrais, mas enxergar a Amazônia sob a ótica do desenvolvimento sustentável, por mais desgastado que pareça estar esse conceito, exige transpor fronteiras, pensar fora da caixa. Em setembro de 2019, sete países amazônicos aprovaram o Pacto de Letícia. Representantes de Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru e Suriname se reuniram na cidade homônima, que fica na Colômbia, mas faz uma fronteira tríplice que inclui Brasil e Peru, e assinaram um acordo que estabelece 16 pontos nos quais concordaram em colaborar mutuamente, entre eles: combate ao desmatamento, uso sustentável dos recursos, enfrentamento de desastres naturais, incentivo à bioeconomia, etc. Apesar de ter nascido como uma política de enfrentamento aos graves incêndios que assolaram a região, o Pacto pretendeu ir além, como uma iniciativa plurinacional para a abordagem dos desafios e o aproveitamento das oportunidades. Mas será que conseguiu? Quais pontos exigem nossa atenção? O Pacto foi celebrado de forma genérica, apenas por governos, sem a participação das pessoas que vivem na Amazônia. Não há definições mais precisas do que é entendido como bioeconomia e como esta se relaciona com a população e a economia local; nem está claro quais são as metas assumidas para o desmatamento e para a restauração florestal e como enfrentar as atividades predatórias e a mudança do uso do solo pressionada por grandes vetores econômicos. Como melhorar a proteção dos defensores ambientais? Como garantir o respeito aos territórios indígenas? Como incorporar a visão de mundo amazônida, “o bem viver”, em detrimento da exploração capitalista sem medida? O Pacto de Letícia foi pensado de cima para baixo, ou seja, sem a participação das comunidades tradicionais, dos indígenas, das organizações socioambientais que atuam na região há anos. Como se um arquiteto lhe apresentasse um projeto para a sua casa sem conversar com você. Não há um processo transparente de participação no âmbito do planejamento e tampouco no monitoramento dos recursos e ações. O contexto de violação de direitos humanos e de crimes ambientais e fundiários pode ser agravado ainda mais se não houver monitoramento e governança adequados. Somente em 2020, a Amazônia perdeu quase 2,3 milhões de hectares de floresta primária nos nove países amazônicos, o que representa um aumento de 17% em relação ao ano anterior (2019), e o terceiro maior valor desde 2000. A insistência na implantação de mega infraestruturas como a UHE Belo Monte, por exemplo, também agrava as violações. No final de 2021, em torno de 70 organizações da sociedade dos países signatários do Pacto de Letícia e de outros países firmaram uma Carta de recomendações aos membros do Pacto. Entre as propostas prioritárias estão: – Estabelecer processo de diálogo multi-stakeholder para rever o Pacto e suas estratégias de implementação; – Tornar o planejamento do Pacto transparente a nível nacional e garantir mecanismos de monitoramento e avaliação participativos e independentes inclusive na implementação do mesmo; – Incluir instrumentos, estratégias e metas para garantir o reconhecimento e a regularização dos direitos territoriais dos povos indígenas e outras comunidades tradicionais; – Incluir iniciativas dos povos indígenas para a proteção da Amazônia; – Proteger os defensores ambientais e indígenas. Nesse aspecto, o acordo de Escazú é um elemento chave para o desenvolvimento do Pacto; – Incorporar uma visão inclusiva da bioeconomia, bem como, eliminar créditos e incentivos fiscais ao desmatamento, com apoio para a recuperação de áreas degradadas; – Construir uma estratégia clara e inovadora de infraestrutura sustentável e inclusiva em nível local e regional, incorporando lições para evitar a repetição de erros históricos, com prioridade para as necessidades e iniciativas de subsistência das comunidades amazônicas no campo e nas cidades. -A Iniciativa Amazônica do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, que foi aprovada na Terceira Reunião de Cúpula do Pacto de Letícia prevê o investimento direto via Fundo Verde do Clima (GCF) de U$ 279 milhões em Bioeconomia que, segundo critérios apresentados vai favorecer a agrofloresta sustentável, o cultivo de palmeira nativas, espécies nativas para produção madeireira, produtos florestais naturais não-madeireiros, aquicultura e turismo de natureza focado em comunidades locais. A luta é para que as populações que moram na Amazônia, nas cidades, nas aldeias, nas vilas; sejam elas indígenas, quilombolas, ribeirinhos ou organizações que lhes dão suporte, possam ter acesso a esses recursos, participar do processo de planejamento desses investimentos, de modo a manter uma consonância com os anseios locais e não olhar, passivamente, enquanto o capital avança sobre a floresta, sobre os recursos naturais e sobre os direitos humanos atendendo a meia dúzia de pessoas e grupos econômicos que muitas vezes nem a Amazônia conhecem. Esperamos que a infraestrutura seja para a Amazônia e suas populações e não na Amazônia, que possa atender às cadeias de valor e aos empreendimentos locais. No início da reunião anual do BID, neste 28 de março de 2022, a sociedade civil organizada dos países amazônicos fez um pronunciamento de alerta. A transparência, a governança e as salvaguardas apregoadas pelo BID precisam ser colocadas em prática e não ficarem penduradas em quadro na parede do departamento de Sustentabilidade – pra inglês ou indígena ver. * Claudio de Oliveira é jornalista, consultor do Instituto Centro de Vida/ICV, membro do GT Infraestrutura, mestre em Estudos de Cultura Contemporânea (ECCO/UFMT). Este artigo foi, originalmente, publicado no Um Só Planeta.  

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Da Amazônia gritamos pela paz

A guerra atual na Ucrânia é um evento de dimensão histórica que já está remodelando o sistema internacional nos níveis econômico, comercial, geopolítico, social e ambiental. Existem outras guerras e agressões armadas no planeta que também condenamos (Palestina, Somália, Síria, etc.), mas nenhuma delas tem o potencial de escalar e desencadear uma catástrofe nuclear com consequências imprevisíveis. Esta é uma guerra que está ocorrendo no contexto do ressurgimento das lutas inter-imperialistas. Da Amazônia fazemos um chamado à paz, exigimos o fim imediato dos bombardeios e a retirada das tropas russas da Ucrânia e somos solidários com o povo da Ucrânia. Não temos dúvidas de que a OTAN, com sua política expansionista e militarista, contribuiu fortemente para criar as condições para esta guerra, mas hoje é Putin quem está bombardeando, massacrando e forçando um êxodo de milhões de ucranianos. A invasão russa deve parar para que cessem as mortes e as negociações entre as partes leve à restauração da paz e à reconstrução da Ucrânia. Não estamos com nenhuma das potências imperialistas. Defendemos o fim de todas as armas nucleares e de destruição em massa dos EUA, Rússia, OTAN, China e de todos os sub-imperialismos regionais. A ideia de que a paz pode ser garantida através de armas é um absurdo que fracassou. Defendemos o desmantelamento da OTAN e de todas as alianças e iniciativas militares que promovem o armamento e a expansão de suas esferas de influência, a fim de supostamente garantir a paz. Convocamos à criação de um bloco mundial para a paz a partir da perspectiva dos povos contra todas as guerras e do distensionamento mundial. Queremos denunciar a toda a comunidade internacional que a guerra na Ucrânia está sendo usada para aprofundar a agressão contra a Amazônia e seus povos. A Amazônia está sofrendo a exacerbação das práticas mais conservadoras: nacionalismo, machismo, racismo, fanatismo religioso, individualismo e outros que geram e fortalecem regimes autoritários para melhor explorar os povos e a natureza. A Câmara dos Deputados busca aprovar, em regime de urgência, a Lei nº 191/20 que autoriza a mineração, extração de petróleo e atividades similares em territórios indígenas. A justificação de Bolsonaro é que a guerra na Ucrânia está colocando em risco o fornecimento de fertilizantes para o setor agroindustrial, apesar de ser sabido que os atuais estoques de potássio, em sua maioria localizados fora dos territórios indígenas, são suficientes para abastecer o Brasil por várias décadas. O que realmente se busca através destas leis é a expansão da mineração, particularmente da mineração de ouro, que se espalhou por toda a Amazônia. A Amazônia foi profundamente fragilizada pela crise sanitária e climática, à qual as potências nacionais e internacionais não foram capazes de dar uma resposta estrutural. A pandemia aprofundou o extrativismo e agora a guerra está acelerando ainda mais a expansão da fronteira agrícola e do agronegócio. Os altos preços de certas commodities (petróleo, ouro, alumínio, zinco, cereais, soja, carne e outros) estão fortalecendo o autoritarismo e as ações anti-indígenas para desapossar os povos amazônicos de seus territórios e apoderar-se dos recursos naturais. Nossa casa comum está sob ataque. Estamos testemunhando uma violação em larga escala dos direitos da Natureza na Amazônia e no mundo. A guerra está exacerbando o ecocídio, o etnocídio e provocando um novo genocídio. A militarização do planeta está fortalecendo as estruturas patriarcais onde reina a lei do mais forte e autoritárismo. A exploração da natureza e dos territórios é também a exploração dos corpos das mulheres e das comunidades feminizadas. Testemunhamos a masculinização patriarcal da sociedade, através da guerra, em vez de avançarmos em direção a uma eco-sociedade do cuidado, com respeito e reciprocidade com todas as vidas. A guerra na Ucrânia está produzindo um retrocesso da agenda climática e consumindo bilhões de dólares que são necessários para enfrentar a crise climática. Defendemos o corte dos orçamentos mundiais de guerra e defesa, utilizando esses recursos para enfrentar a crise ecológica e o agravamento da pobreza global. O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), que é um aviso terrível para a humanidade, foi ofuscado pela crise humanitária causada pelo bombardeio da Ucrânia. Países como a Alemanha estão discutindo a expansão da mineração de carvão para enfrentar a crise energética. O conflito militar encoraja as indústrias sujas de combustíveis fósseis e adia a ação global contra a crise climática. A busca da paz tem que acontecer em todos os níveis. Não pode haver paz na Terra se não houver paz com a Terra, se não houver paz com os povos indígenas, se não houver paz com as mulheres, se não houver paz com todas as culturas, se não houver paz com a natureza. Neste caminho, queremos chamar todas as organizações sociais do mundo a participar ativamente do processo em direção ao X Fórum Social Pan-Amazônico que acontecerá de 28 a 31 de julho em Belém do Pará, Brasil. A terrível crise da guerra deveria nos fazer refletir sobre alternativas estruturais e sistêmicas que levem a uma reengenharia do multilateralismo das Nações Unidas, que se mostrou anacrônica ao lidar com um conflito entre as potências com poder de veto no Conselho de Segurança da ONU. Assim como uma nova organização multilateral surgiu após a Segunda Guerra Mundial, após esta guerra e diante do agravamento das crises climática e ecológica, devemos construir um multilateralismo que incorpore não apenas os Estados em pé de igualdade, mas também os povos e a natureza. Nosso chamado pela paz é um apelo para repensar e reconstruir as estruturas internacionais, nacionais e locais que desencadeiam e alimentam a guerra e o autoritarismo em todos os níveis. ASSEMBLEIA MUNDIAL PARA A AMAZÔNIA 28 de março de 2022 Para se juntar ao clamor da Amazônia, preencha o formulário no link. Español English

