Infraestrutura na Amazônia, sim, para o amazônida
Tecnologias de ponta na ponta Caetano Scannavino* A usina de Tucuruí no Pará foi inaugurada nos anos 80 para gerar energia ao país e à indústria do alumínio. As comunidades do entorno, além de conviverem com os impactos do empreendimento, só tiveram acesso à luz elétrica vinte e poucos anos depois. Os paraenses seguem pagando a maior tarifa da federação, apesar do estado ser o 2º maior produtor de energia do Brasil. E seguimos exportando alumínio para importar bicicletas de alumínio. Em geral, a visão nacional de desenvolvimento ainda nos remete a grandes projetos de infraestrutura na Amazônia, sejam minerários, hidrelétricos ou viários. Planejados para atender o resto do país, nem sempre se convertem devidamente em benefícios para os quase 25 milhões de brasileiros que vivem no bioma. Se comparada com outras regiões, há um abismo infra-estrutural gigantesco no acesso dos amazônidas às políticas sociais e aos serviços básicos de saúde, educação, energia, transportes, comunicações e saneamento. A luz elétrica já alcançou 98% dos lares brasileiros, mas é na Amazônia onde se encontra grande parte dos excluídos. Isso traz um limitante para qualidade de vida não apenas pela iluminação, como também para as telecomunicações, agregação de valor nas cadeias produtivas, conservação de alimentos e medicamentos. Com a Covid-19, as mazelas sociais amazônicas ficaram ainda mais escancaradas quando vimos que São Paulo entrou na pandemia com um respirador para cada 2,4 mil habitantes, enquanto em Macapá/AP havia um aparelho para cada 9 mil, ou em Santarém/PA, um para cada 20 mil. Como agravante, além da insuficiência de respiradores, vimos locais colapsados também pela falta de oxigênio para abastecê-los. Enquanto mais de 90% da população do Sudeste têm acesso à rede de água, esse número cai para apenas 57% na região Norte, onde somente 10,5% dos seus moradores têm esgoto coletado (Trata Brasil/2020). É um paradoxo que na maior bacia de água doce do mundo, em cima do maior aquífero do Planeta, com reservas que poderiam abastecer a humanidade por 250 anos, os ribeirinhos sofram de estresse hídrico, dependentes das águas contaminadas dos rios. É a origem de boa parte das doenças e maior causa da mortalidade infantil, decorrente das diarréias e da desidratação. Sem querer desmerecer as devidas preocupações com as florestas, com o desmatamento, o fato é que não basta só o ambiental sem respostas ao social. Segundo a pesquisa Decisores da Amazônia (Mundo Que Queremos / Clima e Sociedade), a saúde é vista como o principal problema para três em cada quatro moradores da Amazônia Legal, entendida como a área mais carente em infraestrutura nos municípios da região. E num território onde municípios têm o tamanho de países – dos dez mais extensos do mundo, seis estão na Amazônia – o quadro de exclusão é ainda mais agudo nas zonas rurais, com populações dispersas, esparsas, de difícil acesso, e altos custos logísticos. Como as políticas básicas são de competência dos governos locais, a conta jamais fechará se a equação continuar simplificada ao número de habitantes versus receitas. Não são fáceis os desafios de uma Prefeitura como a de Altamira/PA para distribuir a merenda escolar seguindo o padrão custo-aluno ou implementar a atenção básica via tabela SUS junto aos seus cidadãos espalhados em uma área maior que a Grécia ou Portugal. Para isso, estratégias diferenciadas que atendam às peculiaridades amazônicas devem ser priorizadas na formulação de políticas para região, adaptadas e includentes, assim como o estímulo às alianças, à participação local e ao desenvolvimento de tecnologias sociais apropriadas, demonstrativas e escaláveis para impactar o território como um todo. Já existem algumas iniciativas neste sentido. Temos visto melhores resultados quando tomadores de decisão adotam uma postura mais proativa de cooperação e soma de esforços mobilizando comunidades, associações de bairros, academia, organizações do terceiro setor e programas de responsabilidade empresarial. Um bom exemplo vem do Tapajós, com o modelo de saúde básica através do barco-hospital Abaré tendo virado política pública nacional. A experiência implementada pela ONG Projeto Saúde e Alegria (PSA), junto com as Prefeituras locais e representações comunitárias, inspirou a Estratégia de Saúde da Família Fluvial. Lançada há pouco mais de 10 anos pelo Ministério da Saúde, tem apoiado os municípios da Amazônia e do Pantanal, contando hoje com mais de 60 embarcações de atendimento (UBSF) à ribeirinhos de zonas remotas. Em meio a pandemia, vale destacar também o trabalho da ONG Expedicionários da Saúde, com as Unidades de Atenção Primária Indígena no apoio aos DSEIs (Distrito Sanitário Especial Indígena). Desenhadas para o enfrentamento das síndromes gripais e da Covid-19, as UAPIs contam com uma configuração de equipamentos que permite inclusive o tratamento de oxigenoterapia nas próprias aldeias, reduzindo assim situações de agravos e remoções para as cidades. No campo do saneamento, seja através do PSA ou de outras organizações afins, tem-se inovado em tecnologias de captação de chuvas, sistemas de abastecimento e tratamento da água, movidos a energia solar, sem necessidade de diesel ou baterias, o que facilita a sustentação pelos próprios moradores. Assista aqui o vídeo de Saneamento e Água nos Munduruku. Empreender em pólos isolados e longínquos demanda soluções que tenham resolutividade, garantias de manutenção, e gerem autonomia comunitária. Se por um lado as coisas demoram mais para chegar na Amazônia, que quando cheguem, sejam o que há de mais avançado. Por outro lado, para que se constituam em tecnologias de ponta, na ponta, é preciso desenvolvê-las junto com a comunidade, de forma adequada ao universo cultural e capacidades locais para sua boa gestão. Caso contrário, corre-se o risco de aumentar a manada de elefantes brancos dos tantos empreendimentos que, mesmo bem-intencionados, hoje se encontram abandonados no meio do mato. Por isso a importância dos movimentos de base (indígenas, quilombolas, agroextrativistas), das organizações não-governamentais, dos projetos de extensão e das parcerias público-privadas que atuam na ponta com metodologias participativas de cocriação e empoderamento comunitário. Nesse sentido, modelos de energias renováveis para eletrificação rural, de telecentros de acesso a internet para inclusão digital, de processamento de alimentos, de beneficiamento de produtos florestais para agregação de valor, entre outras
Quem vai investir na Ferrogrilo, o novo caminho para a grilagem na Amazônia?