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A água nossa de cada dia e as violações de direitos

Vários projetos os ameaçam no Norte do país, o que também prejudica o direito à água de quem vive na região. Saiba em que tipo de projetos deveríamos estar pensando Iremar Antonio Ferreira* Hoje, dia 22 de março, é o Dia Mundial da Água, um recurso que perpassa várias infraestruturas fundamentais para as comunidades de qualquer localidade. A data comemorativa é também um lembrete de que não temos muito a comemorar, especialmente na região da Amazônia. Além de boa parte da população ainda não ter acesso a serviços básicos, como água e esgoto, os rios da região estão ameaçados. Como explicar que viver cercado de água nem sempre significa ter água para beber? No primeiro episódio de 2022 do podcast Infraestrutura Sustentável, produção do GT Infraestrutura, eu conversei com o secretário executivo da rede, Sérgio Guimarães, sobre alguns desses motivos. Seja nas bacias dos rios Madeira ou do Xingu, nos rios Teles Pires, Tapajós ou Juruena, um conjunto de obras do governo federal tem provocado consequências irreparáveis nos direitos dos povos e populações que habitam esses territórios. Essas ameaças nos remetem a um processo de colonização desenfreada, desencadeada a partir da década de 1970, com motivações de ocupar para não integrar — lemas do regime militar —, numa tônica que prevalece até hoje. São grandes projetos, que “favorecem a nação”, sem pensar nas comunidades tradicionais, povos indígenas e migrantes que foram chegando à região. Desde então, a bacia do Rio Madeira vem sofrendo, desenfreadamente, ofensivas. Dentro de uma perspectiva desenvolvimentista e para atender a uma demanda energética sob o fantasma do “apagão”, no início dos anos 2000, começaram estudos para o chamado Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, que é uma dessas grandes ameaças, com licenciamento vicioso, que não considerou participação popular, para começar a citar os problemas. Essa obra também está associada à expansão de uma uma hidrovia, que, aos poucos, está se consolidando, para viabilizar o escoamento de soja, outro ponto que merece destaque, pois coloca veneno dentro dos rios. Os impactos já podem ser vistos. Há pouco tempo, o Rio Jamari transbordou, ocupando a BR 364 por três dias, resultado do desmatamento desenfreado, que acelera o processo de assoreamento. Esse conjunto de obras se somam gerando impactos e violações de direitos aos nossos povos e comunidades e afetam o direito à água. A água na Bacia do Rio Madeira está poluída e contaminada por essas intervenções mal feitas em nome desse “desenvolvimento”, que arranca as pessoas de seus lugares e se ocupa de um processo mercantilista de escoamento de riquezas, que deixa suas populações, literalmente, à margem. A cidade de Porto Velho, capital de Rondônia, não tem 2% de água tratada. Até lençol freático já está contaminado, o que nos leva também ao tema do saneamento básico, que afeta o direito à saúde da nossa população. Quem tem dinheiro compra água mineral, quem não tem usa a água que tem, muitas vezes contaminada. A insegurança alimentar e nutricional gerada a partir da implementação desses projetos é um outro problema pouco falado, mas grave. Toda a produção de várzea que as populações tinham, se perdeu, pois não temos mais o tempo das cheias naturais. As áreas ou estão extremamente secas ou alagadas antes da hora, porque quem domina o percurso dessas águas são as empresas. Temos hoje comunidades que vivem na beira do Rio Madeira e precisam comprar farinha na cidade porque não conseguem mais ter produção de mandioca. Nem peixe tem mais, pois o barramento do rio proibiu a migração natural das espécies que lá viviam. É importante lembrar que, na Amazônia, os rios também são estradas. E a implementação de hidrovias está afetando o direito de ir e vir das populações, principalmente para as pequenas embarcações, já que as grandes balsas, carregadas de petróleo e soja, estão destruindo o rio. Isso sem falar em um dos assuntos do momento: os garimpos ilegais. É muito mercúrio sendo jogado no Rio Madeira, que virou um depósito de contaminantes para alimentar uma cadeia produtiva. O problema aumenta porque, lamentavelmente, esta é uma atividade motivada por quem deveria fiscalizá-la, como nos mostra claramente este projeto que quer legalizar a extração de minérios em territórios indígenas. Tão grave, que diversos setores da economia que até poderiam se beneficiar disso, se manifestaram contra. O GT Infraestrutura trabalha com a “infraestrutura que queremos”, que diz respeito a projetos que atendam as pessoas da Amazônia e não que sejam apenas na Amazônia. Pensando nessa lógica, acredito que precisamos mudar a lógica atual, que é de saque. Temos que olhar para a floresta, com toda a sua diversidade, como um sujeito de direito. E, principalmente, a água. Nesse sentido, temos muito a aprender com os povos indígenas, que vêm demonstrando resistência há mais de 520 anos, junto com as populações tradicionais, que foram aprendendo a conviver com a natureza, respeitando-a. Sem esquecer que cuidar da floresta é também garantir chuva e água nos rios. Muito mais que um serviço ambiental, estamos falando de um serviço ecossistêmico que está ameaçado porque a Amazônia de hoje está perdendo milhares de hectares ano a ano e não é mais a mesma. Precisamos considerar a Amazônia como um todo, com seus povos e culturas e sua etnobiodiversidade, entendendo que ela é formada por ecossistemas diferentes e cada um tem o seu potencial. É preciso que as políticas públicas olhem para isso, garantindo os territórios, fundamentais para o equilíbrio do Brasil e do planeta como um todo, que precisa de uma floresta em pé, não deitada. As soluções já existem. Embarcações, por exemplo, podem funcionar com energia solar e não com combustível poluente. Nossas comunidades da beira do rio precisam de potabilizador de água para não continuarem tomando água contaminada. Ao invés de hidrelétricas, podemos investir em fontes de energia renováveis. Nós temos caminhos, mas é preciso ter esse carinho de olhar e ver que a Amazônia não é um balcão de negócio, mas é um grande negócio sim. Para o futuro, para a vida, não para alimentar lucro. Temos

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No ar: Iremar Ferreira fala sobre água e violações de direitos

Em primeiro episódio de 2022, membro-fundador do Instituto Madeira Vivo, conta como é viver às margens de um dos rios mais importantes da região Norte Em novo episódio do podcast Infraestrutura Sustentável, Sérgio Guimarães conversa com um Iremar Antonio Ferreira, do Instituto Madeira Vivo, sobre um assunto de fundamental importância para várias das pautas de infraestrutura: a água. Na semana do Dia Mundial da Água, dia 22 de março, o convidado lembra que não temos muito a comemorar, especialmente na região da Amazônia. Além de boa parte da população ainda não ter acesso a serviços básicos, como água e esgoto, os rios também estão ameaçados. Nas bacias dos rios Madeira ou do Xingu, nos rios Teles Pires, Tapajós ou Juruena, um conjunto de obras do governo federal tem provocado consequências irreparáveis nos direitos dos povos e populações que habitam esses territórios. Iremar explica como viver cercado de água nem sempre significa ter água para beber. Disponível no Spotify.

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Sinais trocados: a quem interessa novas grandes hidrelétricas na Amazônia?

Alessandra Mathyas, Sérgio Guimarães e Brent Millikan* Em meados de janeiro, duas notícias de certa forma antagônicas surpreenderam quem acompanha o setor energético brasileiro. A primeira foi a abertura de consulta pública do Plano Decenal de Energia – PDE 2031, desenvolvido por equipe multidisciplinar da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada ao Ministério de Minas e Energia. A outra, o anúncio da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) de prorrogação de estudos de viabilidade de três grandes hidrelétricas na Bacia do Tapajós. Por que esses dois fatos são antagônicos? Vamos discorrer. O PDE 2031 detalha em um capítulo inteiro sobre questões socioambientais, o impacto das mudanças climáticas no setor energético, fazendo alusão às “incertezas quanto à disponibilidade hídrica futura”. Segundo a análise apresentada no plano, “embora haja imprecisões e limitações dos modelos de projeção climática, há conclusões concretas de que ocorre uma mudança nos padrões de temperatura”, o que deverá acarretar “prováveis reflexos nas precipitações”. Soma-se aí a questão pluviométrica, a demanda pelo uso da água em outros setores e mudanças no uso e cobertura do solo (desmatamento), que afetam diretamente o regime de chuvas e as reservas subterrâneas que chegam aos rios. Ainda assim, o plano traz um cenário com oito novas usinas hidrelétricas previstas para entrarem em operação nos próximos dez anos. Os últimos dois anos já colocaram em xeque o parque gerador hídrico brasileiro. Não à toa foi necessário acionar mais térmicas, sobretudo desde julho de 2021, chegando a um montante de 26% do total de energia consumido no país (17 mil MWmed). As chuvas do fim do ano trouxeram um certo alívio na vazão e nos reservatórios, mas a população brasileira continua e continuará pagando a conta dessa geração termelétrica, em sua maioria fóssil — com fortes implicações para as emissões de gases de efeito estufa —, pelo menos nos próximos 5 anos. O que nos leva a concluir que fica muito difícil planejar à luz da disponibilidade dos reservatórios, sobretudo quando há excessiva dependência na hidroeletricidade, lembrando que estudos indicam que os efeitos do clima sobre o regime de chuvas e reservas hídricas serão cada vez maiores, com previsão de redução de vazões, inclusive na Amazônia. Anunciar agora estudos de mais três grandes hidrelétricas na Amazônia, além das três barragens mencionadas que já constam do PDE 2031, passa a impressão de que se trata de uma “medição da temperatura” de agentes do governo em ano eleitoral. Segundo notícias da ANEEL, as três usinas seriam localizadas no Rio Jamanxim, afluente do Rio Tapajós, sendo denominadas Jamanxim, Cachoeira do Caí e Cachoeira dos Patos, totalizando 2,2 MW de potência. Juntas as barragens alagariam mais de 60 mil hectares, inclusive áreas significativas do Território Indígena Sawre Muybu, do povo Munduruku, do Parque Nacional de Jamanxim e das Florestas Nacionais Jamanxim, Itaituba 1 e Itaituba 2. Na realidade, a ANEEL está tirando do baú projetos antigos, previstos há mais de dez anos como parte do chamado “Complexo Tapajós”, que incluiria grandes barragens polêmicas no eixo principal do rio Tapajós: São Luiz do Tapajós, Jatobá e Chacorão. Em 2016, o IBAMA suspendeu o licenciamento da UHE São Luiz do Tapajós, por graves falhas nos estudos de impacto ambiental, inclusive quanto a seus efeitos cumulativos com outros projetos. Somou-se à justificativa pela suspensão o fato de que alagaria parte do Território Indígena Sawre Muybu, resultando no deslocamento forçado de comunidades indígenas, o que seria inconstitucional. Nos últimos anos houve um esvaziamento de empresas internacionais, como a Engie (ex-GDF Suez) e a EDF do consórcio de empresas “Grupo de Estudos Tapajós” liderado pela Eletrobras, que estava conduzindo os estudos de impacto ambiental e viabilidade de grandes barragens. Agora, com a privatização da Eletrobras e ameaças de graves retrocessos na legislação sobre o licenciamento ambiental e direitos indígenas, há ainda mais dúvidas sobre a governança de tais projetos, gerando mais insegurança sobre riscos jurídicos, financeiros e de reputação, com fortes implicações para a atratividade desses projetos para investidores internacionais. Há ainda outros fatores que temperam esse caldeirão de contradições que tenta ressuscitar hidrelétricas já rejeitadas no passado. O Brasil cada vez mais quer entrar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mas para isso precisa seguir critérios socioambientais bastante rígidos. As questões jurídicas e judiciais que envolvem até hoje as últimas grandes usinas hidrelétricas na Amazônia (Santo Antônio, Jirau, Belo Monte, e Teles Pires, entre outras), somadas aos danos ambientais e à violação de direitos de povos originários são pontos negativos para o país. O Brasil estaria mesmo disposto a ampliar a negatividade no ambiente internacional ao continuar defendendo grandes hidrelétricas, num contexto de mudança climática acelerada e sobretudo num bioma já tão ameaçado? Bioma este que, por outro lado, dispõe de um potencial energético bastante grande para energia solar e as mais variadas fontes de biomassa? Estaria disposto a pôr em risco o bioma e seus habitantes, em disputas jurídicas intermináveis que atrasam e inviabilizam economicamente um empreendimento do porte de uma grande hidrelétrica e das linhas de transmissão necessárias? Lembremos que o custo inicial de Belo Monte foi de R$ 16 bilhões mas até a inauguração da última turbina, em 2019, já passava de R$ 40 bilhões, sem contar o valor do dano ambiental, orçado timidamente em mais de R$ 1 bilhão. Voltando ao PDE 2031, onde prevê-se para o decênio a insistência na construção das hidreletricas de Bem Querer, Tabajara e Castanheira na Amazônia, e tendo como supostos argumentos os custos da mudança do clima sobre o setor energético, não faz sentido, num ano eleitoral tão importante, que volte à baila a ameaça de grandes barragens em bacias hidrográficas já tão sensíveis a outros danos como o garimpo ilegal, o desmatamento, a perseguição a lideranças indígenas e comunitárias. As justificativas de que tais usinas também levariam desenvolvimento sustentável para a região, empregos, infraestrutura além de serem mais baratas que outras fontes, não se sustentam inclusive pelo histórico desse tipo de empreendimento na região. Os municípios sede dos empreendimentos têm IDHs mais baixos na região. E os empregos

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Como o agro se beneficia do desmatamento?

O desmate foi um elemento estruturante de consolidação da nossa economia agroexportadora no século passado e continua sendo prática corrente para expansão da fronteira agrícola nos dias de hoje *Jaqueline Ferreira A ministra Tereza Cristina já afirmou que não é mais necessário desmatar para produzir, assim como fizeram outros que ocuparam a pasta. Muitas lideranças do setor agropecuário dizem não ter nenhuma relação com o desmatamento e a expansão da fronteira agrícola porque não estão com a motosserra na mão. “É preciso prender quem desmata”, “é preciso coibir a grilagem de terras”, “nós seguimos o Código Florestal”, “se 90% do desmatamento é ilegal, bastaria aplicar a lei que tudo estaria resolvido”, afirmam. O que se omite nessa narrativa é que o destino da terra desmatada, legal ou ilegalmente, é o mercado de terras. Terra é um insumo fundamental para a produção agropecuária. E no caso do Brasil, a disponibilidade desse insumo parece não ter fim. Entre 1985 e 2020, desde o início do monitoramento sistemático do uso da terra no país, 82 milhões de hectares de vegetação nativa foram ao chão. No mesmo período, a área ocupada pela agropecuária teve um incremento total de 81 milhões de hectares. Não faltam evidências sobre o que vem acontecendo com as áreas desmatadas: viram pasto e área de cultivo agrícola. O desmatamento foi um elemento estruturante de consolidação da nossa economia agroexportadora no século passado e continua sendo prática corrente para expansão da fronteira agrícola nos dias de hoje. Mesmo em 2012, ano que registrou menores taxas de desmatamento, nós perdemos 4,6 mil km² de florestas nativas na Amazônia. Não é pouco. A expansão de área cultivada é uma estratégia do agronegócio brasileiro para aumentar sua produção e competitividade. Os cultivos mais modernos, que usam de alta tecnologia para produzir mais por hectare, como é o caso da soja, também apresentam tendência crescente de aumento da área cultivada. O estudo do Instituto Escolhas, Como o Agro se beneficia do desmatamento?, lançado na quinta-feira (17/02), traz dados relevantes para entendermos melhor esse imbricamento do setor com o desmatamento. Ao analisar o efeito econômico dessa prática sobre o preço da terra e dos produtos agropecuários, o estudo revela que o desmatamento ocorrido entre 2011 e 2014 desvalorizou o estoque de terra de 93,5% dos municípios brasileiros. Se ele não tivesse ocorrido, elas valeriam R$ 136,7 bilhões a mais em 2017. A depreciação foi maior nos municípios onde a fronteira agrícola expandiu, localizados em sua maioria na Amazônia Legal e na região conhecida como Matopiba – fronteiriça entre o Mato Grosso, Tocantins, Piauí e Bahia –, onde a depreciação do valor do estoque de terra chegou a 25%, o que soma mais de R$ 83 bilhões. 50% de toda a desvalorização da terra observada no país está concentrada em 61 municípios com esse perfil. O valor do hectare de terra em São Félix do Xingu, no Pará, município com maior depreciação verificada, foi de R$ 2.476 em 2017. Sem o desmatamento dos anos anteriores, o preço teria chegado a R$ 6.606 por hectare. O desconto significativo de R$ 4.130 por hectare beneficiou o produtor desse município que expandiu sua área de cultivo, mesmo que ele não tenha derrubado uma só árvore. O efeito também é sentido no preço das commodities, cujo principal produto afetado é a soja. O desmatamento provocou redução de R$ 3,10 no preço médio da saca de 60kg, o que se percebe de maneira mais intensa, mais uma vez, nos municípios em expansão da fronteira agrícola. Preços mais baixos de terra e de commodities trazem maior competitividade para o setor. O que o estudo mostra é que o desmatamento torna mais barato para o Brasil cumprir sua grande vocação na visão do agronegócio: fornecer soja e carne para o mundo. Entretanto, fica mais barato para uns produtores do que para outros, prejudica aqueles que não podem expandir sua área de cultivo e deprecia o ativo terra do país como um todo. A conta desastrosa nem leva em consideração a perda da biodiversidade e o agravamento da crise climática, que já prejudica a própria produção agropecuária. Também não considera que fatores de produtividade, como acesso a orientação técnica e infraestrutura, trazem ganhos muito maiores de competitividade do que o desmatamento pode trazer, conforme mostrou o estudo. Será mesmo que, para acabar com o desmatamento, basta aplicar a legislação existente? Enquanto o setor mais promissor do país, com grande representação nos poderes executivo e legislativo, não abandonar a lógica de operação que consiste em expansão de área, o problema vai continuar. Atos oficiais de regulação fundiária que premiam quem desmata e disponibilizam a entrada de novas áreas no mercado de terra precisam cessar. E se é o bolso que fala mais alto na hora de expandir a área cultivada, é pelo bolso que vamos conseguir constranger o setor a mudar. Já passou da hora de clientes e financiadores exigirem o fim do desmatamento nas cadeias produtivas do agronegócio brasileiro. Assim como, os inúmeros instrumentos de financiamento público – crédito, anistia de dívida, isenção fiscal, entre outros – precisam parar de beneficiar o produtor que desmata e seus compradores. *Jaqueline Ferreira é gerente de Portfólio do Instituto Escolhas Este artigo foi originalmente publicado na coluna do O Mundo Que Queremos, no Um Só Planeta.