Por que os bancos devem evitar um projeto de ferrovia que tem utilidade logística questionável, corta a floresta ao meio e estimula o roubo de terra pública por Alexandre Mansur e Angélica Queiroz O Brasil tem um desafio de infraestrutura gigantesco, que é maior ainda se pensarmos na área de logística para o transporte de cargas. A maior prova disso é a quantidade desproporcional de carga que o Brasil tem transportado por caminhão. Essa é a pior maneira de fazer uma mercadoria viajar longas distâncias. É mais cara, mais poluidora, com maiores riscos de perdas de produtos e até de vidas, por conta dos acidentes nas estradas e de caminhoneiros trabalhando em péssimas condições. Isso tudo é uma distorção do sistema logístico de cargas do país e mudar os modais é fundamental. Precisamos investir em meios mais eficientes, ambientalmente, socialmente e economicamente melhores. Ferrovias são ótimas opções nesse sentido. O problema é que esse tipo de obra exige um bom planejamento. E esse não tem sido o forte do Brasil nos últimos anos. Um dos motivos é que as decisões das grandes obras não são feitas de forma técnica, mas num balcão de negociações políticas e econômicas, com interesses bastante escusos. Basicamente, ao invés de um olhar amplo para comparar todas as alternativas possíveis para transportar aquele volume de cargas e desenvolver aquela região como um todo, cada grupo de empreendedores inventa uma obra e faz articulações para empurrar esse projeto garganta abaixo da população e, inclusive, dos financiadores. Outro motivo pelo qual o Brasil não tem tomado boas decisões nessa área é que elas não consideram os aspectos socioambientais. Apesar de sermos a maior potência ambiental do mundo, termos a maior floresta tropical do planeta e enormes vantagens competitivas em produzir com baixa emissão, por algum motivo ainda não levamos isso em conta na hora de pensar grandes projetos. As decisões são tomadas ignorando todos os impactos sociais e ambientais, como se eles não existissem e pudessem ser abafados pela roda do trator, mandando prender e calar a boca de quem defende os interesses dos atingidos e, inclusive, desmontando as agências reguladoras ambientais que defendem os recursos naturais dos quais dependemos. É o caso de um projeto que os proponentes batizaram de “Ferrogrão” para tentar enganar os incautos. O projeto prevê a construção de uma ferrovia que cruza 933 km da Floresta Amazônica preservada. O argumento é que ligaria áreas produtoras do centro-oeste brasileiro ao complexo de terminais de transbordo fluvial de Miritituba, na cidade de Itaituba, às margens do rio Tapajós, no estado do Pará. A obra consta entre as prioridades previstas pelo Plano Nacional de Logística 2035 (PNL), mesmo sendo a pior opção para transportar grãos do Centro-Oeste. Ela é fruto de um lobby de um pequeno grupo de produtores de grãos que vai se beneficiar, não necessariamente porque essa é a melhor maneira de transportar a carga, mas porque vai ser aberto um filão de desmatamento e grilagem no coração da Amazônia. Ou seja, terra pública vai ser convertida em área de especulação, invasão, violência, roubo e pressão para transferência de terra preservada para terra desmatada para gado ou plantio. É a Ferrogrilo. Como transporte de grãos, a Ferrogrilo é desnecessária. Existem várias rotas melhores que saem do mesmo ponto de partida e levam para portos maiores no litoral. Uma rota melhor é a expansão da Ferronorte, que pode ligar Lucas do Rio Verde (MT) à malha ferroviária de São Paulo e aos portos de Santos (SP) e Paranaguá (PR). Outra opção é a Ferrovia de Integração Centro-Oeste que tem projeto de ligar Vilhena (RO) à Ferrovia Norte-Sul, permitindo o escoamento de grãos pelo porto de Itaqui (Maranhão) e por portos da Bahia com o projeto da Ferrovia da Integração Oeste-Leste (Fiol). As rotas para o leste levam a soja para portos com capacidade de receber navios maiores, mais econômicos, eficientes e menos poluidores. Além disso, as rotas para o leste têm mão dupla. Além de escoar a produção do Mato Grosso, também trazem bens e insumos do Sul e do Sudeste do Brasil, permitindo um desenvolvimento geral do Centro-Oeste. Com tantas rotas melhores e mais baratas pelo leste, a Ferrogrilo simplesmente não teria demanda. Diante do risco da Ferrogrilo, é fundamental que os bancos cumpram um pouco do papel racional que falta em outras instâncias. Na ausência de um planejamento inteligente das grandes obras, os financiadores podem e devem ocupar esse espaço em sua própria defesa, resguardando o próprio capital que eles vão investir. Os bancos precisam começar a pensar em todos os aspectos que não estão sendo considerados na hora de pensar em grandes obras de infraestrutura de transportes, como a Ferrogrão – ou Ferrogrilo. Essas instituições precisam fazer essa análise mais ampla de qual é o problema a ser resolvido, do que aquela região precisa para se desenvolver e de qual é a melhor maneira de transportar aqueles produtos para o mercado consumidor. É preciso trabalhar com várias opções e comparar o custo, impacto e risco de cada possibilidade. Friamente, com todas as variáveis envolvidas, sem favorecimento prévio de nenhuma, para tomar uma decisão racional. É para ajudar os bancos a fazer isso que o GT Infraestrutura, um grupo de mais de 40 organizações socioambientais, elaborou um levantamento extenso e profundo mostrando os impactos, os riscos e as inconsistências do projeto da Ferrogrão. O trabalho virou uma carta para os bancos pedindo que eles considerem os riscos ambientais, sociais e financeiros de apostarem nessa aventura. Segundo os autores, se as instituições interessadas em investir no projeto não avaliarem esses pontos, correm o risco de se tornar “solidariamente responsáveis por danos socioambientais que vierem a ocorrer”. Há riscos de ordem legal, ambiental e financeira. “O projeto da ferrovia subestima ou ignora os impactos ambientais da obra sobre unidades de conservação e terras indígenas; subestima riscos jurídicos e desconsidera a presença de concorrentes. Em conjunto, tais falhas ameaçam sua viabilidade econômica, e tornam o projeto, caso seja implementado, uma obra prejudicial para a Amazônia
Como navios gigantes podem reduzir os custos e os impactos ambientais da exportação brasileira