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Em onze anos, 92% do desmatamento em fazendas de soja de Mato Grosso foi ilegal

Entre agosto de 2008 e julho de 2019, imóveis rurais com cultivo de soja responderam por 20% do desmatamento em Mato Grosso, que é o maior produtor da commodity no Brasil. Dos mais de 2,5 milhões de hectares de vegetação nativa perdidos nos últimos 11 anos no Estado, 500 mil hectares foram registrados em fazendas de soja. Desse total, 92% foi realizado de forma ilegal, ou seja, sem as autorizações dos órgãos ambientais. Os dados são de um novo estudo publicado pelo Instituto Centro de Vida (ICV) denominado “Soja e desmatamento ilegal: estado da arte e diretrizes para um protocolo ampliado de grãos em Mato Grosso”. soja 1A publicação evidencia a concentração da ilegalidade em um número baixo de imóveis rurais: apenas 176 imóveis foram responsáveis por mais da metade de todo o desmatamento ilegal em fazendas de soja no estado. Destes, a maior parte (85%) são grandes imóveis, com área superior a 1,5 mil hectares. Mais da metade da derrubada ilegal identificada nessas fazendas ocorreu em somente 15 municípios no estado. Oito destes localizados no bioma Amazônia e o restante, no Cerrado. A análise também apontou que apenas 30% desses imóveis tiveram algum tipo de embargo federal ou estadual, impostos pelo Ibama e pela Sema/MT, respectivamente. Os embargos são medidas punitivas e preventivas que buscam propiciar a recuperação da área degradada. Cerrado ameaçado Apesar das altas taxas de desmatamento ilegal no estado serem similares para Amazônia e Cerrado, o desmatamento nas fazendas de soja localizadas no Cerrado foi quase o dobro (307,6 mil hectares) em relação à Amazônia, que somou 159,6 mil hectares. “Esses dados evidenciam o alto grau de ameaça que a expansão da soja associada ao desmatamento ilegal impõe ao Cerrado”, discorre a análise. Ainda que, na última década, o aumento mais acelerado da soja tenha se dado na Amazônia, o Cerrado permanece como o mais fortemente impactado pelo desmatamento em imóveis de soja. A ilegalidade do desmatamento também é mais acentuada neste bioma, assim como a área de desmatamento em imóveis de soja, mas fora do cultivo do grão. Protocolo ampliado Para reverter esse quadro, o estudo propõe a criação de um protocolo ampliado para todo o estado de Mato Grosso, incluindo o bioma Cerrado. Dentre os critérios-chave estão o monitoramento do desmatamento nas fazendas como um todo, não apenas sob cultivo de soja, e a inclusão de outros grãos, como milho e arroz. O estudo sugere ainda que um novo protocolo tenha uma ampla transparência dos resultados do monitoramento e da auditagem. “Mato Grosso precisa de um acordo mais abrangente, que monitore fazendas inteiras, inclua outras culturas e aumente a transparência dos processos de auditoria e resultados”, afirma a coordenadora do programa de Transparência Ambiental do ICV, Ana Paula Valdiones. Clique para visualizar o protocolo completo. Fonte: assessoria de comunicação ICV

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Desmatamento serviu como subsídio para que produtores expandissem sua área cultivada e produção

Estudo revela que desmatamento desvalorizou estoque de terra de 93,5% dos municípios brasileiros, um montante de R$ 136,7 bilhões em 2017 O produtor que comprou novas terras para expandir sua produção contou com uma ajuda do desmatamento, mesmo que ele não tenha derrubado uma só árvore. O estudo “Como o Agro se beneficia do desmatamento?”, idealizado pelo Instituto Escolhas e divulgado nesta quinta-feira (17/02), mostra que a incorporação de novas áreas desmatadas entre os anos de 2011 e 2014 no mercado de terras provocou uma depreciação de R$ 136,7 bilhões no valor do estoque de terra brasileiro em 2017, o equivalente a uma redução média de R$ 391,00 por hectare. Para a gerente de Portfólio do Instituto Escolhas, Jaqueline Ferreira, o estudo comprova que “o desmatamento ocorrido na fronteira agrícola, na Amazônia e no Cerrado, deprecia o preço de terras do país como um todo, funcionando como uma espécie de subsídio ou desconto para aqueles produtores que têm como estratégia a incorporação de novas áreas para o aumento da produção. Já os produtores que apostam no aumento da produtividade de suas áreas saem perdendo com o desmatamento, uma vez que têm o preço suas terras depreciadas”. Nos municípios em que ocorreu a expansão da fronteira agropecuária, situados predominante na Amazônia Legal e Matopiba (região que compreende estado de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), a depreciação foi ainda maior, chegou a R$ 83,5 bilhões ou 25% do valor da terra em 2017, o equivalente a uma redução média de R$ 985,00 por hectare. O preço do hectare de terra em São Félix do Xingu no Pará – município com maior depreciação observada – foi de R$ 2.476 em 2017. Sem o desmatamento dos anos anteriores, o preço teria chegado a R$ 6.606,00 por hectare. Apesar do efeito geral de depreciação do preço da terra, os maiores valores observados estão concentrados em poucos municípios e produtores. 61 municípios (1,15%) acumularam metade (50%) da depreciação total da terra no país. Ao mostrar que poucos ganham muito com a depreciação do preço da terra, o estudo traz mais uma evidência de que o desmatamento prejudica o setor. “Ainda assim, a maior parte do Agro se esquiva de adotar medidas concretas para se desvincular do desmatamento, como a rastreabilidade de todos os fornecedores das cadeias produtivas ou o registro e georreferenciamento das propriedades. Ou, ainda mais grave, é comum ver lideranças do setor defendendo ou tolerando silenciosamente o desmonte da legislação ambiental e a rotina de atos de regularização fundiária que premiam quem desmata”, diz Jaqueline Ferreira. O desmatamento também impactou os preços dos produtos agropecuários. No caso da soja, foi observada uma desvalorização total de R$ 6,67 bilhões do valor bruto de produção do país em 2017, com a redução de R$ 3,1 (-4,5%) no preço médio da saca de 60 kg. “O estudo também mostra que o impacto negativo no valor do preço da terra causado por desmatamento é inferior ao impacto positivo causado por outros fatores, como acesso a infraestrutura, orientação técnica e características biofísicas da terra. O que só reforça a importância de se investir em fatores de produtividade e, ao mesmo tempo, promover o fim do desmatamento” afirma Jaqueline. O estudo O valor de mercado de um pedaço de terra é influenciado por diversos fatores como a infraestrutura, a proximidade de cidades, passando por disponibilidade de água para irrigação e o acesso a orientação técnica. A partir do desenvolvimento de modelagens espacial e econométrica inéditas – que utilizou dados sobre o preço da terra, a agropecuária e a mudança de uso da terra no país entre os períodos de 2006 a 2017 – o estudo isolou o desmatamento e a consequente incorporação de terras para uso agropecuário dos demais fatores que influenciam o preço da terra. Com isso, foi possível observar o seu efeito no preço da terra e dos produtos agrícolas. O estudo, idealizado e coordenado pelo Instituto Escolhas, foi executado por uma equipe interdisciplinar de pesquisadores da Esalq/USP, formada por Joaquim Bento de Souza Ferreira Filho, Gerd Sparovek, Adauto Brasilino Rocha Junior, Alberto Barreto, Arthur Fendrich e Giovani William Gianetti. Clique aqui para acessar o sumário executivo – “Como o Agro se beneficia do desmatamento?” Fonte: Instituto Escolhas

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Novo factsheet mostra impactos econômicos, ambientais e sociais da Ferrogrão

Obra subestima custos e prazo, diz carta alerta que lista 9 riscos do projeto As instituições financeiras devem analisar riscos jurídicos, econômicos e de reputação, como o de se tornarem responsáveis solidários por danos à natureza e populações locais, sob a lei brasileira, normas internacionais e políticas institucionais de responsabilidade socioambiental (ESG). Com base nisso, um grupo de mais de 30 organizações da sociedade civil e de pesquisas enviou a representantes de algumas delas uma notificação extrajudicial para alertar sobre os riscos — e os prejuízos ambientais — associados ao projeto da ferrovia EF-170, conhecida como Ferrogrão. O documento acaba de virar um factsheet que destaca 9 falhas do projeto. Considerado uma obra de infraestrutura prioritária pelo governo federal, o projeto prevê a construção de uma linha férrea com 933 km de extensão que cortará uma área sensível da Amazônia brasileira, cruzando unidades de conservação próximas a terras indígenas. De acordo com a notificação enviada aos bancos, a obra tem potencial para estimular conflitos por terras e provocar o desmatamento de uma área de floresta do tamanho da cidade de São Paulo. Estudos citados no documento mostram que o projeto não considera cenários alternativos, que os custos de implantação foram subestimados — e que seu retorno financeiro deve ficar muito aquém do projetado. O documento e os novos materiais que visam tornar o assunto mais acessível para o público leigo foram produzidos pelo GT Infraestrutura, grupo que reúne mais de 40 organizações socioambientais, pesquisadores e cientistas atuantes em todo o país, que tem como objetivo contribuir para a democratização e a efetividade de Políticas Públicas de Energia e Infraestrutura, na Amazônia e no Brasil. Para o secretário executivo da rede, Sérgio Guimarães, os riscos do projeto da ferrovia devem ser analisados cuidadosamente diante da legislação brasileira e de normas internacionais, antes da tomada de qualquer decisão de eventual financiamento. “Além de ameaçar a floresta, populações tradicionais e compromissos de mitigação da crise climática, o projeto apresenta deficiências em análises de viabilidade econômica, que fragilizam a proposta da ferrovia e significam riscos econômicos e de reputação para instituições financeiras potencialmente interessadas em investir no empreendimento”, afirma. Acesse a carta alerta, na íntegra, aqui. 9 falhas e impactos do projeto Ferrogrão Ignora critérios internacionais de sustentabilidade; Subestima o desmatamento de mais de 2 mil km² de floresta; Estimula a grilagem de terras e conflitos fundiários; Aumenta pressão para diminuir unidades de conservação; Viola direitos de povos indígenas; Contraria os compromissos de zero desmatamento assumidos pelas empresas agropecuárias ; Tem custos de construção subestimados e retorno aquém do projetado; Faz avaliação falha da concorrência; Não avalia as rotas alternativas. São pontos que, segundo a carta alerta, devem ser avaliados por instituições interessadas em investir no projeto, sob o risco de se tornarem “solidariamente responsáveis por danos socioambientais que vierem a ocorrer”. Há riscos de ordem legal, ambiental e financeira. “O projeto da ferrovia subestima ou ignora os impactos ambientais da obra sobre unidades de conservação e terras indígenas; subestima riscos jurídicos e desconsidera a presença de concorrentes. Em conjunto, tais falhas ameaçam sua viabilidade econômica, e tornam o projeto, caso seja implementado, uma obra prejudicial para a Amazônia e seus habitantes e também para a infraestrutura do Brasil”, diz o documento. Factsheet Ferrogrão Texto: Angélica Queiroz

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Com novas descobertas arqueológicas e artigos sobre fauna, flora e bioeconomia, International Rivers lança estudo inédito sobre região do Tapajós

Estudo de ONG Internacional conta com apresentação feita pelo sociólogo Ailton Krenak, e faz raio-x atualizado sobre uma das cinco maiores regiões do sistema hidrográfico amazônico, alertando para as ameaças na região e reforçando seu potencial para uma bioeconomia social sustentável. Brasil, 14 de fevereiro de 2022 – Não se pode falar da Amazônia sem reconhecer a importância da bacia do Tapajós. De dimensões continentais, este ecossistema de água doce é rico em beleza cênica, atributos socioambientais e biodiversidade. Território habitado milenarmente por comunidades tradicionais que o protegem, hoje a bacia e seu rio mais famoso, o Tapajós, estão sob ameaça de projetos de infraestrutura como hidrelétricas, garimpo ilegal e desmatamento. Com o objetivo de ampliar o conhecimento da sociedade sobre a região, a ONG Internacional International Rivers lançou hoje (14) o estudo “Tapajós Sob o Sol: Mergulho nas características ecológicas, socioculturais e econômicas da bacia hidrográfica”, que está disponível gratuitamente no site internationalrivers.org. “Com “Tapajós Sob o Sol”, queremos trazer luz a uma das principais bacias hidrográficas da região amazônica, que mesmo diante de sua importância para a biodiversidade global, está sendo constantemente alvo da nova onda de expansão do agronegócio, da mineração e infraestrutura, como grandes e pequenas hidrelétricas que estão se instalando agressivamente na área: hoje a região conta com mais de 40 hidrelétricas planejadas, fora as PCHs que estão sendo estudadas, e outras obras de infraestrutura como hidrovias e ferrovias (estratégia conhecida como ‘Arco Norte’). O estudo começou a ser desenvolvido no início de 2020 e faz parte do nosso trabalho na região do Andes-Amazônia, apoiado pela Betty & Moore Foundation.”, explica Flávio Montiel, diretor da International Rivers no Brasil. “A região do Tapajós ainda tem traços importantes de preservação, mas se não forem defendida a tempo, terá graves consequências ambientais e sociais como já vimos acontecer na região do Xingu e da Amazônia. Precisamos colocar nossos olhos e empenho no rio Tapajós e seus afluentes para garantir a segurança das populações que ali vivem.”, finaliza. Com prefácio escrito pelo sociólogo Ailton Krenak, e introdução de lideranças importantes da região, como o Cacique Juarez Saw Mundukuruku (Liderança indígena Munduruku), Padre Edilberto Sena (Movimento Tapajós Vivo) e Caetano Scannavino (Projeto Saúde e Alegria). “Para nós, o rio Tapajós é um rio sagrado. Ele foi criado por Karosakaybu (ancestral reverenciado pelos Munduruku). Alguns Munduruku viraram peixe, outros viraram aves, outros viraram árvores, outros porcos. A gente sabe como este rio foi construído, e ele tem relação com a nossa história e a da floresta”, conta a liderança indígena Cacique Juarez Saw Munduruku da aldeia de Sawré Muybu. “O rio Tapajós é um rio precioso. Ele é estrada, é fonte de beber e tomar banho. Ele também é almoxarifado: Tem tracajá, tem peixe, tem todos estes bichos que são muito importantes para gente”, detalha o Padre Edilberto Sena, liderança do Movimento Tapajós Vivo. “Tapajós Sob o Sol” é composto de cinco capítulos elaborados por pesquisadores vinculados a diferentes instituições do Brasil e do exterior. O estudo apresenta aspectos da biodiversidade e geomorfologia da região, a importância sociocultural da área, incluindo lugares sagrados e a vasta presença de itens arqueológicos datados mais de 10 mil anos atrás, uma análise aprofundada sobre os aspectos socioeconômicos dos rios livres e saudáveis, um reforço à economia ecológica, finalizando com dados atualizados sobre as ameaças e conflitos na bacia envolvendo a extração ilegal de madeira, grandes garimpos, mineração, palmiteiros, desmatamento, latifúndios, e mais recentemente, as grandes obras de infraestrutura, como hidrelétricas, hidrovias e rodovias. Entre os destaques, o estudo aponta a importância da preservação da região como patrimônio da história da humanidade, revelando que artefatos como pontas de projétil feitas de pedra lascada têm sido encontradas em diferentes locais do Tapajós e seus afluentes. “Tais objetos sugerem que os primeiros humanos percorreram a região há milênios, possivelmente ainda na transição entre o Pleistoceno e Holoceno, ou seja, há cerca de dez mil anos”, diz a publicação. O estudo também reforça a singular biodiversidade que ocupa a região e seu papel fundamental no equilíbrio do ecossistema amazônico: o local serve como habitat para 840 espécies de ictiofauna (conjunto de peixes de uma região ou ambiente), sendo muitas dessas endêmicas, ou seja, que apenas são encontradas na região. A publicação faz ainda um alerta sobre a contaminação de mercúrio na região, metal pesado utilizado em garimpo em toda a bacia do Tapajós, especialmente na região de Itaituba e nos afluentes do rio Teles Pires. De acordo com o estudo, estima-se que durante a década de 1980, mais de 120 toneladas de mercúrio por ano foram despejadas na bacia, e atualmente já foram encontradas altas concentrações de mercúrio nas populações indígenas e ribeirinhas do rio Tapajós, bem acima dos níveis recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O estudo foi desenvolvido pelos pesquisadores Bruna Cigaran da Rocha, Ricard Scoles, Bruno Peregrina Puga e Ana Blaser. O estudo foi apoiado pela Fundação Moore. Publicação completa Tapajós Sob o Sol (Em português) Sumário-executivo em espanhol e inglês.    