No transporte de carga, o tamanho gera economia de escala, eficiência e redução nas emissões. Mas para receber os maiores navios do mundo o Brasil precisa reformar os portos Por Larissa Magalhães* O Brasil é um dos maiores exportadores do mundo, principalmente de commodities agrícolas e minerais. Nosso país é líder mundial na exportação de grãos de soja e milho e o segundo maior na exportação de farelo de soja, respondendo por 54% do comércio internacional de soja. Apesar disso, esse setor enfrenta hoje no país uma série de gargalos que aumentam custos no setor. O desafio atual desse mercado no Brasil é a necessidade de ter uma logística e estrutura mais sustentável, com corredores de transporte portuário verdes, tecnologias superiores e maior eficiência energética. A construção de um sistema benéfico para o meio ambiente, alinhado a um crescimento social do país, é a base fundamental para uma solução econômica e lucrativa. Uma das saídas para reduzir as emissões de nossas exportações está no tipo de navio que se usa. Existem a grosso modo dois tipos de navios: os que conseguem passar nos canais do Panamá e de Suez (chamados Panamax e Suezmax) e os que são tão gigantes que não passam nesses gargalos e precisam dar a volta pelo Cabo da Boa Esperança (chamados Capesize). Os navios do tipo Capesize usam menos combustível para carregar cada tonelada de carga. Com isso são mais econômicos, o que representa vantagem financeira para o exportador e aumenta a competitividade de preço para o país que vende. Como gastam menos combustível, também emitem menos gás carbônico, reduzindo seus efeitos nas mudanças climáticas. O problema é que os navios Capesize exigem portos capazes de recebê-los. O Terminal de Produtos Diversos (TPD) de Tubarão, no Espírito Santo, é o que possui mais estrutura de acostagem para navios graneleiros de maior porte, os chamados “supernavios”. O calado, isto é, a profundidade de uma embarcação em relação ao seu ponto mais baixo e a superfície da água, dos maiores navios graneleiros da classe Panamax tem até aproximadamente 14 metros e as instalações portuárias brasileiras que estão capacitadas para operar esses navios em sua capacidade máxima, ou muito próxima dela, são os terminais localizados em Barcarena (PA), o Porto do Itaqui (MA), o Terminal Portuário de Cotegipe (BA), o Terminal de Tubarão (ES) e o Porto de Santos (SP). Em Aracruz, no Espírito Santo, está em construção um complexo de terminais privados de nova geração em Aracruz, no Espírito Santo, o Porto Imetame, que além de operar com contêineres e carga geral será o primeiro planejado para operação de grandes navios graneleiros no Brasil. Ele terá profundidade de 17 metros, que permite receber os navios Capesize, de 150 mil toneladas. Seus terminais terão capacidade para receber navios de 366 metros de comprimento, sem limitação de carga. O porto, que tem início de operação previsto para 2024, obedecerá às novas regras de transporte marítimo da IMO (International Maritime Organization), que prevêem redução nas emissões de gases de efeito estufa. A previsão é de que o porto receba principalmente cargas vindas de Minas Gerais, Goiás e leste do Mato Grosso, pela Estrada de Ferro Vitória Minas (EFVM) e por via rodoviária. A construção de um Porto para Capesize é um grande alavancador para um corredor logístico, e viabiliza um corredor Leste que poderá despachar 10 milhões de toneladas de grãos por ano. O Brasil também pode reformar outros portos marinhos para receber os navios Capesize. Com isso, as rotas de escoamento dos produtos minerais, da soja do Centro Oeste e de outras mercadorias é mais competitiva pelo oceano. Fábio Meirelles Filho, presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Minas Gerais (Aprosoja), defende a importância de se debater o tema, já que o Brasil possui 8.000 km de mar em sua costa. Para ele, o investimento em portos capazes de receber navios maiores tornaria o país cada vez mais competitivo e com capacidade de atender o mundo com rapidez e tranquilidade, baixando custos. “Precisamos dos grandes navios para levar o que produzimos e também para trazer os insumos. É uma linha de mão dupla. Precisamos de navios cada dia maiores”, afirma. “A tendência dos navios é aumentar de tamanho e capacidade para reduzir custos. Precisamos urgentemente investir na melhoria dos portos marítimos. Isso atenderia o interesse de outros setores, como manufaturados, que ficariam mais competitivos para exportação no Brasil.” A entrada dos supernavios no mercado aumenta ainda mais a vantagem das rotas de transporte de soja do Centro Oeste para o leste e torna ainda mais absurda a ideia de tentar construir saídas pelo norte, cortando a Amazônia. Além de economicamente inviáveis, as saídas pela Amazônia também seriam ecologicamente e socialmente piores. É o que apresenta uma carta produzida pelo GT Infraestrutura para os grandes bancos do Brasil. A carta faz um levantamento técnico de um projeto para construir uma ferrovia rasgando 933 km da Floresta Amazônica. Os defensores da Ferrogrão, a Ferrovia EF-170, justificam que ela levaria soja do Mato Grosso para Itaituba (PA). Mas os custos são impagáveis, segundo o estudo, e as alternativas com saídas para o oceano parecem ter muitas vantagens. Sérgio Guimarães, secretário executivo do Grupo de Trabalho (GT) Infraestrutura, rede de mais de 40 organizações que tratam do tema no Brasil, afirma que toda informação disponível sobre o assunto enseja reflexões sobre as alternativas existentes para que o setor agropecuário brasileiro siga promovendo benefícios socioeconômicos ao país, mas de forma mais sustentável. “A saída das exportações brasileiras para o leste é economicamente e ecologicamente bem mais razoável do que qualquer ideia mirabolante de cortar a Amazônia tanto por ferrovia, isolada do sistema ferroviário brasileiro, quanto por hidrovia com altíssima intensidade de tráfego”. É claro que a logística de carga no Brasil depende de outras mudanças para ficar mais sustentável. Ainda com o objetivo de promover eficiência energética e preservação ambiental, um outro ponto relevante de investimento no setor agrícola brasileiro é o de desenvolvimento de corredores verdes para transporte de mercadorias.
Como deixar o país à prova de apagão
Se Brasil diversificar suas fontes renováveis de energia, investindo em eólicas e solares, teremos contas mais baratas e mais segurança Estamos vivendo uma crise hídrica grave. A Agência Nacional de Águas declarou situação crítica em pelo menos cinco estados. O problema fica mais sério porque algumas grandes hidrelétricas ficam nesse local, o que coloca o país todo em risco de apagão. A crise é provocada por uma redução nas chuvas. Como todo mundo sabe (ou deveria saber), as chuvas que caem sobre o Brasil são geradas pelas florestas. Só em maio, a destruição da cobertura vegetal – que presta o serviço insubstituível de tirar água do solo e lançar na atmosfera – foi quase do tamanho da cidade do Rio de Janeiro, segundo dados do Sistema de Alerta do Desmatamento (SAD), levantamento feito pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Não é a primeira vez que estamos vivendo risco de racionamento de energia. Esses episódios são agravados pelas mudanças climáticas, cada vez mais presentes.O desmatamento age duplamente: acentuando os efeitos do aquecimento global e prejudicando o regime de chuvas. A falta de água fica ainda mais grave porque o Brasil tem uma matriz energética muito dependente das hidrelétricas — mais de 60% da nossa energia vem delas. Por isso, fica ainda mais suscetível a essas alterações. Se dependemos de hidrelétricas, as árvores deveriam ser consideradas infraestrutura básica. Além de parar de destruir as florestas que geram as chuvas, outra medida importante para evitar novas crises energéticas poderia ser rever o planejamento do modelo brasileiro. É o que defendem alguns especialistas. O 13º episódio do podcast Infraestrutura Sustentável, do GT Infraestrutura, convidou Ricardo Baitelo, do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), para falar sobre a questão. Ele acredita que a atual crise poderia ter sido evitada se tivéssemos tomado decisões energéticas diferentes no passado, com uma diversificação maior da matriz energética. “Quando vivemos um momento emergencial, a margem de tomada de decisões é muito menor. A solução tem que se iniciar antes, para que a gente possa colher os frutos a tempo”, afirma Baitelo. Uma das saídas, segundo ele, é investir em outras fontes ambientalmente favoráveis e socialmente justas. E o Brasil é um país continental privilegiado nesse sentido, com território continental que nos garante opções múltiplas de fontes renováveis. Baitelo acredita que, com um planejamento adequado, poderíamos ter uma participação maior das fontes eólica e solar, por exemplo. Além de ser mais sustentável, o investimento nesse tipo de fonte evitaria o acionamento das térmicas, que são poluentes e caras, pesando no bolso do consumidor e para agravar os problemas ambientais do planeta. “Elas podem cobrir essa lacuna de demanda em momentos emergenciais, mas não devemos fazer um planejamento baseado nelas” O Brasil precisa dar condições básicas para que as indústrias que investem em fontes renováveis diversificadas de energia, para além das hidrelétricas, continuem se desenvolvendo. Regras claras para que elas sejam competitivas e possam atender a matriz de forma crescente são algumas delas, segundo Baitelo. “Com esse caminho e com outras discussões regulatórias é possível o Brasil continuar caminhando para uma descarbonização, que é necessária. Estamos ficando para trás, mas temos condições de chegar lá também.” Este artigo foi escrito por Angélica Queiroz e Alexandre Mansur e, originalmente, publicado na coluna Ideias Renováveis, da Exame.
O Brasil se distancia cada vez mais da infraestrutura sustentável
por Ricardo Abramovay A infraestrutura das sociedades contemporâneas será cada vez menos a ossatura e cada vez mais a inteligência do crescimento econômico. Não se trata de oferecer, de forma genérica, os bens públicos para que o setor privado possa expandir suas iniciativas, mas sim de moldar estas iniciativas em direção a finalidades que envolvem os dois maiores desafios contemporâneos: o avanço da crise climática e o aprofundamento das desigualdades. Que isso atinja a própria concepção do que significam e quais devem ser as infraestruturas que estão desenhando nosso destino representa imenso avanço democrático, do qual o Brasil está se distanciando. O que está em jogo não é só o fato de que a infraestrutura dá lugar a elefantes brancos e corrupção em várias partes do mundo. Megaprojetos padecem costumeiramente de um viés otimista, que, como mostra o trabalho de pesquisadores da UFMG e da USP para o Tribunal de Contas da União, faz com que seus proponentes inflem seus benefícios e subestimem seus custos. O psicólogo Daniel Kahneman, prêmio Nobel de Economia, chamou de falácia do planejamento a tendência de os responsáveis pelos megaprojetos adotarem os pontos de vista de atores interessados em sua realização sem uma real avaliação das vantagens das alternativas. Pesquisadores da Universidade de Oxford apoiam-se amplamente no trabalho de Kahneman para explicar que os orçamentos inicialmente previstos para a construção de hidrelétricas, por exemplo, não chegam, na maior parte dos casos examinados, à metade de seus custos reais. Mas as mudanças que atingem o próprio conceito contemporâneo de infraestrutura vão muito além da exigência óbvia de que elas não abram caminho à corrupção, a obras abandonadas e a custos exorbitantes. Duas transformações fundamentais estão em curso. A primeira dela materializa-se nas discussões que têm lugar hoje na sociedade norte-americana em torno da economia do cuidado. Como resultado do trabalho de inúmeras organizações da sociedade civil, a economia do cuidado não se limita a promover transferência de renda para populações pobres e para os que foram mais duramente atingidos pela pandemia. Esta transferência é importante e teve, nos EUA, como foco principal, as famílias com crianças — o que deve resultar na impressionante redução da pobreza infantil norte-americana pela metade em 2021. Mas o plano Biden procura erguer formas duráveis para cuidar melhor das crianças, dos idosos e dos portadores de deficiência. Isso