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Brasil vendeu mais de 200 toneladas de ouro com indícios de ilegalidade

Instituto Escolhas revela que o ouro com indícios de ilegalidade chega a quase metade da produção nacional e expõe as ligações entre empresas do setor financeiro e outros elos da cadeia do ouro, dos garimpos na Amazônia até o mercado internacional. Sem controle e transparência, indícios de ilegalidade ultrapassam as 200 toneladas Entre 2015 e 2020, o Brasil comercializou 229 toneladas de ouro com indícios de ilegalidade. O número inédito e alarmante foi levantado pelo novo estudo do Instituto Escolhas, lançado nesta quinta-feira (10/2), por meio da análise de mais de 40 mil registros de comercialização de ouro e imagens de extração. Para Larissa Rodrigues, gerente de Portfólio do Escolhas, “o estudo mostra que os indícios de ilegalidade são muito maiores do que se imaginava e confirma que essa situação é recorrente. Uma consequência da total falta de controle e transparência na cadeia do ouro”. Empresas ligadas aos indícios de irregularidades têm laços por toda a cadeia do ouro Das 229 toneladas de ouro com indícios de ilegalidade, o estudo do Escolhas identificou que um terço, ou 79 toneladas, foi comercializado por cinco Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs) que compram ouro de garimpos na Amazônia. São elas: a F.D’Gold, a Ourominas, a Parmetal, a Carol e a Fênix DTVM. O estudo confirmou ainda que essas DTVMs, autorizadas a funcionar pelo Banco Central, possuem vinculações empresariais e familiares por toda a cadeia do ouro. Há casos de pessoas de uma mesma família, por exemplo, que controlam tanto uma DTVM, como garimpos com indícios de irregularidades que venderam ouro para essa mesma DTVM. Os elos encontrados incluem ainda empresas de refino, de transportes, de exportações, entre outros. Isso é um problema, pois uma das leis que trata da comercialização de ouro dos garimpos, a Lei 12.844/2013, exime as DTVMs da responsabilidade pelas irregularidades, garantindo que suas compras de ouro sejam feitas com base na boa-fé. Mas, o fato dos próprios responsáveis por DTVMs, ou, ainda, seus familiares e empresas vinculadas, poderem ter lavras, além de outros negócios na cadeia, gera um conflito de interesses entre quem deveria estar interessado na legalidade do ouro adquirido e quem presta a informação sobre a origem do metal. “As vinculações familiares e empresariais na cadeia do garimpo inviabilizam controles adequados. Soma-se a isso um enorme volume de ouro que circula pelo mercado com indícios de irregularidades. Ou seja, não é razoável operar com a boa-fé nessas transações. A legislação precisa ser revista e o Banco Central precisa fiscalizar e acompanhar de perto”, explica Larissa. Exportações para a Índia confirmam a contaminação dos mercados internacionais De acordo com o estudo do Escolhas, os indícios de irregularidades contaminam também os mercados internacionais. Em 2020, a Índia, sexto maior comprador de ouro do Brasil, importou ouro das empresas FNX Comércio de Metais e Fênix Metais do Brasil – ambas vinculadas ao grupo da Fênix DTVM, que possui indícios de ilegalidade na comercialização do metal. Foram realizados cinco embarques de ouro pelo Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, que chegaram à refinadora Yash Oro India Private Ltd, em Telangana. Outros países que compram ouro do Brasil, como Canadá, Suíça e Reino Unido, também estão expostos a esse risco. Para Rodrigues, “a situação é grave e mostra que o Brasil é um fornecedor de ouro contaminado para o mundo. Os países importadores precisam controlar a origem do que compram ou serão coniventes com o que acontece na Amazônia”. Medidas urgentes para combater o problema O estudo do Escolhas defende que para evitar a contaminação por irregularidades e avançar em seu combate é preciso que o Brasil adote um sistema obrigatório de rastreabilidade da origem do ouro. As bases para isso estão no Projeto de Lei 836/2021, elaborado com apoio técnico do Escolhas. Os países importadores também precisam exigir esses sistemas. Outra medida importante trazida pelo estudo é a necessidade de acabar com os benefícios conferidos por lei aos garimpos. O documento ressalta que – longe de operar em escala artesanal – os garimpos são organizações industriais e precisam ser tratados como tais. Por isso, o regime de Permissão de Lavra Garimpeira deve ser extinto. Além disso, o estudo pede urgência na alocação de recursos para a fiscalização da extração e comércio de ouro, para o combate aos crimes e para acabar com as operações em Terras Indígenas e Unidades de Conservação. Larissa enfatiza que as regras do setor mineral precisam ser alteradas, para acabar com as transações feitas na base da boa-fé e os benefícios dados aos garimpos. “Isso vai ajudar nos controles e na fiscalização. E são necessários, ainda, recursos e sistemas mais potentes de fiscalização. Sem eles, continuará sendo muito fácil colocar ouro ilegal no mercado”, completa. Fonte: Comunicação/ Instituto Escolhas

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Meio ambiente fora dos planos de infraestrutura

Plano Integrado de Longo Prazo da Infraestrutura é bem-vindo, mas não considera questões socioambientais relevantes Por Joana Chiavari e Luiza Antonaccio* Apesar da demanda crescente de investimentos em infraestrutura no país, permanecem falhas estruturais na governança dos investimentos públicos e privados pelo governo. A ausência de um planejamento abrangente de longo prazo para o setor tem sido a face mais visível de uma governança frágil que acarreta muitas vezes em decisões sendo tomadas seguindo a lógica do ciclo político e a seleção de projetos que carecem de suficiente racionalidade e integridade. Neste sentido, é muito bem-vinda a publicação do Plano Integrado de Longo Prazo da Infraestrutura: 2021 – 2050 (PILPI), no final de 2021, pelo Comitê Interministerial de Planejamento da Infraestrutura. Esse documento supre uma lacuna importante ao adotar o primeiro plano intersetorial de longo prazo do setor de infraestrutura na história democrática recente do país. O PILPI representa um passo significativo para alavancar a infraestrutura como um poderoso instrumento capaz de alcançar os objetivos nacionais de desenvolvimento, mas o imperativo da sustentabilidade precisa fazer parte integral desta estratégia. Ocorre que o PILPI perde a oportunidade de considerar, desde o planejamento, questões socioambientais relevantes que podem definir a viabilidade de projetos e atrair investimentos para o setor. Considerar questões socioambientais desde a fase de planejamento permite aprimorar o processo de seleção dos projetos, fazendo com que essas questões sejam analisadas e aprofundadas de forma progressiva. Essa medida aumentaria a segurança no ambiente de negócios e atrairia potenciais investidores, ao permitir que apenas projetos robustos e de qualidade chegassem à fase de implementação. Atualmente, a avaliação dos impactos socioambientais acontece tardiamente e é concentrada na fase do licenciamento ambiental, fazendo com que esse instrumento acabe se tornando um gargalo. No entanto, não há impeditivos para antecipar a análise socioambiental já a partir da fase de planejamento, e uma das formas de fazê-lo seria, justamente, incluir esta análise nos instrumentos de planejamento, em especial no PILPI. Isso já ocorre no setor de energia elétrica, por exemplo, que demonstra mais maturidade ao tratar desse tema, ao prever que todos os estudos do plano de longo prazo do setor – o Plano Nacional de Energia (PNE) – devem levar em consideração aspectos socioambientais, além de incorporar esses aspectos nas projeções de cenários. O PILPI prevê que as projeções de sustentabilidade ambiental se baseiem na Estratégia Federal de Desenvolvimento (EFD), um instrumento de planejamento de médio prazo, uma vez que nela são estabelecidos índices-chave e metas tangíveis para o eixo ambiental. No entanto, estes parâmetros podem não ser suficientes, uma vez que não incluem, por exemplo, desmatamento e a proteção de biomas, fatores essenciais para avaliar a viabilidade de projetos de infraestrutura, especialmente na região Amazônica. O PILPI faz referência, ainda, ao Guia Geral de Análise Socioeconômica de Custo-Benefício de Projetos de Investimento em Infraestrutura (Guia ACB) e, no caso do setor de transportes, também ao Plano Nacional de Logística (PNL) 2035. Ambos documentos, todavia, incorrem em limitações semelhantes à EFD. A importância de um novo planejamento é clara para viabilizar novos projetos, não só para a retomada da economia no pós-pandemia, mas, principalmente, para melhorar o bem-estar da população e a competitividade das empresas. Entretanto, o processo de planejamento precisa refletir um modelo sustentável de desenvolvimento para, a partir deste modelo, determinar quais demandas de serviços de infraestrutura e ativos subjacentes podem ser projetados no médio e longo prazos. Existe uma oportunidade clara para que o PILPI passe a incorporar componentes socioambientais na seleção de projetos que não deve ser desperdiçada. *Joana Chiavari é Diretora Associada do Climate Policy Initiative (CPI/PUC-Rio) e Luiza Antonaccio é Analista Legal Sênior, Direito e Governança do Clima do CPI/PUC-Rio. Este artigo foi, originalmente, publicado na coluna do O Mundo Que Queremos, no Um Só Planeta. Imagem: Pixabay