significa ampliar os investimentos em creches e escolas, o que permite que as mulheres voltem ao mercado de trabalho, já que boa parte delas haviam sido obrigadas a abandonar seus cargos função da pandemia. O importante é que o cuidado com as pessoas é uma responsabilidade do poder público e não apenas das famílias e das comunidades locais. É o Estado que oferece as condições materiais e a formação de profissionais para que os idosos e os portadores de necessidades especiais tenham vida digna e, sobretudo, para que as crianças recebam atenção e ensino de qualidade, por profissionais preparados para isso. No plano Biden, estes itens não são tratados como gastos, mas como investimentos em infraestrutura. Eles são tão importantes como as rodovias, os aeroportos ou a energia. Ao mesmo tempo, eles têm a intenção explícita de se opor à discriminação racial e de gênero que marca tão fortemente o mercado de trabalho. Não é à toa que tratar os investimentos no cuidado com as pessoas como parte da infraestrutura vem junto com a iniciativa de criar um Conselho de Política de Gênero, ligado à Casa Branca, para promover a igualdade nas políticas externas e internacionais. A segunda transformação no conceito de infraestrutura tem por eixo central mudar a relação entre sociedade e natureza. Diversas organizações multilaterais (o G 20, o Banco Interamericano, a Comissão Global para a Economia e o Clima, entre outras) convergem para a seguinte constatação: o mundo deve investir, entre 2015 e 2030, algo como US$ 90 trilhões em infraestrutura. A maior parte deste investimento será nos países em desenvolvimento, onde se encontram as mais importantes necessidades não atendidas em transportes, energia, comunicações, saúde e educação. Pelos padrões até aqui predominantes, estes investimentos têm a vocação de agravar a crise climática e a erosão da biodiversidade. Esta constatação é especialmente importante para a Amazônia. Uma análise de 75 projetos rodoviários na região, totalizando 12 mil quilômetros, mostra que todos têm impactos negativos sobre as áreas florestais. É à beira das rodovias que se concentra 80% do desmatamento na Amazônia. E mesmo que não se considerem os impactos sobre a biodiversidade, 45% destes projetos são economicamente inconsistentes, confirmando o viés otimista estudado por Kahneman. Os trabalhos recentes do World Resources Institute e do Climate Policy Initiative corroboram estes resultados: a ideia de que as infraestruturas convencionais materializadas em megaprojetos criam empregos durante sua construção e estimulam a iniciativa privada depois de prontas — contribuindo, portanto, para o crescimento econômico — é criticada globalmente, e mostra-se particularmente perversa na Amazônia. Os resultados desta forma de conceber e implantar a infraestrutura têm sido a destruição florestal, a exploração predatória de recursos minerais e o empobrecimento da região (e da maioria das pessoas que ali vivem). A infraestrutura só vai se converter em inteligência — mais que em ossatura — do crescimento econômico se sua definição passar por um questionamento sério sobre quais são os valores ético-normativos em que se apoiam os projetos de infraestrutura. A resposta das organizações multilaterais e dos governos que estão reformulando a visão contemporânea sobre infraestrutura pode ser resumida numa proposição: o valor da infraestrutura do Século 21 está em sua capacidade de regenerar os tecidos socioambientais que, até aqui, as formas convencionais e tão frequentemente predatórias de crescimento econômico têm destruído. Orientar-se por este valor não significa apenas empenhar-se em zerar imediatamente o desmatamento (na Amazônia e no Cerrado), interromper o ataque aos povos indígenas e desmantelar a cadeia da criminalidade, da grilagem, do garimpo ilegal e das milícias hoje tão fortes na Amazônia. Significa, antes de tudo, criar mecanismos para que a infraestrutura na Amazônia seja, mais que um meio para o trânsito de commodities
O bêbado e o comunista
Por Caetano Scannavino* – A Terra é plana! – chega o bebum. – Que Terra plana que nada! A Terra é uma pirâmide! – retruca o comunista. – Pirâmide? Você tá de porre! Qualquer um sabe que a Terra é redonda… – diz o bebum, já se afastando. Não adianta subestimar, resistir ou argumentar com o bêbado chato na festa. A única forma de se livrar dele é se fazer ainda mais bebum. De dose dupla. Em meio à terra arrasada ao longo do seu mandato, os que subestimam uma eventual reeleição de Bolsonaro só fazem bem a ele. Tampouco pode-se dizer que apenas uma frente ampla das oposições – os tais comunistas – bastaria para evitar uma recondução ao cargo por mais quatro anos. É preciso deixar o rei nu. Bolsonaro soube como ninguém se apropriar e manter o popularíssimo avatar antissistema, se aproveitando de uma sociedade com ojeriza do “mais do mesmo” da política e dos muitos que prometeram mudar o sistema e acabaram mudados por ele. Vestido para matar, Bolsonaro veio para destruir, deixando para terceiros a tarefa do que colocar no lugar. Enquanto esgarça as instituições, lança como isca suas pérolas sem compromisso com a verdade ou o bom senso. As oposições mordem, sem que consigam ir além de resistir e reduzir danos. E assim vai levando, com aquele ora mais ora menos terço de apoiadores – o suficiente tanto para desencorajar movimentos por impeachment, como para deixá-lo em 2022 com um pé no 2º turno – quando então se vangloriará do provável viés de “despiora” em relação à economia e à pandemia, após o fundo do poço alcançado neste ano. Ainda que estes tempos nos tragam dificuldades de respirar, é preciso encontrar o oxigênio que nos foi cortado para inspirar mais do que união pela democracia – o que nos levaria a propor apenas a volta do que era. As oposições que se dizem progressistas devem ser capazes de despir Bolsonaro desse avatar anti-establishment que opera milagres ao vender ares de inovação e mudanças a partir de ideias retrógradas e reacionárias, vindas de um congressista com quase 30 anos de baixo-clero, boa parte dele no PP de Paulo Maluf. É hora de dobrar a aposta, como quando encontramos o bebum chato na festa. Não será tentando contê-lo que vamos espantá-lo. Teremos que extrapolar e ser mais louco que ele. Ser de fato progressistas. Como antítese a Bolsonaro, tem-se aí a oportunidade para acelerar a construção do verdadeiramente inovador e revolucionário, ousando-se criar um novo establishment no lugar da terra arrasada. Em vez de resistir ao chacoalhão das estruturas que criticávamos, temos a chance de reorganizá-las sob novos impulsos criadores. A crise pandêmica abriu ainda mais esta janela para adiantar o futuro e começar a pautá-lo desde já. No campo trabalhista, por exemplo, ao invés de pararmos no tempo acomodados apenas na defesa da CLT de Vargas, os progressistas devem também chamar respostas para a inevitável substituição de vagas de trabalho por máquinas. Que tal trazer para a agenda o que já vem sendo debatido em países europeus, como a redução da jornada para 32 horas, com mais gente trabalhando, por menos tempo? Por sinal, uma medida cujos estudos apontam melhoras na mobilidade urbana, no clima, na conta de luz e na saúde, com a diminuição das faltas, sem comprometimento da produtividade. O ajuste dos relógios ainda alavancaria a economia do lazer e da cultura, privilegiando o tempo para usufruir desses serviços ao invés de incentivar o consumismo material num planeta que não tem tido tempo – na correria que lhe impomos – para renovar seus recursos. Os experimentos de redução da jornada de trabalho também se articulam com mecanismos de renda básica, associados a saídas inovadoras no campo previdenciário, com a expectativa de vida crescente. Que tal um Bolsa Família 2.0, mais robusto, numa mobilização nacional pela erradicação da extrema pobreza que garanta o mínimo para todos? A partir daí podemos criar uma competição mais justa no mundo do trabalho. Que tal discutirmos o entendimento de empresas como entes de interesse público? A partir de exemplos como o Sistema B de “benefício”, ou o ESG, sigla em inglês para “ambiental, social, governança”? O debate nacional precisa incorporar esses pilares na análise dos investimentos, indo além das tradicionais métricas econômico-financeiras. Ao invés de reprimir, que tal alavancar as iniciativas de economia compartilhada das favelas e comunidades rurais? Precisamos discutir as políticas públicas do futuro, que por vezes nascem nas margens e nas periferias, já denunciando o que não funciona no centro do sistema. Reunir essas inteligências também passa por fortalecer a participação social, os conselhos, os mecanismos de democracia direta, de proatividade cidadã na construção de políticas mais apropriadas às realidades dos que mais precisam delas. No país líder em biodiversidade, em plena emergência climática global, a deixa está dada para contrapor um governo antiambientalista. Políticas de desmatamento zero, eficiência agrícola e polos industriais de biotecnologia e bioeconomia não só têm o potencial de movimentar trilhões de dólares para o país, como também pode nos posicionar na liderança da vanguarda mundial dos novos paradigmas de desenvolvimento. Para sermos de fato progressistas, é preciso assumirmos a construção da agenda do futuro, que vai muito além dos exemplos acima e exige uma disposição imediata de ser mais louco que o bêbado, pautar ao invés de ser pautado e, assim, libertar-se da condição de refém de debates que param o país discutindo cloroquina ou voto impresso. Se a melhor forma de prever o amanhã é construí-lo, essa é também a melhor estratégia para combater o exterminador do futuro: com mais doses de futuro. *Caetano Scannavino é empreendedor social, coordenador da ONG Projeto Saúde & Alegria, com atuação na Amazônia. Foto: Ponta do Icuxi, rio Arapiuns, em Santarém (PA) /Caetano Scannavino Esse artigo foi publicado, originalmente, no jornal Folha de S. Paulo.
Por que iremos prosperar se respeitarmos os limites do Planeta
Devemos ouvir a ciência, que não nos oferece só previsões catastróficas, mas também as soluções para os problemas que causamos Por Sérgio Guimarães* Definir e ensinar a respeitar limites, nos dizem a psicologia e a pedagogia, é uma das atitudes mais importantes para criar uma criança segura e feliz. Fundamental para propiciar o crescimento emocional e o amadurecimento de todo ser humano. Por outro lado, um adulto que não aprendeu a respeitar limites, carrega e cria dificuldades para si e para os outros durante toda a sua vida. Quando isso se torna uma característica de uma sociedade, os problemas se multiplicam. Cientistas de todo o mundo alertam há décadas que precisamos mudar a forma como nos relacionamos com o planeta. Nos últimos anos, muito tem se falado sobre os tipping points, ou pontos de não retorno, limites que não podem ser ultrapassados sob pena de graves consequências. É sobre isso o mais novo documentário de David Attenborough, “Breaking Boundaries” ou, em bom português: “Quebrando os Limites”. O filme explora os nove limiares planetários apontados pelo trabalho do professor sueco Johan Rockstrom, que explica em detalhes por que a vida na Terra está seriamente ameaçada se não mudarmos a forma como nos relacionamos com os recursos naturais. É para ontem! A Amazônia, maior floresta tropical do globo, claro, tem destaque no filme, como não poderia deixar de ter. Esse é um bioma fundamental para o equilíbrio climático regional e global e, com o aumento do desmatamento, grilagem e queimadas, está seriamente ameaçado. Todo mundo sabe disso. E, mesmo assim, cada nova pesquisa na região nos mostra números cada vez mais alarmantes. Todos os estudiosos entrevistados no documentário deixam bem claro que não podemos mais esperar. Lideranças de vários países já entenderam isso, mas, por aqui, a mensagem parece ainda não estar clara para algumas pessoas. Deveria. Um dos pontos fortes do filme é não ficar apenas nas previsões catastróficas, mas também apresentar soluções de mudanças de hábitos que podemos adotar agora para garantir a nossa própria sobrevivência. Johan Rockstrom chega a dizer que, mesmo que você seja uma pessoa que não está preocupada com o coletivo e só pensa no seu próprio bem