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As empresas devem entrar no debate sobre cidades sustentáveis na Amazônia

Para viabilizar as adaptações necessárias, setor precisa ouvir quem vive nos locais mais vulneráveis, como é o caso das cidades amazônicas Não dá mais para negar. As mudanças climáticas deixaram de ser um alerta que parecia distante e estão aí. Mudanças nos padrões de chuva, seca e temperatura já fazem parte do nosso dia a dia e estamos sofrendo os impactos delas em todas as regiões. São Paulo passou por uma crise hídrica violenta em 2013 e agora está passando por outra. As chuvas de verão da última temporada provocaram inundações, desabamento, interdição de estradas, destruição de prédios históricos e mortes em Minas Gerais e na Bahia. Uma onda de calor fora do normal na região Sul já está perturbando a vida das pessoas gerando problemas de saúde ou, no mínimo, dependência de ar condicionado. A elevação do nível do mar também está causando problemas de salinização no maior rio do mundo, o Amazonas, deixando comunidades ribeirinhas do Amapá sem água potável. Esses são só alguns exemplos, temos tantos que esse artigo poderia ser inteiro uma lista deles. Mas vamos tentar falar do que podemos fazer, além de mudar de adotar hábitos mais sustentáveis no nosso dia a dia e exigir políticas que mitiguem esses efeitos num futuro próximo. Vai ser preciso e urgente adaptar as cidades ao novo clima e também mudar suas dinâmicas para que elas também emitam menos, ou seja, para que a gente não fique enxugando gelo enquanto o calor aumenta cada vez mais. E essa adaptação vai gerar negócios. Teremos muito trabalho pela frente. Vamos precisar melhorar os canais, criar parques, áreas verdes e outras soluções para reduzir a impermeabilização do solo, como telhados verdes ou jardins de inundação. Também vamos precisar investir em sistemas de uso mais eficiente de água e energia e em cidades mais preparadas para conviver com o calor, com mais arborização, prédios que esquentam menos e aproveitem, por exemplo, ventilação e luz natural, o que também ajuda a reduzir as emissões das cidades. Mesmo soluções mais simples, como reciclar o lixo e investir em ciclovias e transporte público, ainda não são realidade em muitas das nossas cidades, especialmente as fora do eixo sul-sudeste, mas precisam passar a ser. Isso sem falar no potencial criativo para novas soluções, que são muito bem-vindas. Tudo isso gera negócios que, além de emergenciais e de extrema importância, serão bem pagos, justamente por isso. As empresas, que vão oferecer esses serviços e soluções precisam, além de boas ideias, participar das discussões sobre o assunto. Isso porque está cada vez mais claro que ideias pensadas em um escritório podem não ser as melhores saídas para quem, de fato, vive nas regiões onde elas serão aplicadas. É o caso dos municípios amazônicos, que possuem muitas especificidades que as tornam, inclusive, mais vulneráveis às mudanças climáticas, como o fato de serem banhadas por rios e a grande distância entre as cidades. E essa é uma região chave, na qual o planeta todo está de olho. Já sabemos que para cuidar das florestas, precisamos cuidar das cidades, mas, para isso, precisamos conversar com quem vive nelas. As organizações da sociedade civil e lideranças locais são peça-chave nesse processo, pois sabem do que estão falando e conhecem mais do que ninguém soluções para os problemas que enfrentam. Isso quer dizer que o conhecimento das populações locais e comunidades tradicionais é fundamental para o planejamento de cidades sustentáveis. O que as empresas devem fazer então? Ouvir e, sem seguida, colocar a mão na massa. Para Fábio Ferraz, economista e pesquisador da urbeOmnis, o debate sobre sustentabilidade urbana ou cidades sustentáveis tem de se dar de modo interinstitucional, o que inclui a participação ativa das empresas e da iniciativa privada em geral. “Se, por um lado, os cidadãos e consumidores tendem cada vez mais a optar por produtos e serviços que agreguem a responsabilidade socioambiental, por outro, os órgãos públicos também tendem a criar novas regulamentações que implicam em maior controle sobre os impactos das atividades econômicas, assim como priorizar fornecedores ‘mais sustentáveis’. Some a isso uma multiplicidade de oportunidade de negócios e lucros que estão surgindo com a economia circular, de baixo-carbono e tantas outras novas economias”, afirma. Fábio é coordenador do projeto “Nós Fazemos a Cidade”, desenvolvido pelo GT Infraestrutura em parceria com Fundo Casa Socioambiental e Fundação Vitória Amazônica, que lançou um guia, um estudo técnico e uma série de vídeos sobre a adaptação das cidades amazônicas às mudanças climáticas. O material está disponível, gratuitamente, no site do GT Infraestrutura, e deixa claro que precisamos pensar em projetos que tenham o foco nas pessoas, pois a infraestrutura do concreto já provou que deve fazer parte do nosso passado, como bem ilustram os exemplos do início desse texto. A Amazônia 2030, iniciativa de pesquisadores brasileiros para desenvolver um plano de desenvolvimento sustentável para a Amazônia brasileira, também tem as cidades no centro do debate. “Elas são o espaço onde tudo acontece, onde o trabalho se realiza, onde as pessoas se educam, se divertem. Para que haja sucesso no desenvolvimento da Amazônia Legal é preciso não apenas capital físico, recursos naturais que se transformam em matéria-prima, mas também capital humano, ou seja, pessoas qualificadas, e essas pessoas buscam associar ao trabalho, qualidade de vida”, explica Flavia Chein, pesquisadora do projeto e professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). A especialista destaca que uma cidade sustentável também precisa ter bons indicadores de habitabilidade urbana, ou seja, a habitação tem que ser avaliada em seu sentido mais amplo, englobando o direito à cidade, ou seja, de estar inserida na malha urbana. “Nesse conceito a habitação tem relação com a rede de infraestrutura, possibilidade de acesso aos equipamentos públicos, pertencimento ao território urbano e inclusão, fatores que têm relação direta com a qualidade de vida encontrada nas cidades”, detalha. Ela também deixa claro que pensar a habitabilidade urbana não deve ser apenas um compromisso dos gestores públicos, mas também, inevitavelmente, um compromisso das empresas. “Uma cidade sustentável é capaz de atrair mais

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O que esperar das cidades no século XXI

Vivemos o século das cidades habitáveis, inclusivas, resilientes, circulares, sustentáveis e, por consequência, inteligentes Fábio Ferraz* Dizer que o século XXI é o século das cidades significa dizer que as cidades podem atuar como espaços e como protagonistas do processo de substituição dos atuais modelos de produção e consumo que degradam o meio ambiente e perpetuam as desigualdades sociais por modelos mais sustentáveis. Significa também que cada vez mais a população mundial será predominantemente urbana. Em 2020, 4,4 bilhões de habitantes – 56,2% da população do planeta – vivia em cidades com a previsão, segundo a ONU, desse número atingir 6,7 bilhões de habitantes (68,4% da população) em 2050. Ou seja, a população urbana cresce de modo absoluto e relativo. Muito mais em países da Ásia e África que na América e Europa. E se crescem as necessidades de energia e recursos naturais para proporcionar “qualidade de vida” urbana também crescem os níveis de geração de gases de efeito estufa e de resíduos uma vez que se mantêm os padrões de produção e consumo. Em certo sentido, essa é a história do aquecimento global e das consequentes mudanças climáticas. Com a revolução industrial e o início da produção em massa em fins do século XVIII – e mais aceleradamente com o uso de motores a combustão e queima de combustíveis fósseis em fins do século XIX – a humanidade passou a atuar decisivamente para desregular os processos climáticos e ecológicos em níveis locais e globais. Tanto é assim que as variações de temperatura e os estudos sobre aquecimento global realizados pelo IPCC tomam como base os níveis pré-industriais. Importa frisar que urbanização, industrialização e modernização sempre estiveram articuladas e é sobre essa articulação que as cidades se impõem como solução de seus problemas em nível local, regional e global conquanto novas condições sejam estabelecidas. Se por um lado, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável sustentam que as cidades sejam transformadas em ambientes mais inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis, por outro, os meios técnico-científico e negocial sugerem que as mesmas se tornem mais inteligentes e conectadas pelo uso das tecnologias de informação e comunicação. Para não cairmos no discurso fácil, temos de considerar as diferentes realidades das cidades ao redor do mundo sejam por características geopolíticas e econômicas, seja por escala e capacidades administrativas e institucionais. As cidades brasileiras, por exemplo, convivem desde sempre com déficits de saneamento e habitação, transportes e mobilidade, áreas verdes e espaços públicos, mas também déficits de negócios e empregos, saúde e educação. Por outro lado, tais cidades trazem consigo diversas capacidades e oportunidades representadas pelos capitais físico-financeiro, social, humano e institucional. Do mesmo modo, não é possível relegar o papel do governo federal e estados bem como das condições que o pacto federativo – que organiza as leis, arrecadação de recursos, obrigações financeiras e os campos de atuação dos entes federativos – impõe às cidades. Com a constituição de 1988, os municípios (e suas cidades) adquiriram status de ente federativo, mas também receberam diversas responsabilidades as quais têm tido dificuldades em cumprir. Uma vez que as cidades são os lugares de centralidade dos territórios, é das cidades que devem irradiar as políticas ambientais, de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, por exemplo. Não há como a Política Nacional sobre a Mudança do Clima e o Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas serem aplicados devidamente se não por meio dos municípios e, mais especificamente, das cidades sendo o mesmo raciocínio válido para praticamente todas as políticas nacionais de saneamento, habitação, mobilidade etc. Mais do que repetir que o século XXI é o século das cidades, devemos frisar que o mesmo deve ser o século das cidades habitáveis, inclusivas, resilientes, circulares, sustentáveis e, por consequência, inteligentes. Muitas cidades têm avançado nessa articulação e estão transformando suas respostas buscando integrar questões ambientais aos déficits nos sistemas urbanos e à burocracia municipal. Mais ainda, e muito importante, têm buscado envolver a sociedade civil e atores privados nos processos de planejamento e gestão. Um projeto recente, desenvolvido pelo GT Infraestrutura com o apoio do Fundo Casa Socioambiental e da Fundação Vitória Amazônica, ressaltou o papel da sociedade civil organizada na construção de ações de adaptação de cidades amazônicas às mudanças climáticas articuladas às políticas públicas urbanas e ao fortalecimento das capacidades administrativas e financeiras. Na mesma direção, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e, mais recentemente, os Objetivos de Desenvolvimento Urbano Sustentável propostos pela Política Nacional de Desenvolvimento Urbano são grandes oportunidades que se colocam às cidades para buscar resolver seus problemas estruturais e proporcionar melhor qualidade de vida às suas populações mas exigem que parcerias intersetoriais e intergovernamentais sejam consolidadas sob pena de vivenciarmos o século das cidades caóticas. *Especialista em planejamento e gestão de políticas públicas para cidades inteligentes e sustentáveis. Economista, fundador e diretor-executivo da urbeOmnis.   Este artigo foi publicado, originalmente, na coluna do O Mundo Que Queremos, no Um Só Planeta.   Imagem: Fábio J. Ferraz/urbeOmnis

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Conhecimentos das comunidades tradicionais são fundamentais para o planejamento de cidades sustentáveis

Necessidades de valorizar a biodiversidade da floresta e pensar em uma infraestrutura que considere a natureza e as pessoas foram pontos de destaque no último dia de debate O conceito e as práticas de desenvolvimento sustentável e a Agenda 2030 da ONU são, juntamente com os esforços de adaptação, oportunidades de influenciar mais efetivamente na construção de políticas públicas urbanas sustentáveis. Mas essa teoria precisa considerar a prática das comunidades tradicionais. Esse foi um dos pontos centrais do último webinário da série “Nós Fazemos a Cidade”, realizado nesta quinta-feira (20/1), com transmissão pelo Youtube do GT Infra. “É um projeto de desenvolvimento inadequado, ineficiente e caro” “O desafio da Amazônia é do tamanho dela”, afirmou Claudio de Oliveira, membro da secretaria executiva do GT Infra, um dos convidados do encontro. Ele destacou como é difícil convencer uma pessoa que ela está errada, quando as coisas estão aparentemente dando certo, citando números do agronegócio, que cresce na região da floresta. “É um projeto de desenvolvimento inadequado, ineficiente e caro”, observou, destacando que quem pensa esses projetos não está preocupado com o amanhã, mas como o agora, com o lucro. “Precisamos que as pessoas percebam a necessidade de desmatamento zero e também de reflorestamento”. Para Claudio, entre os caminhos para a Amazônia estão a biotecnologia, a biodiversidade e a inovação. “Mas é necessário haver uma infraestrutura que possibilite isso”, afirmou. Ele também lembrou que o GT Infraestrutura também vai lançar, em breve, um trabalho, conduzido pelo professor Ricardo Abramovay, sobre a infraestrutura que queremos. Esse trabalho foi construído levando em conta o conhecimento de quem vive na floresta que, segundo ele, é o que todos os projetos para o desenvolvimento sustentável da região deveriam fazer. “A primeira dimensão é considerar a natureza como uma infraestrutura e o segundo é a necessidade de uma infraestrutura para as pessoas”, adiantou. “As cidades não são seguras para enfrentar esse momento” “A pandemia levou muita gente que vivia nos centros urbanos a buscar as comunidades ribeirinhas e indígenas como um refúgio. O que nos leva à conclusão que as cidades não são seguras para enfrentar esse momento”, afirmou Iremar Antonio Ferreira, membro da coordenação do Instituto Madeira Vivo. “Quem não pôde voltar, articulou para que os conhecimentos tradicionais viessem para ajudar a enfrentar esse vírus desconhecido”, completou, lembrando que os sistemas de saúde colapsaram em muitas cidades da região da floresta. “Ou seja, nossas cidades não são sustentáveis, seus planejamentos não consideram os conhecimentos das populações tradicionais que compõem esses espaços”, lamentou. Iremar acredita que o caminho para as cidades é pensá-las na integração com as florestas e os rios, visando protegê-los antes de qualquer coisa. Segundo ele, temos muito a aprender com a natureza. “Ao colocar iluminação por toda a cidade, esquecemos que o escuro é parte integrante da manutenção do ciclo da vida. A gente luta para que todas as ruas sejam iluminadas porque temos medo da criminalidade, por exemplo. Mas, nos esquecemos que precisamos do escuro para recarregar nossas energias para o dia seguinte e já acordamos saturados”, provocou. “A gente coloca o setor privado para pôr a mão na massa” Sob um prisma um pouco mais econômico, Augusto Corrêa, secretário executivo do Parceiros Pela Amazônia (PPA), lembrou que essa discussão é sobre um território que está sob risco, porque precisamos garantir a floresta em pé e melhorar o Índice de Desenvolvimento Urbano, entre outros desafios. Ele explicou que a PPA é uma plataforma de ação coletiva liderada pelo setor privado que busca fomentar soluções de desenvolvimento sustentável para a Amazônia, mobilizando os atores locais e catalisando iniciativas que atuam nesse ecossistema de impacto. “Tudo isso só é possível porque temos parceria com grandes empresas que atuam na Amazônia. A gente coloca o setor privado para pôr a mão na massa e se aproximar dessas iniciativas não só com recursos, mas também com a colaboração ativa de seus colaboradores”, explica. “Os problemas ambientais e sociais jamais podem ser dissociados” Com ampla experiência no mercado financeiro, Luciano Gurgel, diretor executivo da Artemisia, destacou como a falta de financiamento e capital de giro pode perpetuar ciclos de pobreza que se prolongam por gerações. “Economistas são muito pouco afeitos ao trabalho de campo. Eles vão à bolsa de valores e acham que estão fazendo trabalho de campo”, comentou, citando um trabalho do professor Muhammad Yunus, autor do livro “O Banqueiro dos Pobres” e criador do movimento mundial de microcrédito. “Ele faz essa descoberta, que uma das causas da pobreza é a falta de acesso ao crédito que dá às pessoas da base da pirâmide exercitarem seu papel empreendedor, uma forma de protagonismo sobre suas próprias vidas”. Conversando com diversas organizações e arranjos produtivos, a Artemisia hoje incentiva o empreendedorismo de base comunitária, apontado por Luciano como uma das soluções para as cidades amazônicas. “Os problemas ambientais e sociais jamais podem ser dissociados”, comentou. “A grande barreira de contenção ao desmatamento é o favorecimento de condições econômicas”, completou. Para o especialista, proteger economicamente as populações que vivem na região é fundamental porque elas são as verdadeiras garantidoras da permanência da floresta em pé, que vale muito mais e influencia na forma de se viver também nas cidades. Nós Fazemos a Cidade O encontro foi o último do ciclo “Nós Fazemos a Cidade”, uma série de encontros online sobre as cidades amazônicas e a adaptação delas às mudanças climáticas. Nesta terça (18/1), o primeiro evento tratou do planejamento urbano e adaptação de cidades amazônicas às mudanças climáticas. Nesta quinta (20/1), o último webinário vai falar sobre desenvolvimento sustentável e adaptação de cidades amazônicas às mudanças climáticas, às 16h (Brasília), com transmissão pelo Youtube do GT Infra. Como parte do mesmo projeto, o GT Infraestrutura, em parceria com o Fundo Casa Socioambiental e a Fundação Vitória Amazônica, também acaba de lançar o guia “Nós Fazemos a Cidade”, uma cartilha que destaca o papel das organizações da sociedade civil de nível local e apresenta um roteiro para planejamento, gestão e governança de políticas públicas para adaptação das cidades às

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