estar e da sua família, deveria estar preocupado com o clima. Afinal, todo mundo se beneficia em viver em um planeta com ar mais puro, economias mais estáveis e menos chance de catástrofes ambientais. Ele tem razão. Adotar uma dieta com menos ou sem carne vermelha, e mais plantas como base, não só é mais saudável, como menos agressivo para o planeta. Diminuir a quantidade de lixo que geramos, também. E essas são escolhas que todos nós podemos fazer hoje, sem esperar a ação dos governantes ou outras autoridades. Mas nós também precisamos cobrar e agir pela redução urgente de emissões de gases poluentes, adotando fontes de energia limpas e renováveis, por exemplo. A crise hídrica que o Brasil enfrenta neste momento é só mais uma maneira de o planeta nos mostrar de forma contundente que precisamos parar e repensar. Outra sugestão dos especialistas do filme é, não só preservar os nossos biomas, como também recuperá-los, plantando árvores. Que o diga o Rio Iguaçu e tantos outros, que sofreram grandes desmatamentos em suas bacias, praticamente secos no momento. Juntas, essas ações podem transformar nosso futuro no planeta. E ainda melhoram a nossa vida agora. O que fizermos nesta década será determinante para as condições do planeta nos próximos séculos, ou seja, para a vida humana por aqui. Além das sugestões do filme, precisamos de uma ação articulada entre setores da sociedade e países. A pandemia nos mostrou claramente que o que acontece em um lugar pode rapidamente afetar todos os outros. Por isso, é tão importante começar fazendo a nossa lição de casa, mas depois também ajudar nosso vizinho que não completou a dele. Um caminho para isso é olhar para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, os ODS. Eles listam metas concretas para desafios como erradicação da pobreza, educação de qualidade, igualdade de gênero, água potável, etc. e sintetizam um conjunto de ambições dos países das Nações Unidas para essa década. Justamente o período decisivo para não ultrapassarmos os limites do planeta. As ODS são metas para 2030, com foco na economia, na sociedade e no planeta. São 17 pontos que devem ser encarados não como coisas separadas que se complementam, mas como indissociáveis. Essa é a proposta do trabalho de Johan Rockstrom e Pavan Sukhdev, que coloca os ODS como um “bolo de noiva”, deixando claro que eles são integrados e também que não há tempo para construirmos um por vez. Esse modelo deixa claro que um não anda sem o outro e que a natureza é a base para a sustentação para todos. Simplesmente porque não existe planeta B. Falamos nesses objetivos desde 2015 e, embora eles venham servindo de base para muitas ações estratégicas, ainda não são protagonistas de todos os planos e políticas públicas, como precisam ser. Se forem usados para orientar nossas estratégias em todos os aspectos, desde planos de negócios, projetos de infraestrutura e políticas de desenvolvimento, certamente nos levarão a uma economia mais próspera, com uma sociedade mais justa em um planeta mais saudável, com seus limites respeitados. *Sérgio Guimarães é secretário executivo do GT Infraestrutura, uma rede com mais de 40 organizações engajadas em promover as mudanças que o país precisa para ter uma economia mais sustentável e resiliente. Este artigo foi originalmente publicado na coluna do O Mundo Que Queremos, no Um Só Planeta.
É a floresta, estúpido!
O Brasil enfrenta uma crise hídrica e energética que ameaça nossa segurança e a retomada econômica. A prioridade deve ser preservar as florestas, porque elas são a fábrica das chuvas Nas eleições americanas de 1992, o marqueteiro de Bill Clinton, James Carville, cunhou uma frase que fez com ele vencesse o até então favorito George Bush: “É a economia, estúpido!” A mensagem que ele queria passar é a de que a economia é mais importante que os outros aspectos para definir os rumos de um país e também os resultados de uma eleição. Naquela época, o então presidente Bush falava sobre os triunfos da Guerra do Golfo, mas o que o cidadão americano queria mesmo era propostas que influenciariam diretamente na melhoria de sua qualidade de vida, o que ficou provado nas urnas. Se Carville tivesse que bolar um jargão para o Brasil de hoje seguindo a mesma lógica, certamente ele poderia pensar em uma frase com a mesma estrutura, trocando a palavra “economia” por “floresta”. Estamos vivendo uma crise hídrica sem precedentes, que fez com que as autoridades de todo o país tivessem que parar, em meio a uma crise sanitária, para discutir energia. Isso porque a falta de chuvas deixou os reservatórios das hidrelétricas com níveis perto do colapso, o que ameaça causar apagões em várias regiões. Os governos já começaram as campanhas de conscientização da população, pedindo para diminuir o tempo de banho ou lembrar de desligar as luzes. Mas o que essas mensagens deveriam estar pedindo é que todos parassem imediatamente de destruir nossas florestas. O mundo todo sabe disso, mas parece que os brasileiros precisam ser lembrados de porque parar o desmatamento é tão fundamental. As florestas são as produtoras de chuvas. Isso é ciência básica. As raízes das árvores são fundamentais para puxar a umidade do solo e subsolo e levar até as folhas, que passam a água para a atmosfera por um processo chamado evapotranspiração. Segundo os cientistas, cada árvore adulta lança até quatro litros de água por metro quadrado de copa todo dia. Por isso, a crise energética tem relação direta com o desmatamento. Se o problema é a falta de chuva, precisamos lembrar onde é que elas são formadas: na floresta. Um país que, como o Brasil, depende de energia hidrelétrica deve abraçar todas as árvores. As florestas precisam ser consideradas infraestrutura tanto quanto as turbinas ou os geradores. Com uma diferença importante. Se uma turbina ou gerador quebrar, você conserta ou troca. Já uma floresta destruída é muito mais difícil de ser recomposta. Uma pessoa que desmata a floresta tem que ser punida como alguém que vandaliza a turbina de uma hidrelétrica. Sem floresta não tem chuva. Sem chuva, não tem hidrelétrica. Sem hidrelétrica não tem energia. Aliás, mesmo que finalmente investíssemos em outras fontes de energia, ainda precisaríamos de água para beber e irrigar. “A floresta é nossa infraestrutura natural mais preciosa”, afirma Sergio Guimarães, secretário executivo do GT Infraestrutura, uma rede de mais de 40 organizações. “A floresta atua como regulador do clima no planeta todo e estamos chegando ao ponto de não retorno na maior floresta do Brasil, a Amazônia. Se ultrapassarmos esse limite, todo o bioma que gera as chuvas para o Brasil e equilibra o clima do mundo, começa a entrar em colapso sozinho, secando e virando uma savana com solos arenosos expostos. Precisamos impedir isso agora.” E ainda tem a crise econômica, para a qual uma das saídas é explorar a floresta em pé, de maneira sustentável, sem prejudicar a nossa fábrica de chuvas. Um estudo recém publicado acaba de mostrar que apenas a exploração mais inteligente dos produtos sustentáveis da floresta que já comercializamos poderia render R$ 10 bilhões por ano ao Brasil. Não é muito difícil enxergar: é a floresta, estúpido! Este artigo foi escrito por Alexandre Mansur e Angélica Queiroz e publicado, originalmente, na coluna Ideias Renováveis, da Revista Exame. Foto: Cascata do Caracol, no Rio Grande do Sul (Renato Soares/Divulgação)
Em defesa do Brasil
por Sérgio Guimarães, secretário executivo do GT Infraestrutura O dia mundial do meio ambiente, 5 de Junho, foi escolhido em 1972 pela Assembleia Geral da ONU, em homenagem ao dia da abertura da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Humano, que aconteceu em Estocolmo que reuniu 113 países, para discutir os impactos da ação humana na natureza e os riscos para sua sobrevivência. O principal objetivo da data é conscientizar a comunidade sobre a importância de preservar os diferentes tipos de ecossistemas. No Brasil, desde 1981, a primeira semana de junho foi instituída como a Semana Nacional do Meio Ambiente, que tem como objetivo promover a participação da comunidade na preservação do patrimônio natural do Brasil. O tema da Semana do Meio Ambiente em 2021, é a restauração dos ecossistemas. No dia 5 de junho, será lançada a Década das Nações Unidas da Restauração de Ecossistemas 2021-2030, com o objetivo de aumentar em grande escala a restauração de ecossistemas degradados e destruídos para combater a crise climática, evitar a perda de um milhão de espécies e aumentar a segurança alimentar. Tudo a ver com um dos maiores problemas do Brasil, o desmatamento e as queimadas que têm aumentado significativamente nos últimos dois anos, principalmente na Amazônia, mas também no Cerrado e no Pantanal. O aumento da percepção da importância do meio ambiente na sociedade tem crescido ano após ano não só na medida que as agressões têm aumentado, mas também pela constatação de que as alterações provocadas têm consequências extremamente danosas para a economia e a sociedade. Mesmo assim, a reação diante dos danos causados e das perspectivas de prejuízos crescentes ainda tem sido aquém do necessário para estancar e reverter processos destrutivos. Em plena semana do meio ambiente alguns assuntos ambientais disputam a atenção da sociedade, entre eles: 1. A crise grave hídrica, que afeta o fornecimento de energia e o abastecimento d’ água, com graves implicações econômicas e sociais. 2. Repetidas invasões de terras indígenas por garimpeiros armados, que ocupam e exploram ilegalmente as Terra Indígenas Munduruku (PA) e Yanomami (RR). Não bastasse, garimpeiros, encapuzados, armados com fuzis, atacaram e saquearam uma base do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade em Roraima, ameaçando de morte funcionários, que fugiram para a floresta. 3. A abertura de mais uma investigação contra o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ligada à apreensão de 226 mil metros cúbicos de madeira, sob acusação de crimes como advocacia administrativa, criar dificuldades para a fiscalização ambiental e atrapalhar investigação de infração penal que envolva organização criminosa. Detalhe, a denúncia partiu dos Estados Unidos. À primeira vista, pode-se até pensar que os assuntos não guardam correlação direta entre si. Mas uma análise mais acurada mostra que estão intrinsecamente ligados ou mesmo, que no fundo, que são um assunto só. A exportação ilegal de madeira (contrabando) é uma das causas do aumento do desmatamento na Amazonia, que por sua vez tem influência direta no regime de chuvas das regiões Sudeste e Centro-oeste, onde se vivencia a maior crise hídrica em quase 100 anos. Com isso, o nível dos reservatórios das principais hidrelétricas do país está extremamente baixo, comprometendo o fornecimento de energia e obrigando o governo a acionar usinas termelétricas para evitar o apagão. A atuação do ministro, desde o início do governo tem sido explicitamente no sentido de abater o marco legal de defesa do meio ambiente (“passando a boiada”) e enfraquecer a atuação dos órgãos ambientais, o que, é claro, incentiva o garimpo ilegal e a invasão das terras indígenas e os ataques criminosos aos indígenas. O que por sua vez contribui para o aumento do desmatamento, que tem relação direta com a alteração com a alteração do regime de chuvas e a crise hídrica, crise de energia e suas consequências no bolso do consumidor e das empresas, aumento da inflação, gerando ciclos viciosos que vão contaminando diferentes setores da economia e da sociedade. Portanto, é fundamental que as instituições brasileiras, os diversos segmentos da sociedade, desde o judiciário, os setores lúcidos do parlamento, segmentos econômicos, organizações da sociedade e os próprios cidadãos, na ausência de governo, ou melhor, diante de um governo aliado à ilegalidade ambiental e à setores a margem da lei, se articulem e busquem respostas mais contundentes e efetivas pra reverter essas situações. Afinal, esse é o objetivo da semana nacional de meio ambiente “promover a participação da comunidade na preservação do patrimônio natural do Brasil” e também uma indicação de caminho para que possamos resolver esses e outros grandes problemas que afligem o Brasil e os brasileiros neste momento.